FOLHA DE SP - 26/02
SÃO PAULO - O futebol é mágico. Tem o dom de fazer pessoas inteligentes defenderem posições que, dificilmente, sustentariam em outros campos de atividade. Refiro-me à decisão da Conmebol de punir o Corinthians, excluindo sua torcida de todas as partidas da Libertadores.
À primeira leitura, essa pode parecer uma sanção razoável, diante da enormidade que foi a morte do garoto boliviano atingido por um sinalizador disparado pelas hostes corintianas na última quarta-feira, em Oruro. A esmagadora maioria dos comentaristas que li aprovou a medida.
Pessoalmente, tenho medo da lógica que sustenta o código de punições da Conmebol e de outras confederações -que se apoiam numa ética puramente consequencialista, na qual só o que importa são os resultados das ações. Tudo o que produza mais bem do que mal fica inapelavelmente autorizado. Para evitar novas mortes e disciplinar o mau comportamento das torcidas organizadas, torna-se lícito fechar os portões do estádio para corintianos, mesmo que isso prejudique os jogadores e milhares de simpatizantes do time, que não fizeram nada de errado.
Não sou um inimigo do consequencialismo. Ao contrário, tenho grande simpatia por ele, notadamente na bioética. Mas não podemos perder de vista que, em estado puro, ele leva a paradoxos. Numa visão estritamente consequencialista, o Estado pode deter um criminoso, ameaçando matar sua família, e o médico pode sacrificar um paciente saudável para, com seus órgãos, salvar a vida de cinco pessoas na fila do transplante.
Para não se divorciar inteiramente de nossas intuições de justiça, o consequencialismo precisa ser temperado por princípios deontológicos ou regras que preservem garantias individuais. É nisso que fracassam os novos códigos futebolísticos.
Para muitos, o esporte deve servir de exemplo. A pergunta é: exemplo de quê? De como agir com justiça ou de como resolver problemas?
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