País infringe cláusula democrática com expedientes chavistas para adiar a posse do presidente enfermo e deixa aliados em situação delicada
Não podia ser mais digna de regime autoritário a falta de transparência com que o chavismo lida com a doença do chefe máximo, internado em Cuba para a quarta cirurgia devido a um câncer. Impressionam as fórmulas mirabolantes que os mais próximos a Hugo Chávez apresentam para contornar o “estorvo” de a Constituição da Venezuela determinar para o dia 10, quinta-feira, a posse para um terceiro mandato de seis anos, diante da Assembleia Nacional (Congresso).
Segundo a Carta, se o eleito não puder se apresentar ao Congresso na data indicada, deverá fazê-lo diante do Supremo Tribunal de Justiça, sem especificar data ou local. É nisto que se baseia o politiburo chavista para alegar que a posse pode ser feita “no futuro”, diante do órgão máximo do Judiciário.
O agravamento da doença de Chávez explodiu no colo do pequeno grupo que ocupa os postos-chave em torno do comandante. É o que acontece com todos os modelos políticos construídos ao redor do culto à personalidade e à concentração de poder em torno do chefe único, onisciente e onipotente. É da própria natureza desses regimes a tentação de não obedecer regras de troca de comando, na vã suposição da “imortalidade” de seu líder.
O máximo que conseguem é adiar o desfecho, ganhando tempo para negociar internamente a sucessão, ou para que a luta intestina aponte um vencedor. Enquanto isto, o líder agonizante é mantido vivo à custa de aparelhos, ou a notícia de sua morte é adiada tanto quanto possível.
Antes de partir para Havana, Chávez indicou o vice-presidente Nicolás Maduro como substituto. Ele assume se o presidente morrer antes do dia 10 (para completar o mandato). Mas Maduro tem um rival muito forte em Diosdado Cabello, recém-eleito presidente da Assembleia, que assumiria após o vice completar o mandato, com a missão de convocar eleições em 30 dias. A tentativa de adiar a posse, via artifícios sem base legal, cheira a golpe. Que teria sido gestado numa reunião entre os altos dirigentes do chavismo e Raúl Castro, em Havana.
Não espanta o governo brasileiro enviar o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, para acompanhar o que se passa em Havana. Afinal, o Brasil foi o principal avalista do ingresso da Venezuela no Mercosul, em estranha manobra: a Unasul e o Mercosul consideraram, com extrema rapidez, o impeachment de Fernando Lugo pelo Congresso paraguaio um “golpe de estado”, e suspenderam o Paraguai, com base na cláusula democrática. Explica-se: o Paraguai era o único obstáculo à adesão plena da Venezuela ao Mercosul.
Como o Brasil e demais membros do Mercosul e Unasul procederão agora que os chavistas querem passar por cima da Constituição venezuelana e adiar a data da posse de Chávez? Não aplicarão o mesmo tratamento dado ao Paraguai. Afinal, aquele episódio demonstrou que a cláusula democrática foi na prática revogada, para a desmoralização das duas alianças.
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