terça-feira, janeiro 08, 2013

Barafunda fiscal - JOSÉ PAULO KUPFER


O Estado de S.Paulo - 08/01


As motivações que, finalmente, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, ofereceu para as manobras contábeis que permitiram fechar as contas públicas primárias de 2012 dentro da meta fiscal restrita (que desconta as despesas com inversões no PAC) são do tipo que explicam, mas não justificam.

Em entrevista à colega Adriana Fernandes, do Estado, Augustin disse que o governo preferiu fazer uma espécie de conta de chegar a, simplesmente, reduzir a meta (ler abaixo).

O governo, segundo ele, fez o que determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e uma redução da meta teria de passar pelo Congresso ou ser definida por medida provisória, o que Augustin diz não saber se seria legalmente possível.

Difícil compreender como o recurso a truques, ainda que legais, possa ser melhor do que obedecer às restrições da realidade. O baixo crescimento, combinado com a ampliação das isenções e deduções tributárias, movimentos que reduzem receitas fiscais, parece ser justificativa melhor para o eventual e temporário furo na meta do que a produção da ficção contábil que permitiu "alcançar" o alvo fiscal.

A escolha do governo, enfim, foi dourar a pílula fiscal com a fritura de credibilidade no trato com as contas públicas. À repetição de antecipações de dividendos de estatais, juntou-se, desta vez, a novidade do resgate de recursos do Fundo Soberano. Com isso, o montante de "receitas" atípicas adicionais girou em torno de 0,6% do PIB - mais do que os 0,4% do PIB extraordinariamente adicionados em 2011.

Calcula-se que, sem as manobras fiscais do fim do ano, o superávit primário teria fechado 2012 nas vizinhanças de 2% do PIB. A ironia é que, nesse patamar, o superávit primário, de acordo com simulações que levam em conta o custo real implícito da dívida pública, possibilitaria estabilizar a relação dívida/PIB no nível razoável em que já se encontra.

Adotar contabilidades criativas e recorrer a receitas atípicas para fechar contas fiscais não é uma invenção deste governo, embora desde a crise de 2008 a preferência pelos truques e manobras tenha ganhado impulso.

De 2000 para cá, segundo estimativas do departamento de pesquisas econômicas do Itaú Unibanco, manobras fiscais variadas resultaram na adição média anual de 0,5% do PIB em receitas atípicas à arrecadação primária do governo.

Tanto ou mais do que os efeitos deletérios da trucagem para anabolizar receitas, a execução fiscal, ao tentar segurar despesas, tem produzindo crescentes impactos negativos na administração das contas públicas.

As projeções de que os chamados "restos a pagar" - recursos orçamentários empenhados, mas não liquidados - chegarão a R$ 200 bilhões, em 2013, dez vezes o volume de 2003, falam por si.

Mais confusão e menos transparência são, obviamente, condenáveis. Nem por isso significam, necessariamente, como alguns tentam fazer crer, descontrole nas contas públicas.

A carga tributária, ainda que em níveis altos, está estabilizada, o déficit nominal das contas públicas (inclui as despesas com juros da dívida pública) gira na casa de 2,5% do PIB - abaixo, por exemplo, dos 3% do PIB requeridos de cada país europeu candidato a adotar a moeda única e muito inferior aos 10% do PIB com o que se debatem os países de economia madura - e os indicadores de solvência da dívida são cadentes.

Mesmo com todas as manobras, a dívida bruta pública equivale a 65% do PIB, no conceito internacional estrito, e a 55% do PIB, de acordo com a metodologia do Banco Central, que procura se adequar à realidade econômica brasileira, incluindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Vale lembrar que, nas economias desenvolvidas dos dois lados do Atlântico, a dívida pública mais baixa anda ao redor de 85% do PIB.

No caso da dívida líquida, mais utilizada no País, o indicador apresenta-se em queda há anos, devendo ter encerrado 2012 em 35% do PIB. Quando se calcula a relação dívida líquida/PIB excluindo os truques contábeis que inflam as receitas e acomodam o superávit primário às metas, a dívida líquida subiria para 38% do PIB, como estimou o Itaú Unibanco. Ainda assim seria um nível muito mais confortável do que os 65% de dez anos atrás.

Nesse quadro relativamente benigno, apelar para "contabilidade criativa", qualquer que seja a explicação, não faz sentido.

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