Em Manhattan os boêmios, músicos e notívagos eram os "hipsters", uma derivação da palavra "hep", de origem africana para identificar a gente "de olho aberto", a turma por dentro.
Músicos e fãs eram hipsters ou hepcats. Na época, década de 40, a música transitava do swing para o bop e para o jazz.
Deles brotaram os "beats", palavra que também vem da cultura do jazz, criada e definida por Jack Kerouac, em 48, um dos fundadores da tribo beat. Significava derrubado, marginalizado, pobre, mas cheio de inspiração.
A palavra também tinha conotação de beatificação, gente pura. Eles eram fudidos iluminados, drogados, alienados, existencialmente angustiados, sexualmente e homossexualmente liberados e tolerantes, culturalmente inovadores e do contra, politicamente alienados.
Em 1958, quando os russos lançaram o satélite Sputnik, Herb Caen, um influente colunista de San Francisco, no deboche, fundiu beat com "nick", deu beatnik. Enfureceu Jack Kerouac, que se sentiu chamado de "babaca". O nome pegou, mas até hoje a maioria dos americanos não sabe o que significa. Faça o teste.
Depois deles, nos 60, vieram os hippies. Novas drogas, novas loucuras, pacifismo e outro ritmo, o rock.
O que nos interessa hoje são os beatniks, que estão entre os hipsters e os hippies e de volta nos cinemas, livrarias e debates. A obra máxima dos beatniks, On The Road, de Jack Kerouac, é uma biografia fictícia sobre suas viagens de carro com um amigo, da costa Leste à Oeste, idas e voltas, em álcool, drogas, sexo, divagações metafísicas em busca deles mesmos e do sentido da vida.
On The Road, o filme do diretor brasileiro Walter Salles, está em cartaz nos Estados Unidos, numa versão que dividiu os críticos e não correspondeu às expectativas de bilheteria americana. Até agora, o filme, que custou mais de US$ 20 milhões, faturou pouco mais de US$ 8 milhões no exterior, a maior parte na França, Itália e Brasil, e menos de US$ 200 mil nos Estados Unidos.
Nas livrarias, há uma nova biografia de Jack Kerouac, The Voice is All, da escritoria Joyce Johnson, que teve um affair com o escritor durante dois anos na época da publicação de On The Road, em 1958.
Este é o terceiro livro dela sobre Kerouac. Neste, ela defende o talento literário do "Rei dos Beats", nascido em Boston, mas de origem franco-canadense. Ele às vezes duvidava do próprio talento, debochava da incompetência nas duas línguas. Truman Capote também debochou, mas com crueldade. Quando contaram que Kerouac escreveu 125 mil palavras em 20 dias, Capote disse que "não escrevia. Datilografava".
Jack Kerouac agora brilha noutro filme, Kill Your Darlings, que estreou e foi vendido nesta semana no festival de Sundance. A recepção inicial foi entusiasmada, mas os críticos mais influentes ainda não se manifestaram.
O filme conta a história da amizade e das primeiras incursões literárias dos três beats originais, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, que se encontraram na universidade Columbia na década de 40. Havia um quarto beat, Lucien Carr.
O grupo bebe, fuma maconha, se droga, curte jazz no Village e no Harlem, transa com homens, mulheres, entre eles, e se envolve "no crime da década". Lucien Carr, que vinha de uma família milionária do sul, mata a facadas o tutor que o havia seduzido na adolescência e queria manter viva a relação entre os dois em Nova York.
O crime acaba com a carreira universitária dos futuros escritores e o assassino se muda para Paris, onde casa, tem filhos, se torna chefe da agência de notícias UPI e abandona os antigos amigos, embora Allen Ginsberg, que o adorava, tenha sido o responsável pela sentença curta que recebeu no julgamento.
Na universidade, Allen Ginsberg descobriu, além da sua homossexualidade, seu talento literário. Seu poema Howl, escrito em 1955, censurado e liberado pela Justiça, se tornou um hino dos hippies, desatinados e rebeldes durante várias décadas.
No filme, Allen Ginsberg é interpretado por Daniel "Harry Potter" Radcliff, que não é gay, mas se entrega de corpo e alma às cenas eróticas. Foi o assunto da imprensa e dos fãs depois da estreia em Sundance.
O ex-mago tem bom humor. Contou que antes de começar as cenas perguntou ao diretor "como é a transa? Preciso de instruções".
John Krokidas, que é gay, instruiu. As três cenas não duraram uma hora e meia de filmagem e as mais fortes foram cortadas.
Depois dos filmes Harry Potter, Radcllif fez a peça Equus, em Londres, onde aparecia nu no palco numa história sobre a relação física e espiritual (a sexual é subentendida) entre ele e um cavalo, e onde cega seis deles num estábulo.
Com Equus, Radcliff achou que se livraria do que chama de "maldição de Harry Potter", mas continuou Potter. Para Kill your Darlings, ele tingiu o cabelo, fez permanente, os olhos ficaram castanhos, as armações dos óculos engrossaram, mas quando entrou num prédio da Quinta Avenida foi cercado por adolescentes histéricas.
Quando saiu de uma filmagem na Universidade Columbia, milhares de estudantes estavam na porta aos gritos "Score One for the Gryffindor".
Depois da estreia e do choque homossexual de Kill Your Darlings em Sundance, o mago acha que se livrou da "maldição Potter".
Duvido. Mais fãs vão querer abraçá-lo. É a mágica dos beatniks.
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