domingo, janeiro 27, 2013

Os riscos do sistema de rastreamento de veículos - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/01


Até que ponto um programa de controle absoluto e instantâneo como esse não fere direitos do cidadão, como o da privacidade e o de ir e vir livremente?



O Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos (Siniav) deve começar a ser implantado este ano, mas é uma questão em aberto. O serviço fiscalizará a frota nacional por meio de antenas e placas eletrônicas instaladas na parte interna do para-brisa dos carros, num formato semelhante ao que é adotado nas etiquetas de passe livre das operadoras de pedágio. O dispositivo eletrônico será conectado aos órgãos de trânsito, e conterá dados como placa, chassis e um número de série. O sistema visa a coibir a circulação de veículos em situação irregular (do ponto de vista fiscal e criminal), inibir o roubo e manter toda a frota do país sob constante controle.

Em tese, são objetivos corretos, mas não é na aplicação declarada do sistema que residem as maiores objeções, e sim nas implicações que podem decorrer de um programa de controle que tangencia prerrogativas constitucionais da sociedade, e o risco de concentrar nas mãos do Estado mais um banco de informações sobre os cidadãos. O fantasma do Big Brother de George Orwell não pode ser desprezado: ainda que o país esteja arejado institucionalmente, há sempre o perigo de dados pessoais serem capturados em computadores oficiais e manipulados para atender a interesses escusos. Por exemplo, o mapeamento do trajeto de determinado veículo pode alimentar chantagens pessoais, com os mais diversos fins. São incontáveis os casos de espionagem criminosa feitas em aparelhos do Estado.

A questão de fundo na adoção do Siniav não é meramente técnica, mas de princípio: até que ponto um sistema de controle absoluto e instantâneo como este não fere direitos do cidadão, como o da privacidade e o de ir e vir livremente? Não são dúvidas meramente retóricas. A particularidade de o Estado manter cidadãos permanentemente rastreados, ainda que apenas os donos de veículos, pode não assustar tanto numa sociedade em que prerrogativas constitucionais sejam asseguradas por instituições sólidas, mas sempre há a eventualidade de agentes públicos caírem na tentação de, explicitamente ou por ações dissimuladas, recorrer a informações desse tipo de banco de dados com finalidades deletérias.

É sintomático o fato de a Ordem dos Advogados do Brasil ter se declarado contra o Siniav desde o início. E agora, quando o projeto parece entrar numa fase mais concreta, a entidade ratifica a posição, anunciando que recorrerá ao Supremo Tribunal Federal para questionar a legalidade do sistema. Não é preciso ferir direitos constitucionais para se coibir roubo de veículos e obrigar a manutenção em dia da documentação dos veículos. Isso se faz com uma fiscalização rígida e o aperfeiçoamento dos canais de licenciamento anual. São instrumentos que já existem em todo o país. O poder público que cuide de torná-los eficientes.

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