REVISTA ÉPOCA
A história geralmente não é escrita por linhas retas. Por isso, sempre é muito difícil prever com exatidão o futuro, além de nos surpreendermos com a análise que se fez no passado recente dos rumos da política ou da economia. Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer que o discurso que inaugurou o novo mandato do presidente Barack Obama não garante que ele cumprirá integralmente as promessas tão ousadas que propôs. Mas se aquelas idéias tão firmemente defendidas diante do Capitólio tornarem-se efetivamente bandeiras do governo e dos Democratas, e se ainda elas conquistarem cada vez mais apoio - o que parece hoje factível -, a agenda política dos Estados Unidos terá se modificado profundamente. E fazer uma mudança como essa, mesmo que não se consiga implementar todas as medidas, é o que faz uma Presidência entrar para a história.
É um grande paradoxo o fato de que o segundo mandato tenha a chance de levar a um período de mudança de agenda, uma vez que foi a primeira vitória eleitoral que trouxe mais esperanças transformadoras, sintetizadas pela frase "Yes, we can", ao passo que a vitória de 2012 esteve mais relacionada, pelo menos no plano do discurso, a uma estratégia mais realista.
Três fatores, a meu ver, explicam esse paradoxo. O primeiro relaciona-se ao peso do legado deixado por George W. Bush. A enorme crise financeira e a situação nas frentes de guerra absorveram muito tempo e energia do primeiro mandato de Obama. Ademais, os efeitos desses dois fardos foram maiores do que calculava o presidente: o crescimento econômico não voltava na medida necessária para reduzir o desemprego, e as batalhas do Iraque e do Afeganistão sorviam recursos sem que trouxessem ganhos importantes para a política externa americana.
As dificuldades do primeiro mandato também podem ser explicadas pela estratégia de curto prazo adotada pelo presidente Obama. Ele preferiu negociar exaustivamente com seus oponentes e com o mercado, buscando construir o maior consenso possível e evitando um confronto mais aberto. Essa estratégia foi mais bem-sucedida no caso da Reforma da Saúde, pois embora esta tenha tido menor
abrangência do que o proposto, ela ainda sim permitirá o acesso a serviços médicos para milhões de pessoas que não tinham esse direito. No restante da agenda, pouco foi obtido, pelo menos se compararmos com o discurso eleitoral.
Mas é interessante notar que a estratégia mais incrementalista começou a dar resultados no final do primeiro mandato, quase ao apagar das luzes. Agora, há uma perspectiva maior de crescimento da economia americana e, certamente, do término das guerras iniciadas por Bush, com o provável desembarque da luta no Afeganistão. Daí se pode concluir que a estratégia moderada do primeiro mandato foi muito perigosa, dado que colocou a reeleição em risco e levou muitos analistas a dizer, entre 2011 e 2012, que o projeto de mudança de Obama era um fracasso. Seus resultados no médio prazo permitiram, no entanto, um novo fôlego para uma proposta reformadora.
A possibilidade de um segundo mandato mais mudancista, por fim, vem de fatores, em princípio, externos à ação do presidente Obama. Penso aqui na junção de mudanças demográficas e de valores da sociedade americana, de um lado, com a forma como os republicanos construíram seu discurso nos últimos anos, de outro. No primeiro caso, cabe destacar os seguintes elementos que podem levar a um novo perfil eleitoral: o aumento da importância eleitoral dos imigrantes; a adoção de uma visão mais liberal - no sentido americano do termo, mais associado a costumes do que ao modelo de intervenção do Estado - por um contingente um pouco maior do que a maioria da sociedade, principalmente por parte das mulheres, mas não só; e o crescimento da consciência ambiental, fruto tanto do impacto das tragédias naturais recentes como da possibilidade de casar a busca por sustentabilidade com inovações tecnológicas, como ilustram bem as chamadas energias limpas.
Os republicanos não perceberam essas mudanças no perfil social americano. Pior: nos últimos anos, radicalizaram o discurso, na linha do Tea Party, e isolaram os moderados do partido, que sempre foram importantes para conquistar os eleitores de centro. O maior exemplo disso foi a campanha de Mitt Romney, que foi muito mais à direita do que deveria. A disjunção entre as mudanças sociais que estão acontecendo nos EUA e o discurso anacrônico dos republicanos foi muito bem percebida por Obama na campanha eleitoral.
A agenda proposta pelo presidente reeleito é bastante progressista perante o ideário predominante nos últimos 30 anos. Ela abre portas para uma visão mais multilateralista e menos intervencionista no plano internacional, incorpora temas novos e uma visão mais compatível com o cenário do século XXI e, sobretudo, tem como principal lema a idéia de uma sociedade mais igualitária, numa versão ainda mais ousada do que a construída pelo modelo de Roosevelt.
A questão principal não é esperar o cumprimento integral de seu discurso de posse, mas quanto Obama conseguirá mudar a agenda para a próxima eleição, tornando sua visão mais liberal no plano dos costumes e mais igualitarista no plano das políticas públicas os dois marcos para a política americana nos próximos anos. Se conseguir isso, ficará para a história como o criador de uma nova hegemonia.
É um grande paradoxo o fato de que o segundo mandato tenha a chance de levar a um período de mudança de agenda, uma vez que foi a primeira vitória eleitoral que trouxe mais esperanças transformadoras, sintetizadas pela frase "Yes, we can", ao passo que a vitória de 2012 esteve mais relacionada, pelo menos no plano do discurso, a uma estratégia mais realista.
Três fatores, a meu ver, explicam esse paradoxo. O primeiro relaciona-se ao peso do legado deixado por George W. Bush. A enorme crise financeira e a situação nas frentes de guerra absorveram muito tempo e energia do primeiro mandato de Obama. Ademais, os efeitos desses dois fardos foram maiores do que calculava o presidente: o crescimento econômico não voltava na medida necessária para reduzir o desemprego, e as batalhas do Iraque e do Afeganistão sorviam recursos sem que trouxessem ganhos importantes para a política externa americana.
As dificuldades do primeiro mandato também podem ser explicadas pela estratégia de curto prazo adotada pelo presidente Obama. Ele preferiu negociar exaustivamente com seus oponentes e com o mercado, buscando construir o maior consenso possível e evitando um confronto mais aberto. Essa estratégia foi mais bem-sucedida no caso da Reforma da Saúde, pois embora esta tenha tido menor
abrangência do que o proposto, ela ainda sim permitirá o acesso a serviços médicos para milhões de pessoas que não tinham esse direito. No restante da agenda, pouco foi obtido, pelo menos se compararmos com o discurso eleitoral.
Mas é interessante notar que a estratégia mais incrementalista começou a dar resultados no final do primeiro mandato, quase ao apagar das luzes. Agora, há uma perspectiva maior de crescimento da economia americana e, certamente, do término das guerras iniciadas por Bush, com o provável desembarque da luta no Afeganistão. Daí se pode concluir que a estratégia moderada do primeiro mandato foi muito perigosa, dado que colocou a reeleição em risco e levou muitos analistas a dizer, entre 2011 e 2012, que o projeto de mudança de Obama era um fracasso. Seus resultados no médio prazo permitiram, no entanto, um novo fôlego para uma proposta reformadora.
A possibilidade de um segundo mandato mais mudancista, por fim, vem de fatores, em princípio, externos à ação do presidente Obama. Penso aqui na junção de mudanças demográficas e de valores da sociedade americana, de um lado, com a forma como os republicanos construíram seu discurso nos últimos anos, de outro. No primeiro caso, cabe destacar os seguintes elementos que podem levar a um novo perfil eleitoral: o aumento da importância eleitoral dos imigrantes; a adoção de uma visão mais liberal - no sentido americano do termo, mais associado a costumes do que ao modelo de intervenção do Estado - por um contingente um pouco maior do que a maioria da sociedade, principalmente por parte das mulheres, mas não só; e o crescimento da consciência ambiental, fruto tanto do impacto das tragédias naturais recentes como da possibilidade de casar a busca por sustentabilidade com inovações tecnológicas, como ilustram bem as chamadas energias limpas.
Os republicanos não perceberam essas mudanças no perfil social americano. Pior: nos últimos anos, radicalizaram o discurso, na linha do Tea Party, e isolaram os moderados do partido, que sempre foram importantes para conquistar os eleitores de centro. O maior exemplo disso foi a campanha de Mitt Romney, que foi muito mais à direita do que deveria. A disjunção entre as mudanças sociais que estão acontecendo nos EUA e o discurso anacrônico dos republicanos foi muito bem percebida por Obama na campanha eleitoral.
A agenda proposta pelo presidente reeleito é bastante progressista perante o ideário predominante nos últimos 30 anos. Ela abre portas para uma visão mais multilateralista e menos intervencionista no plano internacional, incorpora temas novos e uma visão mais compatível com o cenário do século XXI e, sobretudo, tem como principal lema a idéia de uma sociedade mais igualitária, numa versão ainda mais ousada do que a construída pelo modelo de Roosevelt.
A questão principal não é esperar o cumprimento integral de seu discurso de posse, mas quanto Obama conseguirá mudar a agenda para a próxima eleição, tornando sua visão mais liberal no plano dos costumes e mais igualitarista no plano das políticas públicas os dois marcos para a política americana nos próximos anos. Se conseguir isso, ficará para a história como o criador de uma nova hegemonia.
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