O Estado de S.Paulo - 27/01
Em termos singelos, ter espírito público significa colocar os interesses da comunidade acima de interesses pessoais ou de grupos. No trato da coisa pública - por exemplo, no governo de um país - a aplicação rigorosa desse princípio é fundamento indispensável, porque os interesses nacionais nem sempre coincidem com os interesses ocasionais dos grupos políticos que empolgam o poder. Estes tendem a priorizar ações governamentais que favoreçam sua ambição - nem por isso menos legítima - de se manter no poder.
A isso se dá o nome de interesse eleitoral. Do bom governante espera-se a coragem de fazer o que precisa ser feito em benefício do bem comum, o que eventualmente - principalmente em situações de crise - implica adotar medidas que contrariem os interesses eleitorais imediatos dos grupos políticos que o sustentam.
Em outras palavras, não dá para governar cumprindo exclusivamente uma agenda artificial de boas notícias talhadas sob medida para alimentar campanhas eleitorais. Fazer um país andar para a frente não é responsabilidade apenas do governo, mas de toda a sociedade. Governar, portanto, significa envolver a sociedade no processo inevitavelmente difícil de construir o futuro.
A alternativa é o populismo, que reduz o cidadão à condição de eleitor manipulado por uma máquina de fabricar ilusões. Assim, um governo que se pretende democrático e progressista ou bem se conduz em obediência ao espírito público, ou bem cede à pressão dos interesses menores e se rende ao populismo. Este é o grande dilema que o governo de Dilma Rousseff enfrenta ao ingressar na segunda metade de seu mandato.
As lideranças do PT - partido que nasceu "ideológico" e no poder se tornou deslavadamente populista - andam extremamente preocupadas com os rumos do governo Dilma. O cumprimento das metas otimistas triunfalmente anunciadas, especialmente na área econômica, é no momento a grande pedra no sapato dos mais influentes líderes petistas, segundo revela o jornal Valor (17/1). E essa preocupação é agravada pelo fato de que todos consideram que, a partir de agora, a campanha presidencial de 2014 está nas ruas e é imprescindível, portanto, atentar para o efeito eleitoral das principais ações governamentais. Ou seja, "sincronizar as agendas do PT, do Lula e da Dilma". E é aí, evidentemente, para colocar a questão nos termos enunciados pelo alto dirigente petista citado pelo Valor, que PT, Lula e Dilma podem entrar em rota de colisão. A hipótese, no entanto, nos parece inteiramente improvável, a menos que a presidente imponha o espírito público na condução do governo.
O que parece bastante provável é que, nos próximos meses, a relação entre o governo e o principal partido que o apoia adquira certa tensão. Está claro que, a partir de agora, o PT não está interessado em governar o País, mas em vencer as eleições de 2014. É a inversão do princípio de que os partidos políticos querem ganhar eleições para chegar ao poder. O PT quer usar o poder para ganhar eleições e para tanto não hesitará em fazer rigorosamente tudo o que for necessário. Essa é sua visão muito peculiar de espírito público.
Dessa perspectiva, Lula & Cia. têm de fato motivos de sobra para se preocuparem. Na contramão das previsões otimistas de Dilma e, principalmente, do ministro Guido Mantega, a economia patina e cambaleia à custa de um amplo repertório de artifícios como incentivos fiscais, financiamento do consumo e imposição de freios ao reajuste do preço de serviços públicos.
A aparelhada máquina do governo dá demonstrações repetidas de enorme incompetência no cumprimento do cronograma de obras de impacto na área de infraestrutura, anunciadas como prioritárias. No setor de energia, o desempenho público do ministro Lobão seria cômico, se não fosse trágico, pois demonstra diariamente que não entende nada do assunto ou é mal informado. Talvez os dois.
Nesse quadro, aguarda-se a "visita" que Lula, de volta à cena política, fará a Dilma nos próximos dias. O encontro poderá marcar um episódio importante no confronto dos interesses do PT com o espírito público.
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