CORREIO BRAZILIENSE - 27/01
No mesmo dia em que a presidente Dilma Rousseff foi à tevê anunciar a boa nova da conta de luz mais barata, empresários europeus e brasileiros saíam de Brasília frustrados com os resultados do encontro de cúpula Brasil-União Europeia. A cúpula de negócios foi classificada como um anticlímax. Primeiro que, da parte do Poder Executivo, apenas o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, compareceu. Não houve aquele clima de “agora vai”, que invariavelmente prevalece ao fim desses eventos. Mas tudo isso ficou meio escondido no noticiário da semana, como costuma ocorrer com a carne seca da iguaria gratinada com purê de mandioca e queijo.
O recheio da semana que Dilma escondeu e gratinou ao propalar a conta de luz mais barata está nos tópicos elaborados pelo presidente do conselho consultivo da EUBrasil, Alfredo Valladão, sobre a cúpula Brasil-União europeia. Os tópicos foram elencados para consumo interno. A EUBrasil é a associação sem fins lucrativos criada especialmente para promover a parceria econômica, política e cultural entre os países da União Europeia e o Brasil. O diagnóstico da EUBrasil é o de que o modelo de crescimento da economia brasileira da primeira década dos anos 2000 atingiu o limite. Era um modelo baseado num enorme superavit comercial criado pela exportação de commodities, com preços elevados, que permitiu ao país pagar sua dívida externa e se lançar na transferência de renda, criando um grande e próspero mercado de consumo doméstico, do qual a própria Europa se beneficiou com o incremento de exportações para o Brasil.
Várias razões, entretanto, levaram esse modelo aos estertores. Primeiro, a crise mundial atingiu os mercados compradores e os preços. Para manter o crescimento interno, diz Valladão, o governo deu prioridade ao crédito às custas das finanças públicas e dos investimentos. As empresas brasileiras, focadas no mercado interno, exportaram menos. Para completar, hoje o consumo é mais de 80% do PIB, enquanto os investimentos representam apenas 18%. Tudo isso é insustentável.
A série de tópicos pretende fazer uma crítica construtiva. Avalia que o Brasil hoje está apostando na Copa de 2014 e nas Olimpíadas para sair do ciclo vicioso. E não pode continuar “cavando mais fundo” nos seus deficits públicos. Menciona ainda a tendência arraigada do governo de priorizar o papel do Estado no processo de produção. O resultado disso é a retração do investimento privado, que desde o fim do ano passado começou a se tornar prioridade do governo. Não por acaso — isso não está no texto —, a presidente fez uma série de reuniões com empresários ao longo deste mês. E é nessa prioridade ao setor privado, que parece ter surgido apenas a partir de meados de 2012, que Valladão sugere atenção daqueles que saíram frustrados.
Ele considera que “não há possibilidade de chegar, num futuro próximo, a um acordo UE-Mercosul”, travado desde 2004. E alerta que o Brasil, para chegar num novo modelo de crescimento, precisa ter acesso a mercados estrangeiros. “Como o Brasil não pode negociar acordos comerciais clássicos sem o Mercosul, a UE deve pressionar para o que pode ser discutido bilateralmente, como regulamentos, normas e facilitação de negócios. Ao mesmo tempo, a UE, em meio a uma grande crise interna, deve tentar facilitar os investimentos brasileiros. “Atualmente, a economia brasileira está numa encruzilhada. Para evitar outra estagnação de longo prazo, o famoso voo de galinha, tem que dar um salto grande e uma relação mais profunda com a União Europeia pode ser um extraordinário plus nesse sentido.”
Enquanto isso, na tevê…
Essa análise passou longe da telinha ao longo dos últimos dias. O mundo político, atento ao desfile de Dilma Rousseff no horário nobre e nos bastidores da disputa pela presidência da Câmara e do Senado, ficou alheio às discussões da cúpula de negócios entre Brasil e União Europeia. Ali, embora o documento final tenha tentado promover uma dose de entusiasmo, ficou patente que as exportações do Brasil para a Europa caíram 7% em 2012, enquanto as importações expandiram 3,5%. Os investimentos europeus no Brasil caíram 28%, enquanto os brasileiros na Europa decresceram 63%. Definitivamente, não havia muitos motivos para que os empresários saíssem felizes.
Ao fim, restou apenas a esperança de que as medidas adotadas pelo governo no apagar das luzes de 2012 funcionem como um hormônio do crescimento. Pelo menos na área econômica, houve alguma ação mais efetiva. Na política, entretanto, a avaliação geral é a de que as atitudes do governo ainda deixam a desejar, e a sensação de instabilidade na base governista é cada vez maior. Veremos como Dilma agirá a partir da semana que vem, quando forem conhecidos os presidentes do Senado e da Câmara. Mas essa é outra história.
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