O Estado de S.Paulo - 01/12
Nos últimos anos ocorreram enormes progressos no tratamento da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) e é viável dizer que, antes da perda de grande parte da população de linfócitos com marcador CD4 (grupamento de diferenciação 4 ou cluster of differentation, em inglês), de certa forma eles previnem a doença - a síndrome da imunodeficiência adquirida (aids) -, evitando a evolução desse mal. No entanto, isso não é prevenção da enfermidade, e nesse aspecto é que ficamos sem comprovar o mesmo sucesso.
Existem muitas tentativas de conseguir evitar a infecção pelos vírus HIV-1 e HIV-2. O êxito desses experimentos na prática, todavia, não tem sido lá essas coisas. No Brasil, evidências mostram que novas contaminações continuam surgindo, num ritmo não muito diferente daquele em que se manifestavam anteriormente.
Quais os métodos para evitar essa infecção? Por itens:
Castidade - 100% eficiente se praticada. Parece-nos, porém, evidente que não se presta à prevenção em massa. Se Santo Agostinho, o bispo de Hipona, numa prece ao Senhor, pediu que lhe fosse dada a capacidade de ser casto, mas... "não agora, Senhor", fica difícil pedir esse tipo de comportamento à população em geral ou impor relacionamento sexual somente num acontecimento formal, com um(a) único(a) parceiro(a). Para muito poucos seres isso é possível: lembramos que nos Estados Unidos a incidência de doenças venéreas entre jovens que fizeram promessas públicas de castidade é maior do que entre os outros, que não as fizeram. Conhecemos também opinião emblemática de velho lorde inglês com gota e obesidade: ele declarou que a partir dos 70 anos de idade a opção de ir ao segundo andar de um prédio e encontrar sua amante ficava cada vez menos atrativa, pesando a dificuldade de subir a escada; mas o idoso confessou em páginas adiante que por vezes fazia o sacrifício.
Uso do condom, ou preservativo, também chamado popularmente de camisinha - Muito válido, desde que seja ajeitado de maneira adequada. Rompimentos são raros e sucedem quando não devidamente colocados ou quando o entusiasmo dos participantes no ato sexual é acima e além do habitual. O grande problema é que o condom deve ser posto em cada coito; o masculino, pelo menos. E não é gratuito - quando eventualmente é distribuído sem pagamento, acaba virando bexiga (balão de ar), é só ver o que acontece nos carnavais deste país. Há também a questão de que a utilização pelo parceiro masculino é voluntária e nem sempre o poder está com a mulher, para obrigar o comparte a recorrer ao preservativo. E existe ainda a maldita noção do amor romântico e da confiança que a menina tem no namorado, fazendo-a não exigir o uso da camisa de vênus (a camisinha). Essa confiança não se justifica nunca!
Gel vaginal com tenofovir - Uma esperança dissipada com os trabalhos de campo que mostraram que ele não é protetor em mulheres. Exerce algum papel na prática anal em homossexuais masculinos, provavelmente pela excreção do tenofovir nas fezes.
Tratamento dos pacientes na fase aguda, a mais contagiosa da infecção pelo HIV - Pacientes com o vírus cuja carga esteja inferior a algo como 1.500 genomas/ml passam a ser pouco infectantes - e isso vale para todas as fases. Programas de ampliação do tratamento e diagnóstico precoce são igualmente capazes de prevenção, e a conduta brasileira de tratar o maior número de contagiados, atribuindo ao Sistema Único de Saúde (SUS) apoio influente, é um sucesso bem razoável nesse aspecto. Tropeçamos, outrossim, no estorvo constituído pelo fato de que muitos não sabem de seu estado de HIV positivo e a fase aguda nem sempre é adequadamente diagnosticada.
Profilaxia com drogas pré-exposição - Este é um método com eficácia documentada em estudos recentes e incontestáveis, mas que incomoda demais o nosso pessoal de saúde pública pelos custos que podem ser jogados dentro da conta do SUS. O uso de drogas anti-HIV antes do contato sexual é uma extrapolação do que já é feito em acidentes com instrumentos cortantes - e ajuda nos dois casos. Imaginamos o gasto disso se todos os participantes de "bimbadas" casuais resolverem usar essa profilaxia no nosso país. Ainda por cima, isso esbarrará na inveja dos que, sem ter essas relações, terão de contribuir para pagar a despesa. Como ouvimos de alto prócer, que não vamos identificar: "Eu vou pagar o divertimento dos outros? A troco de quê?".
A grande solução seria dispor de vacina eficaz. As experiências até agora levadas a efeito para obtê-la não mostraram proteção. Mesmo assim, entre métodos de prevenção que dependam de mudança de comportamento e a vacinação, não enfrentamos nenhuma dúvida. Só com a vacina, realmente, porque o comportamento dos nossos semelhantes contém mais variáveis do que a mente humana possa supor. E a prevenção nunca vai ser acatada pela maioria das pessoas, nem na Coreia do Norte, com sua intimidação de massa e a capacidade ditatorial de controlar seus cidadãos. Dentro de um quarto fechado com duas pessoas nenhum governo se intromete...
Várias doenças transmissíveis estão na lista das que requerem medidas coibitivas, de fato úteis, para eliminar ou arrefecer os transtornos que produzem. São tarefas custosas, árduas, intricadas e dependentes da criatividade de pesquisadores. Circunstâncias agregadas a cada uma comumente representam embaraços significativos. Almejamos que vacinas venham socorrer os gestores da saúde pública.
Em tal panorama se situa a aids, sustentada por particularidades aparentemente irremovíveis. Que venha, portanto, boa vacina e, quiçá, remédio capaz de curar definitivamente.
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