sábado, dezembro 29, 2012

Alá-lá-ô, ô, ô - ZUENIR VENTURA


O GLOBO - 29/12

Se o extraordinário calor que fez esta semana não teve precedente desde 1915, quando a temperatura ambiente começou a ser medida por agências de meteorologia, é o caso de se especular se antes já teria havido algo parecido, sabendo-se que em 1984 os termômetros do Rio marcaram 43,1º, apenas um décimo abaixo do recorde de agora. Em suma: devemos continuar atribuindo o desequilíbrio climático ao aquecimento global, ou o buraco na camada de ozônio é inocente? - como admitem alguns cientistas, afirmando que os gases poluentes na atmosfera não prejudicam em nada a tal camada.

Será que o aquecimento do planeta começou há muito tempo? Fotos antigas mostrando as mulheres cobertas até o pescoço e os homens vestidos de paletó, gravata, colete e chapéu parecem indicar que a cidade do começo do século passado, com menos construções, menos asfalto e cimento, era mais amena ou as pessoas menos calorentas. Textos de época, porém, já reclamavam do calor. No carnaval de 1941, cantava-se (não eu, que ainda era pequeno) a marcha "Alá-lá-ô" de Haroldo Lobo e Nássara, falando de outras terras quentes, mas certamente pensando no Saara carioca. "Viemos do Egito/E muitas vezes/Nós tivemos que rezar"

Em 1955, com o clima político fervendo por causa da eleição de JK e de um movimento golpista para impedir sua posse, o filme "Rio 40 graus" de Nelson Pereira dos Santos, foi censurado pelo então chefe de polícia, coronel Geraldo de Menezes Cortes, que proibiu a exibição da obra em todo o território nacional. Além de ser acusado de promover "a desagregação do país" por ser comunista e apresentar apenas os "aspectos negativos da capital brasileira""Rio 40 graus" marco precursor do Cinema Novo, era chamado de "mentiroso" pelo militar, alegando que aqui a temperatura nunca ultrapassar a 39°. O ato truculento e ridículo provocou uma das maiores ondas de protesto de artistas e intelectuais, liderados por Jorge Amado.

Os tempos agora sãos outros, e mais recentemente Fernanda Abreu cantou:

"Rio 40 graus

Cidade maravilha

Purgatório da beleza

E do caos"

Ah, se o coronel te pega! Onde já se viu chamar a cidade maravilhosa de purgatório do caos? Pior foi O GLOBO, que estampou no alto da primeira página a foto de um relógio marcando 46?, ainda por cima com o título de "Um inferno carioca" E nada aconteceu, pelo menos até agora. De um século para o outro, alguma coisa mudou para melhor.

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