quinta-feira, novembro 08, 2012

O enigma brasileiro - MÁRIO MESQUITA


Valor Econômico - 08/11


Declarações das mais diversas autoridades nas últimas semanas têm deixado claro que uma das maiores prioridades de política econômica do governo, se não a maior, é evitar elevações da taxa de juros em 2013.

Para tanto o governo lança mão de diversos instrumentos não monetários, como a redução das tarifas de energia, a repressão dos preços de certos combustíveis, bem como algumas mudanças tributárias.

Nessa última área, a substancial redução do superávit primário, de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em julho de 2011 para 1,7% em setembro passado, sugere que a margem para desonerações federais pode estar se reduzindo, ainda mais porque o governo precisa aumentar investimentos, o que requer deslocar o foco para impostos estaduais - e é nesse contexto que devemos acompanhar as atuais negociações entre o governo federal e os Estados.

Mas a experiência histórica mostra que progresso nas negociações entre o governo federal e os Estados é difícil, dada a heterogeneidade de interesses entre os vários entes federados.

O comportamento do mercado de trabalho na recente desaceleração tem destoado do que ocorreu anteriormente

Sendo assim, as perspectivas para a inflação e a política monetária não só em 2013, mas também em 2014, irão crescentemente depender do comportamento de preços de matérias-primas, que são basicamente determinados nos mercados internacionais, e do mercado de trabalho, em especial tendo em vista as perspectivas de reaceleração da economia.

A relação entre o crescimento do PIB e a taxa de desemprego foi estabelecida empiricamente pelo economista Arthur Okun, em um artigo sobre a economia americana. Em sua versão original, a Lei de Okun previa que cada ponto percentual de crescimento acima de 4% levaria a uma redução contemporânea da taxa de desemprego de 0,07 ponto percentual. Outro resultado interessante das pesquisas de Okun é que em um trimestre de crescimento zero o desemprego aumentaria em 0,3 ponto percentual.

Estudos subsequentes confirmaram a relação estabelecida por Okun, mas a refinaram, mostrando que o desemprego responde com defasagens a variações da taxa de crescimento e que mais do que uma lei econômica imutável, Okun detectou uma regularidade empírica razoavelmente estável, mas sujeita a desvios, como tantas outras na macroeconomia.

Nos EUA a resposta do desemprego à taxa de crescimento tem variado ao longo do tempo, sem apresentar tendência clara. Em particular, em alguns momentos retomadas econômicas têm ocorrido sem que haja redução significativa das taxas de desemprego - este foi o caso nas chamadas "jobless recoveries" que se seguiram às recessões de 1990-91 e de 2001.

Em outras economias, como o Reino Unido e a Suécia, houve um aumento da elasticidade do emprego com respeito à taxa de crescimento, o que tem sido atribuído ao aumento da flexibilidade do mercado de trabalho.

No caso brasileiro, este tema tem sido objeto de intenso, e ainda inconcluso, debate entre analistas de conjuntura. Isto porque o comportamento do mercado de trabalho na desaceleração de 2011-12 tem destoado do que ocorreu em ciclos anteriores.

Em 2010, ano de crescimento forte, a taxa de desemprego caiu 1,3 ponto percentual, resultado normal. Em 2011 a taxa de desemprego continuou caindo no início do ano, o que também não chegou a surpreender, visto que a atividade ainda estava relativamente aquecida e que a resposta da taxa de desemprego à mesma ocorre com defasagens. Este processo se estancou a partir de abril de 2011, quando a taxa de desemprego (considerando-se a média móvel trimestral da série com ajuste sazonal) se estabilizou em um patamar um pouco inferior a 6%. O enigma veio depois: a taxa de desemprego voltou a exibir tendência de queda a partir de março deste ano, mesmo com a economia ainda bastante debilitada.

Tal queda parece ter sido ocasionada pelo aumento do emprego e não por um fator de desalento (redução na busca por empregos), como se os empresários estivessem confiantes na recuperação da economia e tivessem resolvido se adiantar nas contratações, para não se verem desprovidos de mão de obra quando a retomada de fato se confirmar - a ocupação teve expansão de quase 2% no ano, enquanto a população economicamente ativa cresceu apenas 1,3%, em parte sob influência de fatores demográficos. Esse comportamento otimista nas contratações destoa, contudo, da reticência em investir na expansão da capacidade.

Um corolário da hipótese do adiantamento das contratações é que a retomada, tal como nos EUA no início dos anos noventa e da década passada, geraria impacto bem modesto na geração de novos empregos, o que levaria a menor pressão sobre o mercado de trabalho, e, consequentemente, aumentos salariais moderados, mitigando o risco inflacionário.

Mas há também uma possibilidade bem mais preocupante, do ponto de vista do comportamento prospectivo da inflação. Basta lembrar que no período em que tivemos a taxa de desemprego relativamente constante, entre o segundo trimestre de 2011 e o início deste ano, a taxa média de crescimento do PIB foi de apenas 1,9%. Isto sugere que em uma retomada mais consistente da atividade, caso a lei de Okun continue funcionando, a taxa de desemprego cairia substancialmente, o que teria efeito importante sobre o comportamento dos salários e a inflação.

Em suma, na atual conjuntura a questão da validade ou não da lei de Okun é de interesse muito mais do que somente acadêmico.

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