A posição ortodoxa, mais conservadora, é idealista; a heterodoxa, mais à esquerda, é empirista
Mesmo com a queda do ritmo de expansão econômica desde 2011, o desemprego tem se mantido baixo. Isso é bom, pois indica que as empresas não demitem por acreditar na recuperação. No entanto, isso também indica que a produtividade terá que aumentar para que a retomada seja sustentada.
Há pouca dúvida quanto ao mecanismo que propicia os ganhos de produtividade: é o investimento. A discussão diz respeito a qual o caminho para alavancá-lo.
A maior parte dos economistas entende que o melhor jeito para ampliar a produtividade e o investimento é manter a inflação sob controle -isto é, com a taxa anual no centro da meta de 4,5%. Também fazem parte de sua receita esforços para combater o "custo Brasil", o que significa cortar gastos públicos, reduzir a carga tributária, flexibilizar as leis trabalhistas para diminuir o custo da mão de obra etc.
Em sua coluna na Folha de domingo, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles expressou essa crença ao defender o forte aperto monetário e fiscal de 2003. "A melhora dos fundamentos econômicos deu base à confiança de investidores, empresários e, em seguida, consumidores. E voltamos a crescer."
O secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, discorda. Como afirmou em entrevista no mês passado, a produtividade é pró-cíclica: sua ampliação depende do crescimento. Como é o investimento que a faz crescer e este ocorre se há boas perspectivas de demanda, para aumentar a produtividade, é preciso que a economia se expanda.
Barbosa lembra que o regime de metas de inflação não implica que a convergência para a meta central tenha de ser feita rapidamente. O fato de o câmbio ser flexível tampouco significa que a flutuação tenha de ser livre. O governo trabalha para evitar uma revalorização do real, o que prejudicaria a competitividade da indústria de transformação e, assim, a recuperação do setor.
Essas posições expressam distintos entendimentos acerca das possibilidades do conhecimento econômico e diferentes visões políticas.
A posição ortodoxa pode ser chamada de idealista. Total flexibilidade de preços e salários nominais, firmas sem poder de mercado, ampla mobilidade de capital e informação plena são pressupostos de um modelo de equilíbrio geral, que, livre para impor as leis de mercado, conduziria ao melhor resultado possível.
Mesmo inverossímeis, tais pressupostos são a expressão na economia das "ideias" de Platão, isto é, a essência dos mecanismos que presidiriam o funcionamento da economia. A teoria econômica contribuiria para o esclarecimento dos agentes, que seriam capazes de responder positivamente por meio do investimento ao alinhamento dos fundamentos relevantes para um crescimento equilibrado.
Essa é também uma tentativa de fazer da economia uma ciência axiomática, como a geometria euclidiana, que aceita sem necessidade de provar o que é evidente por si mesmo e deduz todo o resto. O problema é que, se pode ser aceitável que "dados dois pontos é possível passar uma e somente uma reta", o que dizer dos pressupostos de "firmas sem poder de mercado" ou "informação plena"?
Por isso, a alternativa heterodoxa é mais empirista. "Capitalistas ganham o que gastam e trabalhadores gastam o que ganham", propôs o economista polonês Michael Kalecki. Quer dizer, quanto maior o investimento agregado, maior o lucro. Contudo, empresas decidem investir apoiadas numa base de conhecimento pouco segura sobre o futuro dos negócios, em relação à qual o principal sinal é a demanda que recebem cotidianamente. Assim, a ampliação do consumo de massa é a chave do crescimento sustentado.
Há também uma diferença política. A preocupação exacerbada com a inflação e com o crescimento nos limites do "PIB potencial" significa uma opção por um desenvolvimento conservador, em que o principal interesse dos mais pobres -ter mais renda- é atendido no longo prazo, enquanto é imediata a busca pelo objetivo de ter inflação baixa, algo que preserva o valor das riquezas de quem já tem renda elevada.
Focar o crescimento, tolerando inflação acima da média global e uma convergência mais lenta à meta central, é uma atitude mais à esquerda.
Também do ponto de vista político, agrada-me bem mais a posição heterodoxa.
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