domingo, novembro 25, 2012

Juízes eficientes? - LUIS FELIPE SALOMÃO

O GLOBO - 25/11


O percurso surrealista de Joseph K, no magnífico livro “O processo” (1920), de Kafka, retrata o homem indefeso e incrédulo dentro de um sistema judicial anacrônico e corrupto, hierarquizado e inacessível, cruel e injusto, e é o pano de fundo de uma ampla reflexão sobre o Judiciário no mundo, que se iniciou no segundo pós-guerra e ainda não terminou.

A instalação das Cortes Constitucionais europeias (Alemã-1951, Italiana-1956, Portuguesa- 1976 e Espanhola-1978) inaugura uma nova era, surge o modelo pós-positivista do direito, com protagonismo do Poder Judiciário na cena da democracia, o juiz guardião e ator em relação às promessas constitucionais.

O século XXI é do Judiciário, disseram vários estudiosos do tema. O reverso da medalha é o que se denominou de judicialização das relações sociais e políticas, com entupimento da máquina.

No Brasil, 24 anos após a Constituição de 1988, o número de casos novos multiplicou-se mais de 75 vezes.

Em 1988, houve ajuizamento de cerca de 350 mil novas ações em todos os segmentos da Justiça. Em 2011, último levantamento do “Justiça em números” (CNJ), foram mais de 26 milhões, com crescimento anual de 9%. Há cerca de 90 milhões de processos em andamento.

Os números revelam um processo para cada dois habitantes no Brasil — o que presume uma grande concentração de casos em poucos litigantes —, enquanto na Austrália existe um processo para cada 6.400 habitantes. Se examinados os dados em relação ao Supremo Tribunal Federal e aos tribunais superiores, o problema espanta mais. O STF recebeu, em 1940, 2.211 recursos, e no auge da “crise do recurso extraordinário” (1987) recebeu 18.788 casos. A despeito da criação do Superior Tribunal de Justiça — que absorveu parte da competência da Corte Suprema —, ainda depois da criação do filtro da repercussão geral (2007), o STF recebeu 16.492 novos recursos, apenas no primeiro semestre de 2012. A distribuição de recursos para o STJ sobe vertiginosamente: 6.103 em 1989 e 290.901 em 2011.

Portanto, diante desse quadro, em todos os níveis do Judiciário cresce a preocupação com o aprimoramento da gestão administrativa. Em outras palavras, com a “boa governança” da magistratura, ainda porque o planejamento nunca foi o forte da administração pública, desde o Brasil Colônia, mormente em relação ao Judiciário — ante a inexistência absoluta de autogoverno até a Constituição de 1988.

Nesse contexto, o Prêmio Innovare — destinado a identificar e divulgar as melhores práticas desenvolvidas para aprimorar o trabalho judicial — encomendou pesquisa científica para “mapear” todas as práticas premiadas desde sua primeira edição, capturando um dado muito interessante: em sua absoluta maioria, os juízes estão experimentando e inovando em gestão administrativa, como ferramenta para melhorar e tornar mais eficiente a prestação jurisdicional.

A necessidade de adequada capacitação de juízes e servidores vem sendo percebida pelas escolas de magistratura. A hora é de aprofundar e acelerar o treinamento, com atuação firme da Escola Nacional de Formação. O planejamento e a gerência dos tribunais, com orçamentos participativos, representam inovações benfazejas, a desafiar a ação do Conselho Nacional de Justiça para efetivação das Resoluções 68 e 70/2009.

Ademais, sem qualquer pretensão de esgotar assunto tão amplo e complexo, mas com o propósito de inserir o debate na agenda atual do Estado brasileiro, é momento de fortalecer, com seriedade e determinação, as soluções alternativas à jurisdição (arbitragem, mediação e conciliação), técnicas que, se bem difundidas e coordenadas, farão diminuir em muito a litigiosidade.

A sociedade quer discutir o aperfeiçoamento de suas instituições, avanços necessários em um país que viveu experiências traumáticas de prolongados regimes autoritários, e agora busca o melhor caminho da liberdade e prosperidade. O Poder Judiciário é como planta que só viceja na democracia; quer ter a oportunidade de seguir a mesma trilha.

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