O Ministério da Justiça francês já havia legislado contra a obrigatoriedade de a mulher revelar seu estado civil
O nome oficial do cursinho é “sensibilização para a igualdade entre homens e mulheres”. A aula dura 45 minutos e vem recheada de dados estatísticos apresentados em Powerpoint por uma conselheira do Ministério dos Direitos da Mulher, em Paris.Todos os ministros do governo socialista de François Hollande são instados a comparecer. Apesar de a presença não ser obrigatória, o fato de a circular que instituiu a “sensibilização” vir assinada pelo primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault torna o convite quase irrecusável.
Até porque, logo após a primeira sessão realizada semanas atrás, a ministra dos Direitos da Mulher anunciou que divulgaria os nomes dos membros do gabinete que se recusarem a comparecer ao cursinho.
Para horror de formadores de opinião conservadores como Éric Zemmour, que compara a iniciativa aos campos de reeducação chineses da era Mao Tsé-Tung e aos campos cambojanos do regime do Khmer Vermelho, dois ministros franceses já sentaram no banco escolar: o da Recuperação Produtiva e o da Economia Social e Solidária.
Pierre Moscovici, o atribulado ministro da Economia, ainda não teve tempo de se sensibilizar. Tem as mãos cheias com os 3 milhões de desempregados do país, a meta de reduzir o déficit nacional em 3% no próximo ano, o recente rebaixamento dos títulos da França pela agência de avaliação Moody’s e a dificuldade de mexer na semana de trabalho de 35 horas. Sem falar na malcriada capa do semanário britânico “The Economist” de duas semanas atrás, que estampou sete baguetes envoltas em fita bleu-blanc-rouge e ligadas a um pavio aceso. Título da reportagem de 14 páginas: “Uma bomba-relógio no coração da Europa.”
Para o presidente Hollande, que fizera da paridade econômica social entre homens e mulheres um cavalo de batalha eleitoral, é hora de começar a transformar o discurso em políticas públicas. Assim, no final de agosto passado, na calada das férias escolares do verão europeu, seu primeiro-ministro assinou duas circulares que propõem ações tanto no âmbito legislativo como na administração federal. A partir de agora, nenhum projeto de lei , seja qual for o tema, pode ser encaminhado pela base aliada sem antes passar pelo filtro da igualdade de oportunidades, direitos e consequências para os dois sexos. Do lado do Poder Executivo, as políticas públicas adotadas por cada ministro devem visar à paridade dentro de cinco anos. O exemplo a ser seguido está na formação do atual gabinete de 38 postos ministeriais igualmente repartidos entre homens e mulheres.
O cursinho de sensibilidade tem como primeiro objetivo martelar algumas iniquidades básicas. Na França de hoje a diferença salarial ainda é de 27%, a mulher francesa trabalha em apenas 15% das profissões oficialmente catalogadas, ocupa somente 14% das prefeituras, 25% das reitorias de universidades e dirige só 13% dos estabelecimentos culturais do país.
É de se supor, também, que adquira novo ímpeto uma reivindicação defendida por grupos feministas franceses: a extinção da palavramademoiselle (senhorita). Se possível, do léxico. Ou, pelo menos, de documentos administrativos, por considerarem que o termo expõe desnecessariamente o estado civil da mulher. Sobrariam apenas as designações madame e monsieur.
Não que a visão sexista e condescendente do termo seja uma novidade. Mais de quatro décadas atrás, as feministas americanas exigiram ser chamadas pelo híbrido Ms, que designa tanto mulheres casadas como solteiras, e o termo vingou. A Alemanha eliminou o bucólico Fräuleindo uso oficial ainda em 1972. E, mesmo na França, o Ministério da Justiça já havia legislado contra a obrigatoriedade de a mulher revelar seu estado civil. Desde o governo socialista de François Mitterrand, omademoiselle do código civil introduzido por Napoleão I vez por outra era qualificado discriminatório.
Só mais recentemente, contudo, a coisa voltou a ganhar fôlego. Uma ordem executiva do início deste ano (antes, portanto, da posse de Hollande) elimina de todos os formulários administrativos da França os termos “senhorita” e “nome de solteira”. Diz o texto oficial: “Eles serão substituídos por ‘senhora’, designação considerada equivalente ao masculino ‘senhor’, o qual não enuncia o estado civil do portador.” Contudo, as toneladas de formulários já impressos continuarão a ser utilizadas até o esgotamento do estoque .
Quem ficaria desconsolada com esses rumos seria Coco Chanel, que libertou a mulher da tirania do corselete. Até morrer aos 87 anos de idade, ela fez questão de ser chamada, sempre, de “mademoiselle” — para Coco, foi sinônimo de independência.
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