domingo, novembro 25, 2012

DAVID COIMBRA - BEBER VENENO POR LICOR SUAVE

ZERO HORA 25/11


Com cinco anos de idade, Lope de Vega lia e escrevia em espanhol e latim. Cresceu e transformou-se em amante e poeta profícuo. As mulheres levavam-no a sofrer, e o sofrimento levava-o a produzir. Criava tanto e com tamanha rapidez que os contemporâneos o chamavam de “Monstro da Natureza”. Foi autor de cerca de duas mil obras, entre elas umas 1,4 mil peças de teatro. Nasceu num 25 de novembro como o deste domingo, há 450 anos cheios. Morreu triste.

O brasileiro Andrucha Waddington dirigiu um bom filme sobre um naco da vida do mestre espanhol. Lope, o título. Na cena final é declamado um lindo soneto de autoria do Monstro da Natureza. Reproduzo-o:

Desmaiar, atrever-se, estar furioso,

áspero, terno, liberal, esquivo,

alentado, mortal, defunto, vivo,

leal, traidor, covarde e corajoso ;

não ter fora do bem centro e repouso;

mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,

valente, aborrecido, fugitivo,

satisfeito, ofendido, receoso;

virar o rosto a um claro desengano,

beber veneno por licor suave,

esquecer o proveito, amar o dano;

acreditar que um céu no inferno cabe,

dar a vida e toda a alma a um desengano,

isto é amor: quem o provou o sabe.

Vê-se, pelo poema, que a sina de Lope era tornar-se vítima do amor romântico. Nem os que demonstram gênio aos cinco anos de idade estão livres deste mal.

O meu guri

Meu filho tem cinco anos, mas não lê e escreve em espanhol e latim, como Lope de Vega. Nem compõe músicas imortais e assombra a Europa, como Mozart fazia com essa idade.

Não, não, meu filho brinca de carrinho e Batman, pedala bicicleta com rodinhas de apoio e reluta em abandonar o bico, deve ser bem bom chupar um bico. Recentemente, porém, ele demonstrou evolução ao passar do Discovery Kids para o Gloob. Se você acha pouco é porque nunca teve de assistir Hi Five.

Olhando para o meu filho, e pensando em Lope de Vega e Mozart, percebo a verdade: devia haver algo de muito errado com Lope de Vega e Mozart.

Praça 15 E Plaza Mayor

Existem plazas mayores em diversas cidades espanholas, mas a Plaza Mayor (foto) de verdade é a de Madri. Aquela é que é a maior Plaza Mayor. Para um brasileiro, trata-se de um curioso conceito de praça, sem árvores, flores ou arbustos. A praça, no caso, é um retângulo formado por prédios com bares, restaurantes e lojas, tendo uma estátua equestre no centro e nada mais. Sentei-me à mesa de um desses bares, nos anos 90, pedi uma sangria e fiquei observando as pessoas no entorno.

Então, concluí: nós, porto-alegrenses, temos cá a nossa Plaza Mayor. É a Praça 15, bem no centro da cidade, em frente a um dos prédios mais belos da Capital, que é o Mercado Público, ladeada pelo histórico Chalé, tendo ao fundo o palacete da prefeitura.

A Praça 15 tem todas as qualidades de uma Plaza Mayor: o espaço para circulação de pessoas, a beleza da arquitetura do entorno, a localização estratégica. O problema é que a Praça 15 é habitada por punguistas e descuidistas que atacam os transeuntes e os roubam sem pejo nem medo, certos de que, se forem presos um dia, no outro estarão soltos.

Além disso, e também por causa disso, os bares e restaurantes da Praça 15 não são exatamente do tipo que atrai turistas. E, à noite, a praça, que deveria ser exatamente isso, uma praça, é transformada em vulgar estacionamento. Uma pena. A praça é do povo, como diria Caetano, mas muitos acreditam que o que é do povo não pode ser bom.

Sem Plumas

Se você ler Sem Plumas, de Woody Allen, vai se servir de uma das fontes da qual bebeu o grande Luis Fernando Verissimo.

Os leitores reclamam que às vezes indico livros que estão esgotados. Ora, os leitores têm de se esforçar na garimpagem! Nada é impossível no mundo do Google, lembre-se. No caso de Sem Plumas a busca não será difícil. O livro foi lançado em pocket pela L&PM.

Leia um trecho de um dos textos, Excertos de um Diário:

“Uma ideia para um conto: Um homem acorda e descobre que seu papagaio foi nomeado ministro da Agricultura. Morre de inveja e tenta suicidar-se, mas seu revólver é daqueles que disparam uma bandeirinha com a palavra ‘Bum!’ A bandeirinha acerta seu olho e ele sobrevive, passando a levar uma vida monástica, na qual se dedica aos pequenos prazeres da vida, tais como plantar cenouras ou sentar-se sobre bueiros”.

Não é verdadeiramente Verissimo?

O paraíso

A Praça 15 era chamada de “Praça do Paraíso” no século 19. Porque havia ali uma casa em que viviam “moças cantadeiras”, nas palavras cautelosas de Antônio Alvares Pereira Coruja, autor das Antigualhas, que são, provavelmente, as mais antigas crônicas sobre Porto Alegre.

Coruja, obviamente, estava se valendo de um eufemismo. Não era por causa da harmonia das vozes das moças cantadeiras que os porto-alegrenses da época chamaram o lugar de Paraíso.

Pecou-se no Paraíso da Porto Alegre daquele tempo, como se pecou no primeiro dos paraísos.

Depois, a Praça virou de tudo, até depósito de lixo. E, no século passado, foi transformada em ponto da maioria dos ônibus da cidade. Era ali que eu desembarcava do Bordini Linha 20 todas as manhãs para ir trabalhar. Era ali que eu tomava o Ipiranga-PUC todas as noites para ir para a Famecos.

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