FOLHA DE SP - 17/11
Sociedades em que as minorias são discriminadas têm maior probabilidade de envolver-se em guerras
A condição social das mulheres guarda relação direta com as guerras. Esse é o tema de uma revisão científica publicada pela revista "Science".
Desde os primórdios da humanidade, os homens se matam nas batalhas. Esqueletos desenterrados de cavernas pré-históricas exibem mais fraturas na cabeça quando pertencem ao sexo masculino. No entanto, identificar e separar fatores biológicos daqueles culturais envolvidos na gênese da violência, é tarefa intelectual de alta complexidade.
Até a década de 1990, os estudos ressaltavam que o subdesenvolvimento, a falta de democracia, a existência de um grande número de jovens desempregados e o nacionalismo estavam por trás dos conflitos armados.
Em 2000, Mary Caprioli, da Universidade de Minnesota (EUA), surpreendeu os especialistas ao publicar um trabalho no qual relacionava a posição subalterna da mulher na sociedade com as revoluções e as guerras entre os países.
A afirmação enfrentou reações acaloradas porque contrariava o conceito clássico de que o sexo feminino estaria associado à maternidade e à vida em paz por razões evolutivas e por imposições biológicas, como a baixa produção de testosterona.
Um dos principais críticos, Erik Melander, da Universidade de Uppsala, decidiu testar essa hipótese a partir de uma avaliação do status feminino em diversas sociedades, que levava em conta o sexo da maior liderança do país, a proporção de mulheres no Legislativo e o número delas com acesso ao ensino superior.
Para sua surpresa, os resultados não foram diferentes. Estados em que as mulheres viviam oprimidas apresentavam índices mais altos de prisioneiros políticos, assassinatos, desaparecimentos e maior risco de envolvimento em guerras civis e internacionais.
O problema metodológico com esses estudos é que não comprovam a relação de causa e efeito. A desigualdade entre os sexos poderia ser simples consequência de outros fatores ligados ao comportamento violento: pobreza, baixo nível educacional, fanatismo religioso e atraso cultural.
No livro "War and Gender" (guerra e gênero), o professor americano Joshua Goldstein abordou o seguinte aspecto: embora existam diferenças biológicas que mantêm a mulher afastada dos campos de batalha -como os cuidados com a prole-, elas sempre interagem com os valores culturais.
Segundo ele, os níveis de testosterona que aumentam quando um homem ganha dinheiro, é promovido no trabalho ou ganha um jogo, não explicam as diferenças bélicas entre suecos e paquistaneses, nem entre os suecos de hoje e seus antepassados vikings. Em seus estudos, a visão que mulheres e homens têm da guerra são muito mais semelhantes do que se imagina.
Diante da pergunta: "O conflito árabe-israelense deve ser resolvido pela via militar ou diplomática?", as escolhas de mulheres e homens israelenses, egípcios, palestinos e kuwaitianos foram praticamente iguais.
Quando os mesmos participantes responderam se era mais importante mandar para a escola um menino ou uma menina, as preferências machistas estavam tão associadas à beligerância, que o autor concluiu: "É possível prever quando uma pessoa optará pela guerra ou pela paz entre árabes e judeus, com base apenas no que pensa sobre igualdade sexual".
Conclusões similares foram tiradas nas pesquisas sobre preconceitos étnicos: sociedades em que as minorias são discriminadas têm maior probabilidade de envolver-se em guerras externas e internas.
Mesmo quando elas eclodem, países mais igualitários tendem a fazer as pazes com mais facilidade.
Avaliando a expectativa de vida das mulheres em relação à dos homens e a proporção de matrículas na escola secundária entre os dois sexos, existentes em 124 países em guerra civil, no período de 1945 a 2000, Ismene Gizelis, da Universidade Essex, no Reino Unido, demonstrou que as iniciativas de pacificação das Nações Unidas obtiveram mais sucesso nos Estados em que existia maior igualdade entre os sexos, antes do começo da guerra.
Baseado nesses estudos, ao falar sobre a necessidade de medidas para promover ascensão social das mulheres, o Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, declarou em 2005: "Eu diria que nenhuma política é mais importante na prevenção das guerras ou para impor a paz quando um conflito chega ao fim".
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