Numa democracia, as eleições têm o papel de definir, por meio de um processo livre, competitivo e justo, os futuros representantes e governantes. Nenhuma sociedade inventou uma forma melhor de seleção e controle político. A disputa pode ter também outros atributos positivos. Traz lições importantes para os candidatos - a classe política - e para os cidadãos. Se tais ensinamentos forem bem captados, a sociedade pode amadurecer em termos políticos.
Claro que cada eleição tem sua especificidade. Tivemos recentemente um pleito que aconteceu em 5.568 municípios. Em alguns, a peleja ainda não terminou, pois há segundo turno. O tema principal da disputa teriam de ser questões locais. A primeira lição que observei nas capitais em que acompanhei o horário político foi o desconhecimento da maioria dos candidatos a prefeito e vereador sobre seu papel.
Milhares de candidatos concorreram sem saber obue poderiam fazer se fossem eleitos. Alguns propuseram um poder de polícia que os municípios efetivamente não têm. Pleiteantes à vereança falaram de temas cuja competência para legislar é da União. Como resolver esse problema? Em primeiro lugar, aumentando a informação para os candidatos, por meio de partidos e Tribunais Eleitorais. Partidos não podem ser apenas depósitos de concorrentes. Devem ajudar a formação política de seus membros.
A mídia e os órgãos da sociedade civil que acompanham as eleições também precisam participar, de maneira mais eficaz, do processo formativo da classe política. Não basta acompanhar a disputa como um mero campeonato por votos ou averiguar se os concorrentes têm “ficha limpa”. Esses são dois pontos importantes, mas a informação eleitoral tem de mostrar o que os futuros eleitos podem fazer na prática.
Nas capitais, muitos dos principais concorrentes conheciam pouco ou de maneira estereotipada os principais problemas municipais. A lista do que deveria ser prioridade era quase sempre imensa, geralmente um sinal de que os candidatos tinham um frágil conhecimento do que deveriam fazer. Além da proposta de resolver todos os temas de políticas públicas, a postura recorrente era colocar-se como oposição à situação atual. Até candidatos ligados ao governante pareciam oposicionistas.
Uma boa candidatura a prefeito tem de conhecer os temas mais problemáticos, que menos avançaram nas últimas administrações. Precisa conhecer as políticas públicas e ter uma visão que interligue os problemas da cidade. Em São Paulo, como noutras capitais, a grande questão não é a saúde ou a educação isoladamente. A preocupação central deveria ser como organizar o espaço urbano de modo a valorizar o capital humano, tendo como fim a melhoria do bem-estar. A dinâmica região central (ou nobre) versus periferia ainda é a forma mais clara de perceber as carências dos grandes municípios.
Outra estratégia na eleição foi fuga para temas morais. Candidatos a prefeito e a vereador deveriam estar menos preocupados em ser “queridinhos” das igrejas, pois o posto de Deus ou de seu representante na Terra não estava em jogo. O Estado deveria ser um instrumento para garantir a liberdade de crença e opinião, sem se posicionar por algum lado ou se imiscuir demais no terreno escorregadio da moral privada.Tal postura muitas vezes nem é sincera, como no fundamentalismo religioso que penetrou, infelizmente, a política partidária em alguns países. Trata- se apenas de uma tática para conquistar eleitores. Ou alguém acredita que José Serra fará uma política aos moldes da Assembleia de Deus para a sexualidade? Isso não condiz com sua história, e ele perderia aliados se fizesse isso na prefeitura de São Paulo.
A maior lição para os candidatos é que, na disputa municipal, eles devem se concentrar nos temas locais e se preparar adequadamente para resolvê-los. Todo o resto é acessório. É interessante ver como o dia seguinte das eleições foi tomado por discussões sobre os efeitos do pleito sobre o plano nacional. A atenção da opinião pública deveria estar muito mais voltada para saber se os eleitos ou os concorrentes no segundo turno têm propostas claras e corretas para os dilemas das cidades.
O debate sobre a especificidade municipal das eleições terá mais chances de ocorrer quando os cidadãos exercerem mais seu papel de citadinos. Ao final de toda eleição local, fico pensando: por que nãa fazer com que cada região das metrópoles tenha uma plenária com os principais candidatos? Por que não fazer com que só possa concorrer a prefeito aquele que apresentar programas com metas por setor de política pública e região da cidade? Por que não criar espaços no horário eleitoral em que os concorrentes tenham de ouvir perguntas e sugestões de eleitores escolhidos aleatoriamente? Para minha cidade, São Paulo, fica a questão aos dois competidores: o que farão com as subprefeituras? Vão tomá- las um espaço de participação cidadã ou dá-las a apadrinhados políticos ou tecnocratas?
Tudo isso pode parecer romantismo, ao estilo dos defensores da democracia ateniense. Bobagem: há cidades pelo mundo com mais participação da população na discussão dos assuntos públicos. Isso tende a aumentar no século XXI, graças às mudanças tecnológicas e à maior preocupação com a sustentabilidade. Se não criarmos mais espaços dl interlocução e deliberação, não só ficaremos para trás em relação a outros lugares. Escolheremos candidatos e teremos governos piores. E mais: teremos a sensação de que a eleição se resume, para a maioria, ao dia do voto, a uns poucos debates na mídia e talvez à lembrança de uma carreata que passou no fim de semana no bairro. Francamente, podemos e precisamos ter mais cidadania em nossas eleições municipais.
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