domingo, outubro 21, 2012

O que estas eleições municipais ensinam ao Brasil - FERNANDO ABRUCIO

REVISTA ÉPOCA 


Numa democracia, as eleições têm o papel de de­finir, por meio de um processo livre, competi­tivo e justo, os futuros representantes e governantes. Nenhuma sociedade inventou uma forma melhor de seleção e controle político. A disputa pode ter tam­bém outros atributos positivos. Traz lições importan­tes para os candidatos - a classe política - e para os cidadãos. Se tais ensinamentos forem bem captados, a sociedade pode amadurecer em termos políticos.

Claro que cada eleição tem sua especificidade. Tivemos recentemente um pleito que aconteceu em 5.568 municípios. Em alguns, a peleja ainda não ter­minou, pois há segundo turno. O tema principal da disputa teriam de ser questões locais. A primeira lição que observei nas capitais em que acompanhei o ho­rário político foi o desconhecimento da maioria dos candidatos a prefeito e vereador sobre seu papel.

Milhares de candidatos concorreram sem saber obue poderiam fazer se fossem eleitos. Alguns pro­puseram um poder de polícia que os municípios efetivamente não têm. Pleiteantes à vereança falaram de temas cuja competência para legislar é da União. Como resolver esse problema? Em primeiro lugar, aumentando a informação para os candidatos, por meio de partidos e Tribunais Eleitorais. Partidos não podem ser apenas depósitos de concorrentes. Devem ajudar a formação política de seus membros.

A mídia e os órgãos da sociedade civil que acom­panham as eleições também precisam participar, de maneira mais eficaz, do processo formativo da classe política. Não basta acompanhar a disputa como um mero campeonato por votos ou averiguar se os con­correntes têm “ficha limpa”. Esses são dois pontos importantes, mas a informação eleitoral tem de mos­trar o que os futuros eleitos podem fazer na prática.

Nas capitais, muitos dos principais concorrentes conheciam pouco ou de maneira estereotipada os principais problemas municipais. A lista do que deveria ser prioridade era quase sempre imensa, ge­ralmente um sinal de que os candidatos tinham um frágil conhecimento do que deveriam fazer. Além da proposta de resolver todos os temas de políticas públicas, a postura recorrente era colocar-se como oposição à situação atual. Até candidatos ligados ao governante pareciam oposicionistas.

Uma boa candidatura a prefeito tem de conhecer os temas mais problemáticos, que menos avança­ram nas últimas administrações. Precisa conhecer as políticas públicas e ter uma visão que interligue os problemas da cidade. Em São Paulo, como noutras capitais, a grande questão não é a saúde ou a educação isoladamente. A preocupação central deveria ser como organizar o espaço urbano de modo a valorizar o capital humano, tendo como fim a melhoria do bem-estar. A dinâmica região central (ou nobre) versus periferia ainda é a forma mais clara de perceber as carências dos grandes municípios.

Outra estratégia na eleição foi fuga para temas morais. Candidatos a prefeito e a vereador deveriam estar menos preocupados em ser “queridinhos” das igrejas, pois o posto de Deus ou de seu representante na Terra não estava em jogo. O Estado deveria ser um instrumento para garantir a liberdade de crença e opinião, sem se po­sicionar por algum lado ou se imiscuir demais no terreno escorregadio da moral privada.Tal postura muitas vezes nem é sincera, como no fundamentalismo religioso que penetrou, infelizmente, a política partidária em alguns países. Trata- se apenas de uma tática para conquistar eleitores. Ou alguém acredita que José Serra fará uma política aos moldes da Assembleia de Deus para a sexualidade? Isso não condiz com sua história, e ele perderia alia­dos se fizesse isso na prefeitura de São Paulo.

A maior lição para os candidatos é que, na dis­puta municipal, eles devem se concentrar nos temas locais e se preparar adequadamente para resolvê-los. Todo o resto é acessório. É interessante ver como o dia seguinte das eleições foi tomado por discussões sobre os efeitos do pleito sobre o plano nacional. A atenção da opinião pública deveria estar muito mais voltada para saber se os eleitos ou os concorrentes no segundo turno têm propostas claras e corretas para os dilemas das cidades.

O debate sobre a especificidade municipal das eleições terá mais chances de ocorrer quando os ci­dadãos exercerem mais seu papel de citadinos. Ao fi­nal de toda eleição local, fico pensando: por que nãa fazer com que cada região das metrópoles tenha uma plenária com os principais candidatos? Por que não fazer com que só possa concorrer a prefeito aquele que apresentar programas com metas por setor de política pública e região da cidade? Por que não criar espaços no horário eleitoral em que os concorrentes tenham de ouvir perguntas e sugestões de eleitores escolhidos aleatoriamente? Para minha cidade, São Paulo, fica a questão aos dois competidores: o que farão com as subprefeituras? Vão tomá- las um espaço de participação cidadã ou dá-las a apadrinha­dos políticos ou tecnocratas?

Tudo isso pode parecer ro­mantismo, ao estilo dos defen­sores da democracia ateniense. Bobagem: há cidades pelo mundo com mais par­ticipação da população na discussão dos assuntos públicos. Isso tende a aumentar no século XXI, graças às mudanças tecnológicas e à maior preocupação com a sustentabilidade. Se não criarmos mais espaços dl interlocução e deliberação, não só ficaremos para trás em relação a outros lugares. Escolheremos candidatos e teremos governos piores. E mais: teremos a sensação de que a eleição se resume, para a maioria, ao dia do voto, a uns poucos debates na mídia e talvez à lem­brança de uma carreata que passou no fim de semana no bairro. Francamente, podemos e precisamos ter mais cidadania em nossas eleições municipais.

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