domingo, outubro 21, 2012

Os que não votaram - LYA LUFT

REVISTA VEJA 


As notícias de todos os lados me dizem que o número de brasileiros que não votaram, isto é, abstenções ou votos nulos, cresceu grandemente, chegando a mais de 25% dos eleitores. Nestes dias tumultuados de novidades — com a atenção daqueles que pensam e observam presa no Supremo, que salva algo da nossa moral e dignidade, ou com um brevíssimo espreitar no segundo turno das eleições, com seu jogo nada original de busca pelo poder —, fiquei refletindo sobre a razão dessa abstenção, pois a votação é obrigatória, coisa que, aliás, considero erro e atraso. Se não tivermos liberdade de eleger nossos líderes, representantes, governantes, não deveriam nos forçar, ou recorreremos à abstenção.

Quanto a ela, vejo dois motivos possíveis. Primeiro, descrença e desalento. A proliferação de partidos e o troca-troca de legendas, além das fusões, alianças e conluios, nos desorientam e desestimulam. Afinal, quem é quem, nessa sopa de letrinhas, quem tem quais projetos, que liuais propostas são originais, reais e vão ser executadas? Os inimigos figadais aqui e ali dançam um minueto, antigos aliados hoje cruzam punhais em duelos estranhos ou cômicos, figuras inusitadas ou velhíssimos figurões desfilam, mas a gente não sabe direito a que vieram ou como voltaram aos palcos. Em segundo lugar, talvez falte interesse em saber, em deslindar, em escolher e decidir. Ou melhor, os interesses e as seduções são outros. Não nos abalam corrupção, falta de ética, despreparo, improvisações, o extraordinário nivelamento por baixo a corroer nossas universidades, agora com aumento das cotas, que nos farão descer ainda mais na posição entre as piores do mundo. Muito mais do que melhorar o país, queremos consumir. Estamos pouco exigentes: com crédito alargado, queremos comprar. Podemos e devemos consumir, nos dizem de muitos modos, podemos comprar qualquer coisa quase a perder de vista (grave engano). Comprar é muito mais divertido do que observar, analisar, escolher e, por exemplo, votar nas eleições. Tanta coisa original correndo por aí, como, por exemplo, meninas que vendem sua virgindade pela internet, e não é para comprar comida para os irmãozinhos menores, amparar a velha mãe, ou pagar a faculdade. Ambicionamos o que na verdade são bugigangas, que, se trocadas por uma atenção maior com a realidade do país e tantas carências que nos assolam, poderiam transformar nossa paisagem. (Claro que também tenho meus aparelhos, o universo eletrônico é imprescindível, mas não sei se por eles eu trocaria algo que acho sério.)

Não critico os milhões que se abstiveram ou votaram em branco, que aqui chamo, quem sabe injustamente (detesto rótulos, mas às vezes são necessários), de descrentes ou mesmo fúteis. Critico, embora sem resultado, eu sei, o sistema que nos toma conformados, que nos dá pão e circo em lugar de boa educação e preparo para bons cargos e funções. Critico a nossa sonolência e os encantamentos alienantes como poder comprar, comprar, comprar. E confesso que muitas vezes também me perseguem sedutores fantasmas de esquecimento, omissão e fuga: de me recolher à nossa casinha no mato e lá ficar apenas contemplando a natureza, escrevendo, saboreando afetos, sabendo que minha interferência seria um eco frágil perdido num enorme vazio de desinteresse. Também a mim espreita em alguns dias com seus olhinhos marotos a ideia inescrupulo-sa: um voto a mais não adianta nada, para que se incomodar, procurar saber, sair de casa e votar? Pois talvez adiante: um voto mais um voto, mais um voto, mais um voto — que acabam valendo mais do que o nosso fascinante objeto de desejo —, as coisas podem se transformar. Nem todo mundo é cego, surdo, mudo, ignorante ou conformado. Olhando bem, veremos que algumas coisas quase majestosas se movem no país. Quem sabe vai-se mover até mesmo a montanha do nosso desencanto.

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