FOLHA DE SP - 08/08
Chávez está mais amarrado e enfraquecido que nunca com a entrada no Mercosul; boa hora para o Brasil atuar
Nenhuma área de nossa política externa sofre tanto de confusão, dúvida e desunião quanto a dos direitos humanos.
Há dois extremos. De um lado, argumenta-se que diplomacia pró-direitos humanos é moda a ser resistida. Afinal, quem somos nós para impor condições a terceiros?
No outro extremo do espectro, ouve-se que a política externa na matéria deveria refletir a trajetória histórica de nosso povo: depois de tanto autoritarismo e desigualdade, ter uma diplomacia voltada para os direitos humanos seria uma obrigação moral.
Ontem, esta Folha deu vazão ao tema, mostrando diferentes opiniões a respeito da dura resposta brasileira aos questionamentos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre Belo Monte.
Em coluna de opinião, um diplomata lotado no Palácio do Planalto defendeu o governo. Descartou as críticas assim: se nossa diplomacia de direitos humanos é criticada pelo governo dos EUA e se a política americana de direitos humanos é hipócrita, então as críticas à postura brasileira são hipócritas.
Essa fórmula foi desenhada pelo regime militar em 1977. Em visita a Brasília, a primeira-dama americana trouxe uma lista com nomes de presos políticos da ditadura na esperança de que fossem soltos. O chanceler brasileiro, irado, entregou-lhe, em troca, uma lista de presidiários americanos que haviam sofrido violência no cárcere. Violação de direitos humanos tem em todo canto, não é? O que fazer, então?
O problema ganha relevo agora. A Venezuela, um de nossos principais parceiros regionais, padece de graves problemas de direitos humanos. O argumento tradicional -não fazer nada- faz algum sentido. Criticar o governo de Hugo Chávez frontalmente apenas criaria atrito, ressentimento e desconfiança, sem garantia de resultados.
Nesse caso, contudo, não fazer nada seria nefasto. O Brasil estaria contribuindo, na prática, para piorar a situação: afinal, Chávez utiliza a entrada de seu país no Mercosul como grande triunfo em seus embates internos.
O negócio é moldar a conduta brasileira com vistas a facilitar a realização de nossos interesses.
Na prática, isso significa contribuir para um ambiente político estável no longo prazo. Chávez não vai durar para sempre.
O Brasil pode ajudar a Venezuela a construir instituições decentes e representativas -temos experiência de sobra na transformação de uma sociedade com veio autoritário em democracia participativa.
O Judiciário brasileiro poderia estreitar laços com suas instituições irmãs na Venezuela. Hoje em dia não se faz quase nada nessa área.
O governo também poderia facilitar contato entre as duas sociedades civis. A OAB, por exemplo, tem inúmeras contribuições a fazer do lado de lá.
Não se trata de intervencionismo à brasileira, mas de uma contribuição autointeressada e realista.
O Brasil trouxe a Venezuela para dentro de seu principal projeto regional porque prefere ter Chávez na tenda cuspindo para fora a tê-lo fora da tenda cuspindo para dentro.
Agora ele está mais amarrado do que em qualquer momento do passado. Também está mais enfraquecido. É boa hora para atuar.
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