O GLOBO - 08/06
O voto secreto é, como todo mundo sabe, uma invenção preciosa e indispensável do sistema democrático. Ele permite ao cidadão manifestar sua opinião e sua vontade sem medo de retaliação de ocupantes do poder, que podem ser mandados para casa pelos verdadeiros titulares desse mesmo poder.
Acontece que, no sistema político brasileiro (e em muitos outros), além dos cidadãos eleitores, os membros do Poder Legislativo têm o privilégio do voto secreto em alguns casos. Por exemplo, na confirmação de pessoas escolhidas pelo Executivo para cargos importantes. Ou na decisão sobre vetos presidenciais. Só há uma explicação para isso: a necessidade de proteger Senadores e deputados de alguma forma de retaliação por parte do governo.
Na prática, pode ser uma proteção necessária. Mas o voto secreto no Congresso não deixa de reduzir a informação que o eleitor tem o direito de receber sobre o comportamento de quem ele escolheu para tomar decisões em seu nome. No momento. está para ser votada no Senado uma proposta que cancela o direito ao voto secreto na decisão sobre a perda do mandato por políticos que deixaram de merecê-lo. Não será fácil: serão necessários os votos de 49 Senadores (dois terços do total).
O mais importante, pelo menos no momento, é o fato de que a mudança, se passar também pela Câmara dos Deputados, vai estrear a tempo de ser aplicada num processo cabeludo: o de cassação do Senador Demóstenes Torres, acusado de ligações indevidas com o famoso bicheiro Carlinhos Cachoeira.
No caso de Demóstenes, o voto a descoberto, se já estiver valendo, poderá limpar ou sujar a ficha de muitos políticos. Evidentemente, os Senadores contrários ao voto aberto juram por todos os santos que sua posição é questão de princípio. Pode até ser verdade, em alguns casos - e ninguém tem o direito de ser ingênuo - é bem possível que não seja, em muitos outros.
O Senador que é relator do caso de Demóstenes, Humberto Costa, fez uma proposta aparentemente razoável. O voto secreto seria mantido apenas para manter o parlamentar a salvo de retaliações do Executivo ou do Judiciário (juro que nunca me passou pela cabeça que esses dois poderes são capazes disso). Em outros casos, como o julgamento de colegas do Legislativo, a votação teria de ser, por assim dizer, de peito aberto.
Pode ser uma solução - e também uma espécie de reconhecimento que governos e tribunais são capazes de feios atos de vingança contra indefesos Senadores e deputados.
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