CORREIO BRAZILIENSE - 09/05/12
Graças à CPI do Cachoeira, a Câmara decidiu colocar em pauta os projetos que calam fundo na alma do contribuinte. Tudo para mostrar que a Casa se preocupa com a pauta do bem
O Brasil seria outro se a cada seis meses se abrisse uma Comissão Parlamentar de Inquérito como essa que engatinha no Congresso Nacional. Isso porque, para mostrar que não estão preocupados ou que o mundo não se resume a isso, parlamentares colocam em pauta vários projetos de interesse e de repercussão social. Não fosse a CPI que hoje investiga os negócios de Carlos Cachoeira e respinga no parlamento, a proposta de emenda constitucional (PEC) que pretende punir de forma severa os promotores do trabalho escravo, por exemplo, dificilmente estaria em debate na Câmara dos Deputados.
Desde a semana passada, quando a CPI saiu do papel, a pauta da Câmara ganhou ares mais sociais. Foi aprovado, entre outros, o projeto que acaba com a exigência de cheque-caução para atendimento hospitalar. Também saiu da gaveta a proposta que amplia as possibilidades de exame de DNA para reconhecimento de paternidade.
Essa semana foi a vez da PEC do trabalho escravo. Essa PEC pretende a desapropriação de terras ou imóveis urbanos onde for detectado o trabalho escravo, sem direito a indenização pela propriedade. Tramita na Câmara desde 1995. Hoje, a multa para quem tem um trabalhador em regime análogo à escravidão varia de R$ 400 a R$ 4 mil.
De acordo com o deputado Cláudio Puty (PT-PA), presidente da CPI do Trabalho Escravo, hoje ainda há pessoas inescrupulosas que fazem a conta: se o lucro for maior do que a multa, correm o risco de manter trabalhadores nessa situação, seja no campo nas cidades. Até porque a fiscalização é precária, por causa da falta de pessoal.
O difícil é conseguir fazer vale essa proposta, uma vez que a poderosa bancada ruralista — que já derrotou o Código Florestal defendido pelo governo — é contra, porque considera que os fiscais cometem abusos na hora de definir as situações análogas à escravidão. Reclamam que até a espessura dos colchões é motivo para aplicação de multas.
Por falar em reclamações...
A CPI do Trabalho Escravo não tem um décimo dos holofotes que se debruçam sobre a CPI dos negócios do bicheiro Carlos Cachoeira. Mas ficará devedora da CPI do Cachoeira, hoje o motor do Congresso e da “pauta do bem”. À CPI de Cachoeira se deve ainda o fato de o Conselho de Ética do Senado correr para analisar o destino do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). E o fato de não haver um voto contrário à abertura de processo já é um sinal de que o senador goiano dificilmente conseguirá se segurar no mandato.
Há quem diga que, se Demóstenes for cassado por quebra de decoro, a CPI terá cumprido seu papel e não precisará chamar governadores para depor. O problema é que Demóstenes já foi, ou seja, sobre ele, se tem a clara sensação de que não há muito mais a apurar. O julgamento político já foi feito e dificilmente a defesa poderá mudar alguma coisa nesse sentido — daí, a tentativa de recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Se não der em nada, pelo menos, Demóstenes ganhará tempo.
À CPI agora cabe avaliar outras pontas, por exemplo, as obras do Ministério dos Transportes, os negócios de Cachoeira com a Delta Engenharia e a relação dele com os governadores e com demais parlamentares. Se a comissão não o fizer, deixará a desejar e o eleitor, na certa, vai achar que as excelências empastelaram a CPI. E não haverá pauta do bem que coloque os deputados e senadores como mocinhos nesse filme. E aí, a CPI, hoje santificada como a esperança de muitos, vai virar o inferno e, seus integrantes, assistentes de malfeitos. Bem... Como tudo é um jogo sem “santinhos”, pode começar a fazer as suas apostas. A minha é a de que a CPI dure muito tempo. Só assim as excelências colocam em pauta os projetos que interessam diretamente a você e não ficam apenas no rame-rame das medidas provisórias. Como diria o menino prodígio, santa CPI, Batman!
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