terça-feira, maio 08, 2012
Operação Valquíria - ANDRÉ GUILHERME PEREIRA PERFEITO
Valor Econômico - 08/05/12
No início de 2011 fiz um exercício democrático curioso. Convencido que estava que era possível baixar os juros no país, entre outros motivos por conta das taxas baixas nos Estados Unidos até final de 2014 pelo menos, escrevi uma carta à então recém-empossada presidente Dilma. Não usei nenhum canal especial, entrei na internet, descobri o endereço do Palácio do Planalto e da Granja do Torto e enviei o e-mail. O título era Operação Valquíria e nela descrevia o que acreditava ser a estratégia correta para derrubar os juros de vez a patamares civilizados. Não esperava obter resposta, só queria exercer um direito de cidadão. Espero que achem minha carta por lá agora.
Na Operação Valquíria, o ponto de ruptura seria a alteração da caderneta de poupança. Mas imaginava à época que, antes de destruir este piso, seria necessário fazer outros movimentos para evitar a volta dos juros. Tal qual o plano do coronel Stauffenberg para eliminar Hitler, matar o ditador era apenas uma etapa do processo e, na verdade, matar o Führer era a parte mais fácil; o difícil era impedir que o alto comando SS ao seu redor assumisse o controle, tornando o que era ruim ainda pior.
Acredito que estamos num momento parecido. Jogar os juros para baixo não é exatamente um mérito ainda da economia brasileira, e nem a parte mais difícil, mas antes de tudo uma consequência colateral das circunstâncias mundiais. Da mesma maneira que os escravos foram libertados nessas bandas tropicais por pressões irremediáveis do Império Britânico, os juros caem aqui sob a sinalização externa do custo do dinheiro em nada nas principais praças mundiais. A queda dos juros é, por assim dizer, um subproduto, e talvez não permanente, da crise mundial.
Jogar os juros para baixo não é exatamente um mérito ainda da economia brasileira, e nem a parte mais difícil
São três os eixos fundamentais para contornar de vez a ameaça dos juros altos no país. Dois são relativamente simples de entender.
O primeiro é a indexação. O governo tem que varrer de vez do mapa a utilização de índices como o IGP-M dos reajustes de contratos. Num país traumatizado pela inflação e que insiste lembrar-se do dragão enjaulado divulgando todo mês nada menos que 11 índices diferentes - entre IPCA, IPCA-15, IGPs do primeiro e do segundo decêndio, 10, M, DI e mais quatro quadrissemanas da FIPE, isso sem contar os IPC-S semanais, faça chuva ou faça sol -, criar mecanismos de desindexação é fundamental. Num país com a inflação sob certo controle a negociação é livre, é assim que o jogo funciona.
Sobre os títulos do governo cabe um comentário recorrente, referente ao segundo eixo da Operação Valquíria. O uso indiscriminado de LFTs, uma necessidade em épocas de inflação galopante, torna-se hoje um cadáver fétido na administração da dívida pública. Este é apenas o exemplo mais crucial das distorções do nosso mercado financeiro, a lista se estende.
No Brasil, o Estado arrecada muito, mas também transfere demais. A Constituição de 1988 criou um sistema amplo de previdência e de direitos ao cidadão e por estes canais o Estado gasta boa parte dos seus recursos. Mas o principal gargalo não é a previdência e sim o pagamento de juros à sociedade.
Anos de juros em patamar tão alto geraram distorções terríveis e uma delas foi justamente a carga tributária elevada. Se desde o segundo reinado temos um piso de 6% na taxa de juros isso quer dizer que as distorções por aqui são antigas e reveladoras de nossa formação como país. E como se paga juros tão altos? Somente arrecadando muito também.
Como antes os juros ganhos na ciranda financeira compensavam parte das perdas tributárias, as empresas iam bem. Vamos supor uma indústria de bens duráveis alguns anos atrás, é evidente que ela auferia na produção deste bem, mas também ganhava no seu financiamento; não por acaso todas as montadoras fizeram seus próprios bancos e o verdadeiro negócio do varejo popular é vender crédito caro.
Cortar os juros de fora para dentro está revelando anos de distorção econômica e o resultado líquido é uma economia grande, mas deformada pelo dinheiro caro e pela tributação alta. Antes os problemas ficavam submersos, agora o mar recuou e os destroços apareceram.
Um exemplo é o esforço do governo no câmbio. A justificativa válida é que o real forte está matando a indústria. O argumento tem algum fundamento. Se o governo quer transferir renda da sociedade para a indústria - que é o que está sendo feito, e não há nada errado nisso - o melhor seria fazer de maneira direta cortando impostos.
Este é o momento crucial de um projeto que começou no governo Itamar Franco com a criação do real, quando Fernando Henrique Cardoso era ministro da Fazenda, amadureceu com a dobradinha Lula-Meirelles e, agora, com Dilma e Tombini, pode se cristalizar de vez no país.
Matar o ditador é fácil, difícil mesmo é acabar com a ditadura. Está na hora de uma Operação Valquíria nestes trópicos, se não for Valquíria pode ser um nome indígena. A Polícia Federal tem nomes muito criativos para suas operações; perguntem ao delegado.
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