REVISTA VEJA
A cidade é a maior das invenções humanas. Elas estão aí há tanto tempo que até parecem ter nascido por si sós, brotadas na superfície do planeta como acidentes geográficos. Mas são invenções, surgidas no momento da aventura humana em que se concluiu pelas vantagens de viver junto, com relação à vida isolada no campo - mais segurança, mais facilidades de comércio e de aprendizado, mais possibilidades de lazeres e de prazeres. Nas cidades antigas do Ocidente nasceram os fóruns e nas do Oriente os mercados. Diferem em que os primeiros apontam mais para a discussão de assuntos públicos e privados e os segundos mais para as relações econômicas, mas são instituições assentadas no mesmo princípio: os benefícios da troca, seja de ideias, seja de mercadorias. A cidade, sendo o locus por excelência da convivência, é o locus por excelência da troca - a troca afetiva, inclusive. Cidade é artigo precioso demais para, em eleições municipais, suas especificidades serem esquecidas em favor de disputas e assuntos outros.
Prefeito é cargo recente, no ordenamento político-administrativo brasileiro. Salvo por breve hiato, no período regencial, só vai surgir com a República. Durante os quatro séculos anteriores, as cidades eram regidas pela Câmara Municipal. Na colônia, as câmaras eram os únicos organismos cujos integrantes eram eleitos. As eleições eram frequentemente fraudadas, ocasionavam sangrentas disputas e delas participavam poucos eleitores. Mesmo assim, proporcionavam um espaço de democracia. Daí decorre que a figura do vereador pode ostentar nobre origem. É o primeiro político brasileiro, e a ele cabia aquilo que etimologicamente indica a palavra "político": cuidar da "pólis". No entanto, nenhuma instituição sofre hoje maior desprestígio do que as câmaras de vereadores. São locais que a desatenção da imprensa e dos órgãos fiscalizadores toma ideais para a prática da corrupção e da fisiologia. O problema começa no eleitor, que mal sabe em quem está votando e no dia seguinte já esqueceu em quem votou. Recomendação: que o eleitor grude o nome de seu escolhido na geladeira ou no espelho do banheiro. E que conserve grudado até a eleição seguinte.
Vem aí a campanha eleitoral, e com ela o horário político. Fala-se em reforma política, mas nunca se inclui nela a reforma do horário político. E no entanto o horário político é o que há de mais crucial nas campanhas. Como se apresenta, é um espaço de mistificação. Bonitas cenas, embaladas por comovente fundo musical - e por fim o candidato, produzido até a última camada de maquiagem. Sugestão: transformar o programa, de espaço de propaganda, em espaço de informação. A propaganda se limitaria às pequenas inserções ao longo do dia. Já os dois programas de quase uma hora, um no começo da tarde e outro à noite, apresentariam entrevistas, debates e reportagens produzidos por entidades independentes da sociedade civil e supervisionados pela Justiça Eleitoral. Se queremos eleitores conscientes e candidatos responsáveis, seria um avanço. A questão é: queremos? Ou melhor: querem aqueles que hoje tiram proveito, ou imaginam tirar proveito, da mistificação edulcorada do horário político?
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