O Globo - 05/03/12
A proteção contra o comércio internacional pode ser comparada a um cobertor curto demais. Quando se protege algum setor, se desprotege o outro. Isto porque a proteção, por definição, limita a concorrência e a especialização, fazendo com que, em geral, os preços e a qualidade dos produtos protegidos sejam respectivamente superiores e inferiores se comparados com aqueles que conseguiram seu espaço em um cenário de livre comércio. Se estes produtos são mais caros e inferiores, aqueles que os utilizam como insumos em seu país, para suas próprias atividades, acabam prejudicados, ou por terem menos rentabilidade da que poderiam ter tido ou porque têm dificuldade de enfrentar a "concorrência importada", que paga por insumos mais baratos repassando esta economia ao preço final do produto.
Contudo, apesar de tanto a teoria econômica como a evidência empírica mostrarem contundentes vantagens do livre comércio frente a economias fechadas, poucos países buscam estabelecer esquemas tarifários uniformes e baixos, e comércio amplamente aberto. Daí a criação de acordos institucionais globais que, ao menos, limitavam e regulavam as restrições de países frente a concorrência do comércio internacional - ainda que estes mesmos acordos tenham sido frequentemente esquecidos, reinterpretados ou ignorados de maneiras diversas.
Portanto, visto que o livre comércio foi substituído por um "comércio administrado" por tratados especiais de comércio regional e outros tipos de acordos, a negociação se tornou uma ferramenta de fundamental importância para o bom relacionamento comercial entre países.
Segundo o sociólogo, economista e filósofo italiano Vilfredo Pareto, em todas as negociações, a soma do benefício que as partes levam forma o que chamamos de um Máximo teórico. Como humanos e imperfeitos, tendemos a tentar conseguir o maior valor que uma oportunidade oferece para chegarmos a esse Máximo. No vocabulário da negociação chamamos isso de "deixar valor sobre a mesa". Em outras palavras, a teoria indica que um determinado acordo é ótimo para ambos negociadores, porém eles são incapazes de chegar a um ponto de equilíbrio frequentemente por falhas na comunicação.
Uma regra verificada com bastante regularidade é que "quanto maior a comunicação, melhores os acordos". Porém, a própria tensão de uma negociação costuma reduzir a comunicação entre as partes. As hipóteses que fazemos sobre a negociação que estamos conduzindo e sobre o outro, frequentemente, desviam a nossa conduta daquela rota que seria a mais conveniente para que se chegasse ao acordo ótimo. Supor, por exemplo, que a negociação é uma confrontação na qual tudo o que um ganha o outro perde, gera uma atitude pouco colaborativa de uma das partes, que será imitada imediatamente pela outra, tendo um efeito devastador sobre a sinergia que o trabalho em equipe pode conseguir.
Por outro lado, acreditar que podemos "criar valor" na negociação e que, portanto, não é necessário competir e confrontar, ajuda a que ambas as partes saiam muito mais beneficiadas.
Argentina e Brasil possuem um acordo institucional de livre comércio, junto com Paraguai e Uruguai, no âmbito do Mercosul. Isto deveria impedir a introdução de restrições ao intercâmbio comercial dos países membros, salvo exceções fundamentadas e transitórias, de maneira que qualquer medida que impeça o livre comércio na região acabe em violação de acordos prévios. Contudo, em momentos distintos, cada país violou estas condições, utilizando, exageradamente, procedimentos "excepcionais".
Agora é a vez da Argentina e seus novos trâmites burocráticos para autorizar importações. Tentar uma negociação exitosa para moderar ou eliminar estas barreiras implica em entender as razões que levaram à Argentina introduzi-las.
Isto em negociação chama-se "deixar de falar em uma posição individual, para falar em interesse comum e buscar opções legítimas".
A posição argentina é "limito as importações", porém seu verdadeiro interesse é "tenho menos dólares disponíveis nas reservas do Banco Central para pagar a dívida externa e importações impostergáveis, como as de energia", visto que, nos últimos anos, em vez da entrada de capitais, a política interna gerou uma fenomenal saída de capitais, superior a 80 bilhões e que, agora, ela deve importar o que antes exportava.
O problema, então, não é de proteção à indústria local ou melhorar o intercâmbio comercial. O problema é "faltam dólares no caixa".
Mas se é este o problema, o Brasil, que nos últimos anos acumulou dólares e reservas internacionais e, em muitos momentos anteriores, limitou o ingresso de dólares de investidores especulativos, bem poderia oferecer, junto a seu setor privado, um esquema de "vendas a crédito", "vendas a longo prazo", "ampliação do comércio sem dólares, com clearing de reais contra o peso", "marcos plurianuais de metas da balança comercial" etc.
Em outras palavras, a Argentina é estruturalmente "importadora" na sua indústria e o Brasil foi nestes anos, graças ao Mercosul, um excelente fornecedor. Por sua vez, a Argentina esteve limitando as exportações agrícolas - particularmente o trigo - ao Brasil, o que agravou o déficit comercial argentino, que hoje tem menos dólares para importar e ainda precisa importar recursos energéticos do Brasil, que os produz em quantidade e qualidade.
A Argentina poderia liberar as exportações para o Brasil, em particular na sua agroindústria, e o Brasil outorgar financiamento especial a seus exportadores para reduzir a necessidade de dólares contados das contrapartes argentinas. Poderiam, até, "liberar automaticamente" as exportações brasileiras financiadas a X anos de prazo, incluindo os recursos energéticos. Para o Brasil, 3 bilhões ou 4 bilhões de dólares a menos nas reservas, em um curto prazo, não seria um problema; enquanto que para a Argentina, que rearruma sua política econômica, seria um grande alívio.
O interesse argentino é usar menos dólares e o interesse brasileiro é continuar vendendo. Sair das posições, dos egos e dos problemas de comunicação e passar à negociação criativa, agregando valor, poder ser, então, uma solução.
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