segunda-feira, março 05, 2012

Eleição e cidades - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA


Tal qual descrita na imprensa e nos meios políticos, a próxima eleição para prefeito em São Paulo pode ser representada de duas maneiras: ou bem como uma extensão da última eleição presidencial, ou bem como antecipação da próxima. Azar de São Paulo. Vão se enfrentar, ao que a esta altura se presume, Fernando Haddad (leia-se Lula, ex-presidente e talvez futuro candidato a presidente) e José Serra (ex e talvez futuro candidato a presidente). Dá-se por certo que haverá uma "nacionalização" da eleição paulistana. São Paulo não merecia tal sorte. Claro que o gigantismo, o peso econômico e o resumo da nacionalidade que se condensa em São Paulo já de si apontam para uma "nacionalização" de suas eleições, no sentido de que os vencedores se tornam de imediato protagonistas da cena nacional. Mas, ora, São Paulo é em primeiro lugar São Paulo. Eleição municipal não é hora de olhar para fora, mas para dentro. Se a campanha se desenvolver sob o horizonte da política presidencial, perde-se a oportunidade de pôr na mesa os problemas urbanos. Papel fundamental, nesse sentido, caberá à imprensa. Historicamente a imprensa brasileira desvaloriza mais o jogo político do que as políticas. Por uma vez, poderia atribuir-se a missão de chamar os candidatos para a realidade de questões que, sob o rótulo de "urbanas", dizem respeito aos mais cruciais aspectos do cotidiano dos eleitores.

A cidade é a maior das invenções humanas. Elas estão aí há tanto tempo que até parecem ter nascido por si sós, brotadas na superfície do planeta como acidentes geográficos. Mas são invenções, surgidas no momento da aventura humana em que se concluiu pelas vantagens de viver junto, com relação à vida isolada no campo - mais segurança, mais facilidades de comércio e de aprendizado, mais possibilidades de lazeres e de prazeres. Nas cidades antigas do Ocidente nasceram os fóruns e nas do Oriente os mercados. Diferem em que os primeiros apontam mais para a discussão de assuntos públicos e privados e os segundos mais para as relações econômicas, mas são instituições assentadas no mesmo princípio: os benefícios da troca, seja de ideias, seja de mercadorias. A cidade, sendo o locus por excelência da convivência, é o locus por excelência da troca - a troca afetiva, inclusive. Cidade é artigo precioso demais para, em eleições municipais, suas especificidades serem esquecidas em favor de disputas e assuntos outros.

Prefeito é cargo recente, no ordenamento político-administrativo brasileiro. Salvo por breve hiato, no período regencial, só vai surgir com a República. Durante os quatro séculos anteriores, as cidades eram regidas pela Câmara Municipal. Na colônia, as câmaras eram os únicos organismos cujos integrantes eram eleitos. As eleições eram frequentemente fraudadas, ocasionavam sangrentas disputas e delas participavam poucos eleitores. Mesmo assim, proporcionavam um espaço de democracia. Daí decorre que a figura do vereador pode ostentar nobre origem. É o primeiro político brasileiro, e a ele cabia aquilo que etimologicamente indica a palavra "político": cuidar da "pólis". No entanto, nenhuma instituição sofre hoje maior desprestígio do que as câmaras de vereadores. São locais que a desatenção da imprensa e dos órgãos fiscalizadores toma ideais para a prática da corrupção e da fisiologia. O problema começa no eleitor, que mal sabe em quem está votando e no dia seguinte já esqueceu em quem votou. Recomendação: que o eleitor grude o nome de seu escolhido na geladeira ou no espelho do banheiro. E que conserve grudado até a eleição seguinte.

Vem aí a campanha eleitoral, e com ela o horário político. Fala-se em reforma política, mas nunca se inclui nela a reforma do horário político. E no entanto o horário político é o que há de mais crucial nas campanhas. Como se apresenta, é um espaço de mistificação. Bonitas cenas, embaladas por comovente fundo musical - e por fim o candidato, produzido até a última camada de maquiagem. Sugestão: transformar o programa, de espaço de propaganda, em espaço de informação. A propaganda se limitaria às pequenas inserções ao longo do dia. Já os dois programas de quase uma hora, um no começo da tarde e outro à noite, apresentariam entrevistas, debates e reportagens produzidos por entidades independentes da sociedade civil e supervisionados pela Justiça Eleitoral. Se queremos eleitores conscientes e candidatos responsáveis, seria um avanço. A questão é: queremos? Ou melhor: querem aqueles que hoje tiram proveito, ou imaginam tirar proveito, da mistificação edulcorada do horário político?

Nenhum comentário:

Postar um comentário