O GLOBO - 27/11/11
A Academia Brasileira de Letras prestou uma homenagem, na última quinta-feira, ao economista Roberto Campos pela passagem dos dez anos de sua morte, a 9 de outubro de 2001, e eu fui o escolhido para falar sobre ele. Suas ideias continuam provocando polêmicas, embora antes de morrer tenha podido constatar que elas ganharam espaço no mundo globalizado. Uma de suas muitas frases, ele que foi um formidável fazedor de frases, pode definir bem a situação: "Estive certo quando tive todos contra mim."
Quase sempre foi assim com o controvertido Roberto de Oliveira Campos, economista, administrador público, pensador, diplomata (foi embaixador em Washington e em Londres) e político que, na definição do amigo Delfim Netto, "tinha o gosto pelo desafio, de preferência quando as circunstâncias lhe eram mais desfavoráveis".
Com a marca do polemista, ele discordava: "Não sou controvertido. Controvertido é quem controverte comigo."
Eleito para a Academia Brasileira de Letras em setembro de 1999 na sucessão do dramaturgo de esquerda Dias Gomes, após o que classificou como "uma ridícula batalha ideológica que, magnificada pela mídia, me transformaria numa ameaça à paz e a elegância deste cenáculo", Roberto Campos foi um gênio, na opinião de um de seus companheiros de geração, o economista Ernane Galvêas.
Outro economista de outra geração, seu discípulo, Paulo Rabello de Castro o define com quatro atributos: sua busca pela sinceridade, a disponibilidade para o serviço, seu horror à servidão e a fuga da solidão.
Roberto Campos considerava-se um liberista, que vê no governo um mal necessário.
Para ele, o sistema de economia liberal é o mais capaz de atingir minimamente três objetivos fundamentais que dificilmente se conciliam: eficiência econômica, liberdade política e equidade social.
"Liberismo" é uma expressão criada por um grande amigo de Campos e também acadêmico, José Guilherme Merquior, que a preferia a "liberalismo", para demonstrar que não era liberal apenas na política, mas também na economia.
Paulo Rabello atribui à sua "disciplina escolástica do seminarista que nunca deixou de ser" a impossibilidade de aceitar um conceito político, econômico ou moral que não fosse produto da mais dedicada e prudente elaboração intelectual, do emprego da melhor pesquisa empírica, da prudente contestação aos perigosos dogmas, do amor pela dúvida como método e do suor cognitivo pelo enunciado perfeito.
Conforme descrição de outro economista, Luiz Carlos Bresser Pereira, um liberal de esquerda que classifica Campos como um liberal conservador, a adesão imediata ao regime militar, do qual se tornaria seu primeiro ministro do Planejamento, trouxe para Campos uma série de contradições, principalmente porque os militares não tinham nada de liberal no plano político e, no plano econômico, eram menos liberais do que ele.
Roberto Campos com o tempo foi aprofundando sua crença liberista, que já lhe valera o apelido de "Bob Fields" e a fama de entreguista, como se dizia na época.
Em julho de 1959, com o presidente Juscelino Kubitschek ameaçando "romper com o FMI", em plena exacerbação nacionalista, Roberto Campos pôs para fora de sua sala do antigo BNDE, que ele criara e presidia, no Rio de Janeiro, uma comissão de "estudantes nacionalistas" que lhe fora exigir explicações sobre a posição favorável à participação de capitais estrangeiros na exploração do petróleo na Bolívia.
Perdeu o emprego, mas nunca deixou de ser fiel a JK, a quem ajudara a criar o Plano de Metas de seu governo. Ministro do Planejamento de Castello Branco, recusou-se a assinar a cassação de Juscelino.
Marcou sua atuação no plano nacional em combates memoráveis em que defendia o fim da reserva de mercado na informática, na exploração dos recursos minerais, ou a extinção dos monopólios de petróleo e telecomunicações.
Para ele, as grandes estatais pertenciam à família dos dinossauros, e, para elas, criou apelidos mordazes, como "Petrossauro" para a Petrobras.
São atribuídas ao ajuste fiscal que ele e Octávio Bulhões realizaram então e a reformas estruturais, como a tributária, a administrativa do decreto-lei 200, as bases para o "milagre econômico" que aconteceu entre 1968 e 1974.
Friedrich von Hayek, para Campos, era "o homem de ideias" que mais bravamente lutou, ao longo de duas gerações atormentadas, pela liberdade do indivíduo contra todas as modas totalitárias, do comunismo soviético ao nazismo."
Na definição de Roberto Campos, baseado em Hayek, a explicação para a permanência do capitalismo reside em ser o único sistema compatível com a liberdade do indivíduo.
Isso não impediu, porém, que Campos apoiasse o golpe militar de 64, convencido de que "a real opção era entre um autoritarismo de esquerda e um autoritarismo de centro-direita, que se dizia transicional. (...) Melancólicas veramente eram nossas alternativas nos primeiros anos da década dos 60, quando a Guerra Fria atingia seu apogeu: ou anos de chumbo ou anos de aço".
Campos também se encantou com o capitalismo de Estado da China, que classificou como "o mais excitante experimento de engenharia social de nosso tempo".
Roberto Campos foi senador durante oito anos, representando seu estado natal, o Mato Grosso, e depois duas vezes deputado federal pelo Estado do Rio. Mas não teve como político a importância que teve como economista.
Considerava sua experiência no Congresso marcada pelo fracasso e, enquanto a maioria festejava a aprovação, em 1988, da "Constituição Cidadã", ele a chamava de "anacrônica", remando mais uma vez contra a maré.
Na sua monumental autobiografia, "Lanterna na popa", editada pela Topbooks, comemorou o fato de que, devido aos acontecimentos do fim do século, especialmente o colapso do socialismo, a vitória das economias de mercado e o surgimento de uma onda mundial de liberalização, globalização de mercados e privatizações, passou de "herege imprudente a profeta responsável".
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