Não temos um plano de emergência para vazamentos de petróleo, mas sabemos discutir os royalties
Atenção banhistas de Ubatuba, Angra, Búzios e Guarapari: o petróleo da bacia de Campos não mais invadirá sua praia na próxima semana.
Essa é a boa notícia. Mas não custa se prevenir para a aparição de eventuais línguas negras nesses balneários, pois os envolvidos direta e indiretamente no vazamento no Campo de Frade mentem muito.
A má notícia é que a Chevron continuará atuando no Brasil. Suas atividades de perfuração foram suspensas temporariamente, mas não proibidas, pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A Chevron é sócia da Petrobrás naquele campo e, de certo modo, como a própria ANP, cúmplice no acidente. A Petrobrás porque não se mexeu a tempo e a ANP porque demorou a informar o governo do vazamento - assim como demorou 16 dias para suspender as atividades de perfuração da Chevron, quando é sabido que a primeira e imediata providência em acidentes dessa natureza é a suspensão instantânea das perfurações.
Há pouco mais de um ano escrevi aqui no Aliás o seguinte:
De olho no pré-sal, a petrolífera americana Chevron Corporation fez saber ao governo brasileiro que tem tecnologia e experiência para descobrir petróleo em qualquer profundidade. Já operando em dois pontos da Bacia de Campos, ela de fato tem know-how comprovado, ao menos em prospecções no pós-sal. Quem, porém, acompanha o noticiário atento a questões ambientais anda meio com o pé atrás com a Chevron. Por causa de um escandaloso processo, envolvendo a floresta amazônica. Não o nosso lado da floresta, mas o equatoriano, o que faz pouca diferença, pois em ecossistemas as fronteiras traçadas pelo homem são ainda mais relativas.
E aí falei da devastação que a Texaco, comprada pela Chevron em 2001, causara na região do Lago Agrio, um Chernobyl amazônico (70 bilhões de litros de água contaminada, epidemia de câncer e abortos em diversas comunidades indígenas) que havia inspirado o premiado documentário Crude, dirigido por Joe Berlinger, então em evidência.
A comparação com Chernobyl não era exagerada. Basta confrontar os 41 milhões de litros de crude (o petróleo em estado cru, antes do refino) derramados pelo petroleiro Exxon Valdez no Alasca, em 1989, com os 64 milhões de litros de crude sistematicamente despejados nas águas do Lago Agrio, ao longo de 30 anos. Numa área quase o triplo de Manhattan, a Texaco cavou 350 poços e deixou abertos mil buracos altamente tóxicos quando foi embora da Amazônia equatoriana, em 1992.
Exagerado, sim, foi o processo que a Chevron, responsável pela Texaco, impetrou contra Joe Berlinger. Condenada a pagar US$ 8 bilhões às vítimas do desastre no Equador, a Chevron, que eu saiba, continua procrastinando. Mantém um exército de advogados para defender seus interesses nos tribunais e uma catervagem de lobistas (só este ano contratou mais 39, em geral gente saída do governo) para fazer relações-públicas e seduzir políticos, magistrados e jornalistas.
O que são US$ 8 bilhões para uma empresa que, apenas no ano passado, faturou US$ 200 bilhões? A multa que a ANP aplicou na Chevron pelo vazamento no Campo de Frade, ainda que alcance os estimados R$ 260 milhões, também é irrisória.
Nessa semana, a expert em problemas energéticos Tara Lohan, editora da revista eletrônica Alternet.com, elegeu a Chevron a pior (no sentido de mais danosa ao meio ambiente) empresa de energia do ano, à frente da Exxon Mobil e da BP (responsável por aquele vazamento no Golfo do México, no ano passado). "As corporações tóxicas que governam a América", intitulava-se a reportagem, que, de tão suculenta, ganhou repercussão na Salon.com. de terça-feira.
Lohan não exagera ao afirmar que a Chevron, a Exxon, a BP, as indústrias dos irmãos Charles e David Koch e a Massey Energy, os cinco mamutes da indústria de petróleo, carvão e gás, mandam e desmandam em seu país. Paradigmas da ganância corporativa, que põe o lucro acima da vida humana e do desaquecimento global, há anos que, nem sempre de forma sutil, envenenam lentamente o ar que respiramos, a água que bebemos e os alimentos que consumimos.
Gastam fortunas em campanhas publicitárias para limpar sua barra e sujar a da Agência de Proteção ao Meio Ambiente (EPA) dos EUA, em campanhas eleitorais e em tudo que possa afetar a adoção de leis favoráveis aos seus interesses e lenientes com a irresponsabilidade corporativa. "Investir em político ainda é a melhor aplicação para essas empresas", assegura o advogado conservacionista Tyson Slocum. "São os políticos que enfrentam, no Congresso, a pressão dos ambientalistas." De preferência os políticos republicanos, que ficaram com 75% da verba de US$ 779 mil destinada ao "mercado legislativo" em 2010.
Slocum é uma das bêtes noires dos godzillas energéticos. Outro é o biólogo Richard Steiner, da Universidade do Alasca, especialista em poluição de oceanos, boicotado a torto e a direito, a quem a ANP já deveria ter consultado sobre como combater os malfeitos das exploradoras de petróleo marítimo.
Pois essa, agora, é a grande questão. Acidentes acontecem e é muito mais difícil, senão impossível, preveni-los sem rigorosa fiscalização e com métodos de exploração obsoletos e análises sísmicas incompetentes. Não temos um plano nacional de emergência para vazamentos e só pensamos em discutir a questão dos royalties, "com a excitação com que algumas famílias debatem o testamento de um tio bilionário", como bem observou Fernando Gabeira.
Não adianta chorar o óleo derramado, mas exigir franqueza e transparência é o mínimo que podemos fazer. Indagado sobre quanto dos US$ 5 bilhões que a Chevron pretende investir no Brasil seria aplicado em segurança e previsão de acidentes, o presidente da Chevron no Brasil, George Buck, respondeu: "Não temos essa informação". Se ele não tem, quem a tem? Só o CEO da Chevron?
Indagado sobre o valor a ser investido pela Petrobrás na segurança do pré-sal, seu presidente, José Sérgio Gabrielli, respondeu: "Isso é absolutamente irrelevante". Até quando o será?
Nenhum comentário:
Postar um comentário