Em tempos de crise
ILAN GOLDFAJN
O GLOBO - 04/10/11
O humor em Washington estava péssimo. As datas da reunião anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial têm por vezes a infeliz característica de coincidir com crises internacionais de grande magnitude. Foi assim em 2008, quando a reunião coincidiu com a crise do Lehman Brothers.
Nessas ocasiões, os investidores reunidos em eventos paralelos aos oficiais reforçam mutuamente seus receios. Neste ano, a sensação era de que as autoridades econômicas europeias não eram capazes de reagir na velocidade exigida para evitar uma crise na Europa.
A crise da Europa tomou novas dimensões: aumentou a probabilidade de uma reestruturação mais forte da dívida grega no curto prazo. As autoridades parecem resignadas a aceitar a insolvência da Grécia. O objetivo agora parece ser proteger os demais países da região - e seu sistema bancário - do contágio. Para isso seria necessário um novo plano. A ideia é usar o Fundo Europeu de Estabilização (EFSF, na sigla em inglês) de forma mais "eficiente".
O Fundo Europeu de Estabilização, após a aprovação nos parlamentos dos países membros, poderá ser usado até a capacidade dele de 440 bilhões de euros. Esse volume de dinheiro seria suficiente para resolver o problema lá atrás, quando se achava que estava confinado à Grécia, a Portugal e à Irlanda. Mas, agora, com o problema se alastrando para a Itália, a Espanha e vários bancos da Europa (expostos aos países com problemas), o pacote ficou pequeno. Serão necessários pelo menos 300 bilhões de euros para recapitalizar os bancos na Europa e cerca de 500 bilhões a 600 bilhões de euros para atuar no mercado secundário, comprando títulos da dívida de Irlanda, Portugal, Grécia, Espanha e Itália (este montante é menor do que a dívida total de 1,5 trilhão de euros). Falase na necessidade de um total de 800 bilhões de euros, mas que provavelmente teria que chegar à casa de 1 trilhão a 2 trilhões de euros. Ficou claro é que o fundo original de 440 bilhões de euros não será suficiente. O problema é que os governos fortes europeus (principalmente o da Alemanha) não gostariam de dar todo esse dinheiro.
Exigiria muito imposto e/ou muito endividamento. A solução proposta, então, é usar os recursos aprovados como se fossem capital de um novo fundo. Os governos continuariam comprometidos com 440 bilhões de euros, mas o fundo se alavancaria, emitindo títulos para captar o restante até 2 trilhões de euros. Com isso poderiam, a princípio, resolver o problema usando os recursos para capitalizar os bancos e comprar títulos dos países afetados.
É importante entender que aumentar os recursos disponíveis emitindo títulos no mercado (ou outras formas) não é uma solução mágica. O aumento do tamanho do fundo teria uma e/ou duas das seguintes características: uma garantia implícita dos governos europeus ou a participação de novos países (China etc.) para bancar o custo do resgate.
A questão é essencialmente política. Os recursos estão disponíveis, mas o montante é muito alto, necessitando, para ser aprovado, de uma coordenação política entre os países europeus.
Não está claro que exista essa coordenação hoje na Europa. É possível que a situação ainda tenha que piorar para os governos se sentirem na obrigação de comprometer tamanha quantidade de recursos para evitar o pior.
A consequência dessa incerteza toda na Europa é que está mais disseminada a visão de perspectivas piores para o crescimento global. Estima- se que a Europa tenha um crescimento negativo em 2012.
Uma desaceleração mais intensa, que leve a uma economia global muito mais frágil, deve gerar desaceleração no mundo emergente também, inclusive no Brasil. Projetando a Selic para 9-10% já em 2012, o crescimento poderia se sustentar em torno de 3,5% (e a inflação ficaria acima do centro da meta, em 5,5%).
Esse cenário de baixo crescimento global não é de ruptura. Uma ruptura seria se, neste momento de incerteza, acontecesse uma crise financeira muito mais aguda, como a da quebra do Lehman Brothers. Não é o cenário principal, mas a probabilidade de ruptura está crescendo. Se antes acreditávamos que a probabilidade era de 5%, hoje está mais para 20-25%: bem alta.
ILAN GOLDFAJN é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.
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