quinta-feira, outubro 20, 2011

DENISE ROTHENBURG - Ritual de queda



Ritual de queda
DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 20/10/11

À exceção do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci, todos os outros que sucumbiram por denúncias de irregularidades seguiram o mesmo roteiro no qual se encaixa hoje o ministro do Esporte, Orlando Silva. Os seus ex-colegas de governo Alfredo Nascimento, dos Transportes; Wagner Rossi, da Agricultura; e, ainda Pedro Novais, do Turismo, foram ao Congresso, prestaram esclarecimentos ora na Câmara, ora no Senado, na esperança de permanecer no cargo. Nenhum deles, entretanto, conseguiu fazer a roda da fortuna parar de girar. 
O PCdoB, entretanto, considera que é possível. Diz que até agora não houve prova cabal contra o seu ministro. "Se os outros cederam pelo caminho, problema deles. Não vamos ceder. Somos osso duro de roer." Foi o que ouvi ontem do presidente do partido, Renato Rebelo, defendendo Orlando de forma enérgica. 
Até mesmo a declaração dele está dentro de um script que nenhum partido fugiu. Todos os demais " com bancadas bem maiores do que os 13 deputados e 2 senadores do PCdoB " viveram o mesmo processo. Mas, como um castelo de cartas, foram tombando. Até o momento, Orlando tem alguns trunfos que o diferem dos demais: as famosas provas do denunciante, João Dias, ainda não vieram à luz do sol, nem surgiu uma reportagem avassaladora ao ponto de fazer o ministro dizer "cansei". E foi Orlando quem chamou a Polícia Federal em busca de averiguações. Coisa que os outros não fizeram. E, para completar, seu partido tem militantes aguerridos em sua defesa. 
Ocorre que investigações da PF não são feitas no curto prazo que o ministro precisa para sair do redemoinho ainda este mês. Existe um calendário oficial da Copa do Mundo de 2014, que será anunciado hoje. Há uma Lei Geral em negociação no Congresso, onde o papel do ministro é fundamental para fazer a ponte entre o governo e o parlamento, e ainda com a Fifa, a senhora da Copa. A Casa Civil tem inúmeras atribuições e não pode ficar 24 horas cuidando disso. É tarefa do ministro. E ele só conseguirá se dedicar a isso com a precisão que o momento requer se estiver fora do tiroteio e da máquina de moer carne da política que hoje está funcionando a todo vapor. 
A presidente Dilma Rousseff chega hoje de viagem ciente dessas necessidades. E, por mais que ela goste de Orlando Silva e acredite em sua inocência, há quem lembre que o governo deve seguir mesmo que alguns fiquem pelo caminho. Foi assim também no governo Lula, onde ele prescindiu de peças que considerava importantes. No governo Fernando Henrique Cardoso houve o caso do então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, peça-chave no projeto tucano na virada do século. 
O problema é que, no governo Dilma, a concentração de crises e denúncias de corrupção no primeiro ano é recorde. Dentro do Congresso, há quem diga que ela já criou atritos demais com os partidos da base. Nos últimos meses, cada queda de ministro deixou feridas abertas na base que, de vez em quando, sangram. No PR, no PMDB e no PP " onde o ministro, dia sim, dia não, é chacoalhado ", as insatisfações vão num crescente. Dilma, entretanto, se mantém impávida, com bons índices de popularidade, conquistando inclusive a avaliação positiva perante eleitores do Sul e Sudeste que não votaram nela. 
Os parlamentares não conseguem saber quanto tempo esse descolamento de Dilma com a política é capaz de funcionar. E há também o receio de que, mais à frente, envolvido algum ministro do PT nesse mesmo ritual de queda que atinge e atingiu os aliados, os petistas não façam a "cara de paisagem" que fazem hoje nem deixem que a presidente resolva como achar melhor. Esses aliados consideram que, em caso de crise no PT, o partido de Lula cobrará solidariedade e terá a mesma que dá hoje aos aliados: aquela do tipo, "passa lá em casa", mas não dá o endereço. 
Diante das análises dos políticos, por mais que se tenha consciência de que Orlando não consiga resolver a política a curto prazo " e a avaliação geral é a de que dificilmente conseguirá ", muitos sabem que Dilma tem que fazer essa cirurgia sem criar mais atritos na base. Afinal, o governo não terminou nem o seriado de denúncias, capítulos que todos os antecessores de Dilma viveram. Por isso, reza a lenda, é bom cumprir essas etapas preservando as relações políticas. É um ritual do qual ninguém escapa. 

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