Extremos se tocam, falta negociar
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 20/10/11
A troca do soldado Gilad Shalit por palestinos não significa que se possa avançar em direção à paz
A TROCA do soldado israelense Gilad Shalit por 1.027 prisioneiros palestinos foi vista como vitória para os extremistas dos dois lados.
Que o Hamas (Movimento de Resistência Islâmico) é extremista, não creio precisar demonstrar.
Que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu o é, basta lembrar que ele acabou ficando à direita de Ariel Sharon, o ex-primeiro-ministro ainda em estado de coma, que foi sempre considerado o símbolo maior do extremismo israelense.
Sharon deixou o Likud ("União") para Netanyahu e fundou o Kadima ("Avante") como partido supostamente centrista, o que talvez até seja se a comparação for com o Likud do atual premiê.
Que os extremos se enfrentem, mas acabem tendo algum ponto de contato em dado momento, não é um fenômeno novo na história. O problema é que muito dificilmente conseguem negociar algo mais do que aspectos puramente pontuais, como, no caso presente, a troca de prisioneiros.
Não parece razoável supor que possam negociar a paz. Escreve, por exemplo, para "El País" Luz Gómez García, professora de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Autônoma de Madri: "A história das negociações entre palestinos e israelenses está cheia de grandes gestos que conduzem a um nada gigantesco em termos de paz e justiça".
Tudo porque os extremismos atuais não estão desconectados do sentimento das respectivas sociedades. A dureza de Netanyahu reflete o sentimento de uma parcela majoritária dos israelenses, que desistiram da paz com os vizinhos palestinos.
Assim como a celebração do Hamas até na Cisjordânia, governada pelo rival Fatah, reflete o desencanto da rua palestina com a moderação do presidente Mahmoud Abbas, que não consegue arrancar a mais leve concessão israelense -ao contrário do Hamas, que arrancou 1.027 prisioneiros.
O fato de que a negociação levou cinco anos não importa para a rua palestina. Tomando-se só os acordos de Oslo (1993), foram 18 anos de diálogo infrutífero dos moderados com Israel. Importa pouco também o fato de que o Hamas tinha uma arma negociadora de que Abbas nunca dispôs, qual seja a vida de um judeu, Shalit -e o Estado judeu jamais abandona um dos seus.
De todo modo, a negociação entre os extremos levou Uri Dromi, porta-voz dos governos Yitzhak Rabin e Shimon Peres -os últimos moderados a governarem Israel- entre 1992 e 96, a propor uma outra troca capaz de desbloquear a paz: Israel amenizaria o bloqueio da faixa de Gaza e tornaria mais fácil a vida de seus habitantes, ao passo que o Hamas aceitaria uma "hudna" (trégua em árabe) de dez anos.
Dromi diz que a proposta é bem prática, na medida em que oferece um horizonte econômico para os habitantes de Gaza e segurança para os israelenses.
Ele próprio admite que pode ser "sonho de um dia". Mas acrescenta: "Pelo menos uma vez, quando as pessoas dos dois lados estão abraçando seus entes queridos, deixemo-nos guiar por nossas esperanças, e não só por nossos medos".
É triste quando o medo governa a terra em que estão os maiores símbolos das três religiões monoteístas, em tese portadoras da esperança.
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