Despedida
WALCYR CARRASCO
REVISTA VEJA - SP
Tudo começou em abril de 1992, uma época dificílima da minha vida, há quase vinte anos. Sem emprego fixo, eu batalhava arduamente para pagar o aluguel, botar comida na mesa, enfim... Vivia de reportagens e artigos avulsos para várias revistas — os famosos “frilas”, no jargão jornalístico. Eu ainda apostava na minha carreira como escritor. Não estava na televisão. Mas uma ou outra peça de teatro de minha autoria, quando era montada, ajudava a desafogar as finanças. Até que um dia recebi um telefonema do Carlos Maranhão, hoje diretor editorial de VEJA Cidades.
— Nós vamos publicar crônicas na última página. Você está interessado em escrever?
— Claro! — respondi alegremente.
Detalhe: eu nunca havia escrito uma crônica. Desliguei o telefone e corri para a livraria. Buscar livros de crônicas, é claro! Durante alguns dias, mergulhei nos livros, tentando entender, sentir, captar o que é crônica, um gênero fluido, sobre cuja definição os autores divergem. A crônica é quase um artigo, mas não é, na medida em que se usa o “eu”. Ou seja, admite o uso da experiência pessoal, da vida e dos sentimentos de quem escreve. É quase um conto, mas também não é, porque não deriva apenas da imaginação do autor, mas de sua observação da realidade.
Sentei-me para escrever a primeira. Oh, meu Deus, num computador movido a lenha, como eram todos na época! O Maranhão ligou:
Sentei-me para escrever a primeira. Oh, meu Deus, num computador movido a lenha, como eram todos na época! O Maranhão ligou:
— Você fez um artigo, não uma crônica.
— Posso tentar de novo?
Eu precisava conseguir! Seria um pagamento fixo, um mínimo fundamental para as minhas finanças! Seis vezes escrevi, seis ele recusou. Mas eu insisti. Até que finalmente...
— Está boa. Na semana que vem mande a próxima.
E assim estreei nestas páginas! E paguei o aluguel! Achava que a segunda seria mais difícil. Não foi. O que começou como desespero de causa financeira tornou-se uma tarefa agradável. Nunca falhei. Os fatos da minha vida alimentaram meus textos. Certa vez estive hospitalizado. Escrevi sobre a internação! Falei sobre temas que me fascinam, como culinária, tradições, internet... Quando meu cachorro Uno ficou doente e mais tarde faleceu, abri meu coração. Minhas palavras eram lágrimas. Recebi tantos e-mails, compartilhando da minha dor!
Sempre fiz questão de dizer a verdade. Meus pais não estão mais aqui. Nas datas comemorativas, nunca fingi que estivessem vivos. Confesso: uma das maiores lutas da minha vida é contra o peso e a barriga. As lutas travadas para fechar as camisas sem que o umbigo ficasse de fora foram inúmeras. E, atualmente, só preciso perder alguns centímetros para os paletós voltarem a servir. Todas essas batalhas eu contei. Assim como meus problemas de consumidor, amizades reencontradas, loucuras da moda. E talvez por isso meu contato com vocês, leitores, tenha sido sempre tão íntimo. De certa maneira, vocês se reconheceram nas minhas dores, alegrias e pequenas indignações do dia a dia! Durante todos esses anos nós rimos e nos emocionamos juntos
Mas agora a minha vida segue novos caminhos. E, por vontade própria, vou deixar esta página. Dói, confesso. Tenho a sensação de me despedir de milhares de amigos, todos vocês que me acompanharam nesses anos. Esta é a minha última crônica, aqui, na Vejinha. Só de saber que eu ia escrevê-la, fiquei um dia doente, de cama. E, agora, sinto o coração apertado. Eu queria poder dar um abraço em cada um de vocês. Fica o abraço, como está em moda hoje em dia, virtual. Para sempre, eu os considero meus amigos, meus leitores!
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