O que há de diferente (e pior) na crise europeia
PAULO RABELO DE CASTRO
REVISTA ÉPOCA
O Brasil pode pagar parte da conta porque a Europa não tem uma lei de responsabilidade fiscal
Deveria haver concurso para o título de livro mais original. Meu candidato seria Desta vez é diferente (This time is different), da obra dos economistas americanos Catherine Reinhart e Kenneth Rogoff. Eles fazem a narrativa detalhada de 800 anos de trapalhadas financeiras repetidas, em diversos países, quando banqueiros ensandecidos se dispõem a emprestar a quem não terá condições de pagar de volta, assim levando populações inteiras a crer na mágica do consumo sem trabalho.
Governos irresponsáveis aplaudem o espetáculo e colhem votos no circo de mentiras. Pior que isso: a espetacular narrativa de Reinhart e Rogoff nos aponta como os políticos articulam o discurso ufanista, tapeando a população na conversa de que "desta vez será diferente", com isso obtendo dos mercados a complacência para executar políticas econômicas financeiramente desastrosas.
Cada passo desse tipo de desastre financeiro aconteceu em 2001 na Argentina, embora solenemente negado pelas autoridades locais, até por indivíduos competentes como o ministro da Economia de então, Domingo Cavallo. A leitura distorcida das reais chances de a economia argentina superar sua crise levou os mercados, as agências de rating e os financiadores da dívida argentina a apostarem, até o último instante, que daquela vez seria diferente. Não foi e jamais será. A história de um desastre financeiro se repete, agora, na Grécia, debaixo dos nossos olhos, enquanto os governos, tanto daquele país quanto da União Europeia, acolitados pelos banqueiros envolvidos, se debatem em planos para tentar remendar o que não tem mais remédio. A conta do calote grego já foi empurrada por baixo da porta dos mercados. Os credores olham espantados para o calote que representa uma vez e meia aquilo que os gregos conseguem produzir num ano inteiro, ou seja, o PIB anual daquele país. De fato, é mais que isso. Os "extras" da conta ainda vão aparecer, tornando a vida dos credores da dívida grega ainda mais azeda. Esses credores são bancos espalhados por toda a Europa, com ramificações em outras regiões do globo. Desta vez, o tamanho do despautério financeiro é bem maior que no caso argentino, algo cinco ou seis vezes mais grave, com desdobramentos difíceis de avaliar sobre o nível de desconfiança dos mercados a respeito de outras dívidas de países do "circuito da azeitona", como carinhosamente podemos nos referir a Portugal, Espanha e Itália, além da própria Grécia. No final, são os próprios credores que se sentem quebrados. Por isso, ações de bancos europeus sofreram desvalorizações catastróficas e não cessam de cair.
O Brasil pode pagar parte da conta porque a Europa não tem uma lei de responsabilidade fiscal
Cada caso de calote tem alguma peculiaridade que, examinada em retrospectiva, estava lá desde o início, como uma fragilidade mal escondida. Os mercados e os banqueiros afoitos normalmente fazem vista grossa a pequenos detalhes que, depois, farão toda a diferença. O problema financeiro da Europa tem na fragilidade fiscal da Comunidade seu tendão de aquiles. O Parlamento europeu não pode votar o tributo sobre vendas que seria necessário, por cima do atual imposto sobre valor agregado. O novo imposto daria conta de montar um fluxo financeiro futuro para as dívidas que a autoridade monetária europeia terá de assumir no presente. Falta na Europa uma lei de responsabilidade fiscal para seus membros, como no Brasil foi conseguida, a duras penas, na administração FHC. Aqui foi preciso que o país passasse na beira do abismo em 1999, sendo considerado quebrado por seus credores. O abismo já chegou para os europeus. Desta vez, entretanto, é diferente. Sim, porque o impasse ocorre dentro dos países centrais do mundo financeiro, pondo em emergência o fiapo de estabilidade do resto do mundo, inclusive nós, que daqui quase nada conseguimos perceber. O Brasil também deve estar preparado para começar a pagar uma parte dessa conta indigesta nos próximos meses. Que tenhamos a sorte de não desperdiçarmos a oportunidade de avançar na crise, com as reformas que nossos políticos ainda nos impedem de fazer.
Governos irresponsáveis aplaudem o espetáculo e colhem votos no circo de mentiras. Pior que isso: a espetacular narrativa de Reinhart e Rogoff nos aponta como os políticos articulam o discurso ufanista, tapeando a população na conversa de que "desta vez será diferente", com isso obtendo dos mercados a complacência para executar políticas econômicas financeiramente desastrosas.
Cada passo desse tipo de desastre financeiro aconteceu em 2001 na Argentina, embora solenemente negado pelas autoridades locais, até por indivíduos competentes como o ministro da Economia de então, Domingo Cavallo. A leitura distorcida das reais chances de a economia argentina superar sua crise levou os mercados, as agências de rating e os financiadores da dívida argentina a apostarem, até o último instante, que daquela vez seria diferente. Não foi e jamais será. A história de um desastre financeiro se repete, agora, na Grécia, debaixo dos nossos olhos, enquanto os governos, tanto daquele país quanto da União Europeia, acolitados pelos banqueiros envolvidos, se debatem em planos para tentar remendar o que não tem mais remédio. A conta do calote grego já foi empurrada por baixo da porta dos mercados. Os credores olham espantados para o calote que representa uma vez e meia aquilo que os gregos conseguem produzir num ano inteiro, ou seja, o PIB anual daquele país. De fato, é mais que isso. Os "extras" da conta ainda vão aparecer, tornando a vida dos credores da dívida grega ainda mais azeda. Esses credores são bancos espalhados por toda a Europa, com ramificações em outras regiões do globo. Desta vez, o tamanho do despautério financeiro é bem maior que no caso argentino, algo cinco ou seis vezes mais grave, com desdobramentos difíceis de avaliar sobre o nível de desconfiança dos mercados a respeito de outras dívidas de países do "circuito da azeitona", como carinhosamente podemos nos referir a Portugal, Espanha e Itália, além da própria Grécia. No final, são os próprios credores que se sentem quebrados. Por isso, ações de bancos europeus sofreram desvalorizações catastróficas e não cessam de cair.
O Brasil pode pagar parte da conta porque a Europa não tem uma lei de responsabilidade fiscal
Cada caso de calote tem alguma peculiaridade que, examinada em retrospectiva, estava lá desde o início, como uma fragilidade mal escondida. Os mercados e os banqueiros afoitos normalmente fazem vista grossa a pequenos detalhes que, depois, farão toda a diferença. O problema financeiro da Europa tem na fragilidade fiscal da Comunidade seu tendão de aquiles. O Parlamento europeu não pode votar o tributo sobre vendas que seria necessário, por cima do atual imposto sobre valor agregado. O novo imposto daria conta de montar um fluxo financeiro futuro para as dívidas que a autoridade monetária europeia terá de assumir no presente. Falta na Europa uma lei de responsabilidade fiscal para seus membros, como no Brasil foi conseguida, a duras penas, na administração FHC. Aqui foi preciso que o país passasse na beira do abismo em 1999, sendo considerado quebrado por seus credores. O abismo já chegou para os europeus. Desta vez, entretanto, é diferente. Sim, porque o impasse ocorre dentro dos países centrais do mundo financeiro, pondo em emergência o fiapo de estabilidade do resto do mundo, inclusive nós, que daqui quase nada conseguimos perceber. O Brasil também deve estar preparado para começar a pagar uma parte dessa conta indigesta nos próximos meses. Que tenhamos a sorte de não desperdiçarmos a oportunidade de avançar na crise, com as reformas que nossos políticos ainda nos impedem de fazer.
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