Eu sei que você sabe que eu sei
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/09/11
Governo mudou a política econômica com um projeto ou se adapta aos poucos e aos trancos à realidade?
AGORA, ATÉ o pessoal do mercado acredita que o Banco Central vai cortar os juros em mais um ponto até o final do ano. Mas, até lá, esses economistas não devem alterar muito suas previsões de inflação.
Isto posto, e pelo andar da carruagem dos juros futuros no mercado, é provável que o Brasil vire o ano com uma taxa real de juros inferior a 4%. Isso é exótico por aqui.
Outra suposição quase aceitável é prever que a inflação lá por abril baixe para algo entre os 5,5% previstos por economistas de mercado e os 4,8% da torcida do Banco Central. E fique nesse degrau em 2012.
Imagine-se ainda que BC e Ministério da Fazenda tenham feito um pacto implícito sobre como conduzir a economia. Um "eu sei que você sabe que eu sei que você sabe que eu sei". O que estaria implícito?
Primeiro, que essa história de colapso econômico no mundo rico, que reduziria crescimento e inflação por aqui, na opinião do BC, é uma conversa para boi tirar uma soneca -é um pouco verdade, mas não muito.
Segundo, que seria muito difícil baixar a inflação rapidamente sem reduzir demais o crescimento, a um custo excessivo. A inflação de serviços responde devagar aos juros.
O mercado de trabalho apertado, com falta de gente qualificada e inflação de salários tampouco responderia à ação do BC sem uma paulada contraproducente de juros -a escassez de trabalhador hábil ainda duraria muito tempo. A hipótese foi levantada em público por Delfim Netto, por exemplo; diz a lenda que o economista é ouvido no governo.
Parte da inflação de 2012 teria ido para o vinagre ainda porque a injeção de dinheiro na economia via salário mínimo, transferências sociais e crédito estatal já está contratada.
Logo, seria melhor não chorar sobre o leite derramado e fazer do limão uma limonada, para usar algumas frases originais. Em vez de dar um tranco forte no crescimento, tolera-se a inflação acima da meta até o final de 2012, ou mais.
Aí entraria o terceiro item do acordo implícito Fazenda-BC: o governo gasta menos, faz superavit primário de pelo menos 3,2% até 2014, a conta de juros cai, o deficit nominal também, a dívida pública em relação ao PIB cai ainda mais. O PIB continuaria crescendo uns 4%, o número mágico do governo (e que garante arrecadação confortável, no dizer do próprio governo).
Qual seria o resumo da ópera nesse universo paralelo de política econômica? Em vez de bater a cabeça na parede de uma inflação temporariamente resistente, tolera-se o IPCA acima da meta por um tempo, o PIB cresce e, ao final desse período supostamente excepcional, a dívida pública teria caído bem, isso num mundo de governos quebrados.
Tal esquema imaginário ficaria melhor se o governo evitasse aumentos reais do salário mínimo a partir de 2013; se reduzisse o nível de crédito a juros subsidiados, aquele concedido pelos bancos estatais.
Diante das críticas de que inflação, no médio prazo, produz apenas mais inflação, e não crescimento, o governo diria que se trata de um arranjo de curto prazo, de dois, três anos, dadas as excepcionalidades de um período de inflação teimosa. Na balança entre tentar controlar preços agora e tentar lustrar outros indicadores macroeconômicos, seria melhor a segunda opção. É isso o que o governo estaria fazendo? E estaria fazendo de caso pensado?
Nenhum comentário:
Postar um comentário