Bactéria contra dengue
FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo - 08/09/11
Todos os anos, 50 milhões de pessoas são infectadas pelo vírus da dengue. No Brasil, a epidemia corre solta. O Aedes aegypti se espalha pelo País. As brigadas mata-mosquito não conseguem acabar com os depósitos de águas paradas onde eles se multiplicam, e fumegar bairros inteiros com inseticidas é uma medida paliativa. Mas, agora, cientistas australianos recrutaram um novo aliado, a bactéria wolbachia e, se tudo der certo, existe uma chance de vencermos a guerra.
O vírus da dengue é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que pica uma pessoa infectada, se infecta e logo em seguida pica uma pessoa saudável, transmitindo, assim, a doença. Como não existe uma vacina contra o vírus, a única maneira de combater a doença é controlar os mosquitos que transmitem o vírus.
O estudo dos australianos foi inspirado por pesquisadores que estudavam uma bactéria que infecta insetos, a wolbachia. Essa bactéria, que vive no interior das células dos insetos, é um parasita sofisticado. Habitando o interior das células, ela escapa do sistema imune e, se dividindo lentamente, não atrapalha muito a vida do hospedeiro.
Mas ela é ainda mais inteligente. Como a wolbachia infecta os ovos produzidos pelo Aedes fêmea, ela passa automaticamente para a próxima geração. Quando o ovo é fecundado, a larva já nasce infectada com a bactéria.
Mas a sofisticação desse parasita não para aí. Quando os ovos de uma fêmea não infectada pela wolbachia são fertilizados por um macho infectado, eles morrem, o que faz com que as fêmeas infectadas tenham uma vantagem reprodutiva sobre as não infectadas. A combinação dessas três características faz com que a wolbachia se espalhe rapidamente e infecte toda a população de insetos.
Mas o que isso tem a ver com o vírus da dengue? Faz alguns anos foi descoberto uma nova peculiaridade da wolbachia: ela é ciumenta, possessiva e não gosta que outros seres vivos colonizem os insetos onde ela está instalada. Na prática, isso significa que, quando um inseto é infectado pela wolbachia, ele fica imune a uma série de vírus.
Quando o vírus penetra no inseto, ele é exterminado. Os cientistas australianos ficaram imaginando... Será que é possível infectar o Aedes aegypti com uma cepa de wolbachia? E será que o Aedes infectado se torna imune ao vírus da dengue?
Após muitas buscas, eles descobriram uma cepa de wolbachia capaz de infectar o Aedes. Demonstraram que essa cepa de wolbachia era transmitida de mãe para filha e, quando presente nos machos, matava os ovos produzidos por fêmeas não infectadas.
Mais do que isso, demonstraram no laboratório que os insetos infectados eram imunes ao vírus da dengue. Em gaiolas, conseguiram mostrar que um pequeno número de insetos infectados com wolbachia rapidamente espalhava o parasita, bloqueando a transmissão do vírus da dengue.
O próximo passo era óbvio. Será que, soltando um grande número de Aedes infectados com wolbachia em uma cidade, eles seriam capazes de espalhar a bactéria por toda a população local de Aedes e, na prática, os insetos infectados bloqueariam a transmissão da dengue entre as pessoas?
Os cientistas conseguiram a permissão das autoridades australianas e o apoio de duas comunidades na costa do Estado de Queensland, no norte da Austrália.
Ao longo de dois meses, em janeiro e fevereiro deste ano, mais de 150 mil exemplares de Aedes aegypti infetados com wolbachia foram soltos nessas duas comunidades. Nos meses seguintes, coletando insetos por toda a região, os cientistas puderam monitorar como a wolbachia foi se espalhando na população de Aedes e, aos poucos, tornando os insetos imunes ao vírus da dengue.
Hoje, 100% dos Aedes presentes nessas duas comunidades são imunes ao vírus. O que se espera é que, nos próximos anos, sem insetos capazes de transmitir o vírus da dengue, os casos da doença nessas comunidades comecem a cair. Se isso ocorrer, teremos um novo método para combater a dengue, usando como aliado nossas amigas wolbachias.
Quem poderia imaginar que um projeto de pesquisa básica, cujo objetivo era compreender o ciclo de vida de uma bactéria que parasita um inseto, poderia levar à descoberta de uma nova maneira de combater o vírus de uma doença humana?
É por isso que só os desinformados criticam investimentos em projetos de ciência básica desvinculados de objetivos práticos.
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