Voto consciente
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 11/09/11
Não é a primeira vez que um fato isolado expõe com crueza a separação entre o que quer a sociedade e o que fazem os políticos. A absolvição da deputada federal Jacqueline Roriz, flagrada em filme recebendo uma propina do esquema do então governador Arruda em Brasília, foi um tapa na face da opinião pública e explicitou a necessidade de uma mudança na representação congressual para aproximá-la do sentimento da sociedade.
A proposta de reforma política apresentada pelo relator da comissão especial, o petista Henrique Fontana, dá, com a lista fechada, uma força às direções partidárias que elas não estão a merecer.
A proposta de voto distrital, em contrapartida, dá ao eleitor a chance de fiscalizar de perto a atuação de seu escolhido e, por isso, a adesão ao manifesto se amplia.
A legitimidade do Congresso Nacional como instituição estaria ameaçada por práticas fisiológicas que já são nossas velhas conhecidas: clientelismo, malversação, promiscuidade.
Os defensores do voto distrital alardeiam pesquisas que mostram que um mês após a eleição, 30% dos eleitores já não se lembram em quem votaram, pois votam sem conhecer bem os candidatos.
Este número aumenta para 70% em relação às eleições anteriores. O mesmo processo aconteceria em relação ao candidato, que, tendo uma votação fragmentada, não se sentiria ligado ao eleitor e, por outro lado, os eleitos por votos corporativos só se sentiriam responsáveis por aqueles nichos em que atuam.
O voto distrital é um sistema de voto majoritário no qual um estado (ou cidade) é dividido em pequenos distritos com aproximadamente o mesmo número de habitantes. Cada partido indica um único candidato por distrito e cada distrito elege um único representante pela maioria dos votos.
O movimento #euvotodistrital defende o sistema majoritário de dois turnos, ou seja, o voto distrital puro. Essa modalidade, alegam seus coordenadores, além de trazer todos os benefícios do distrital como conhecemos, preserva os interesses das minorias ao exigir segundo turno, caso o candidato não tenha 50%+1 dos votos.
Já está em tramitação um projeto de lei que determina que as eleições para as câmaras em municípios com mais de 200 mil habitantes sejam feitas pelo sistema majoritário, proporcionando aos eleitores a experiência de viverem um sistema eleitoral diverso, para que, no futuro, possa ser adotado em outras eleições legislativas.
Uma das características do voto distrital seria possibilitar ao eleitor trabalhar contra um candidato, o que, no atual sistema brasileiro, simplesmente não existe.
Um parlamentar corrupto em busca da reeleição dispõe, no sistema atual, de caminhos para contornar resistências e continuar fraudando o mandato popular. Como é o caso do deputado Valdemar da Costa Neto, que se elegeu às custas das sobras de votos de Tiririca.
As vantagens do sistema distrital majoritário são muitas, segundo os formuladores do projeto: é um sistema simples e de fácil implantação; incentiva a participação do eleitor, que exerceria maior vigilância e fiscalização sobre o representante eleito do seu distrito, e permitiria diminuir o custo das campanhas eleitorais para o país como um todo.
Cada partido só poderá apresentar um candidato por distrito, reduzindo drasticamente o número de candidatos nos estados e no país.
Além disso, o candidato concentrará sua campanha no distrito no qual concorre, tendo fim as campanhas eleitorais milionárias em que os candidatos, no sistema atual, se veem obrigados a fazer campanha em todo o estado.
Uma campanha milionária num distrito, por sua vez, será escancarada perante o eleitor, podendo criar constrangimentos.
Na definição do cientista político Amaury de Souza, que também está envolvido na campanha, o voto distrital, ao adensar a relação do eleitor com o deputado, fortalece o Poder Legislativo face ao Executivo.
A acusação de que o voto distrital é paroquial é rejeitada pelos coordenadores da campanha, que afirmam que, ao contrário, o voto distrital majoritário é muito menos provinciano e paroquial do que o sistema atual.
Um deputado que disputa uma eleição majoritária num distrito que pode ter 250 mil eleitores é obrigado a compor com todos os interesses daquela comunidade, não pode ser paroquial.
Ao contrário do paroquialismo, o voto distrital majoritário modernizaria, tornaria cosmopolita a representação na Câmara.
Para Amaury de Souza, o distrital majoritário torna a eleição mais inteligível, o eleitor vê melhor a relação entre seu voto, seu candidato e o vencedor.
Uma projeção das bancadas partidárias, respeitando-se o número de cadeiras existentes para cada estado na Câmara dos Deputados, e criados tantos distritos quantas cadeiras estarão sendo disputadas, mostra um quadro de perdas e ganhos para os partidos.
O PT, por exemplo, perderia oito cadeiras na Câmara, enquanto o PMDB ganharia nada menos que 14. O PSDB ganharia cinco deputados federais, enquanto o DEM perderia dois. PP, PR, PDT e PCdoB seriam os partidos mais prejudicados: cada um perderia cinco deputados federais. Entre os nanicos, o PSC perderia seis deputados federais.
- Evidentemente, esse cálculo foi feito com base em resultados de uma campanha proporcional. Com o voto distrital, os critérios de escolha do candidato têm que ser outros, daí a vantagem do sistema, que aproxima o eleito do eleitor - defende Amaury de Souza.
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