A guerra do óleo
MERVAL PEREIRA
A guerra da distribuição dos royalties do petróleo está chegando a um ponto de ruptura entre o governo federal e os estados produtores, principalmente o Rio de Janeiro, o que tem mais a perder. Ontem, o governo federal, em aliança com alguns senadores nordestinos, tentou votar o projeto, mas o PSDB atrasou entrega de relatório de uma medida provisória, e a pauta seguiu obstruída.
Mas a sensação é que da semana que vem não passa. Os estados produtores estão fazendo de tudo para mostrar aos demais que na verdade todos perderão com a proposta de divisão que está em votação, pois o novo regime de partilha fecha mais uma vez o ciclo histórico de centralização da tributação do petróleo nas mãos da União.
Os economistas José Roberto Afonso e Vivian Almeida fizeram um estudo com uma visão mais abrangente e histórica de como a tributação do petróleo e a divisão da correspondente receita entre níveis e entes federados contribuíram para moldar uma tendência marcante e secular da Federação brasileira: a oscilação no longo prazo entre maior concentração dos poderes e dos recursos e maior descentralização dos mesmos, como um pêndulo, que agora tende para a União.
Segundo o estudo, a história da tributação sobre combustíveis confunde-se com o histórico do processo de divisão federativa do país. Eles demonstram que, no debate recente, a justificativa para a partilha do pré-sal confunde-se com o processo de recentralização desencadeado após a Constituinte. Esse histórico de oscilar centralização com descentralização é característica do caso brasileiro, dizem vários autores que estudam o federalismo.
No pós-guerra criou-se um imposto sobre o petróleo, quando ele não tinha ainda peso na economia. Era imposto único, federal, mas com 60% da receita repartidos com estados e municípios. Os militares mantiveram o imposto, mas aumentaram a proporção do que ficaria na União. A descentralização, iniciada com governadores no regime militar, consolida-se na Constituinte de 1988, marco principal da inversão da lógica centralizadora dos militares.
Antes o imposto único era federal, e, pela Constituição nova, combustíveis e energia elétrica passam a ser base exclusiva de estados e municípios, sem que incida sobre eles imposto federal. O ICMS passou a incidir sobre combustíveis com a famosa regra de ser cobrado no destino, e os constituintes criam a figura dos royalties para compensar estados produtores.
Em 1993, no governo Itamar Franco, cria-se uma taxa federal sobre combustíveis com uma mudança sutil na legislação, permitindo que contribuições incidissem sobre petróleo e gasolina, e não impostos. Isso abriu a porta para que o governo federal voltasse a taxar o setor, criando a Cide sobre combustíveis, teoricamente para financiar obras em estradas federais. A Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é cobrada da mesma forma que a Cofins e o PIS: um valor fixo por litro de combustível vendido. A destinação da receita, porém, é distinta: 1/4 da Cide é entregue aos estados e municípios (é a única contribuição que é compartilhada), enquanto 100% das contribuições sociais pertencem à União.
Na hora de reduzir tributo, a escolha é sempre em cima do compartilhado, como aconteceu com a redução da Cide de combustíveis para não aumentar o preço da gasolina. A virada total de mesa foi a mudança de regime da concessão para a partilha no pré-sal, em que o óleo passa a ser da União. O que no regime de concessão é lucro empresarial, na partilha vira receita de comercialização da União, uma receita pública.
O agravante, que completa a briga federativa, é que o óleo não gera lucro, e o governo não só não vai pagar participações especiais como também não pagará Imposto de Renda nem Contribuição Sobre o Lucro Líquido. E há dúvidas sobre se a venda desse óleo pela União vai pagar ICMS, Pis, Cofins, enfim, os impostos que incidem sobre a venda.
O novo sistema de partilha fecha o ciclo de reconcentração dos recursos nas mãos da União. O ganho não vai gerar receita para os Fundos de Participação dos Estados e Municípios, não gerando vinculação para a Educação e a Saúde, representando menos dinheiro carimbado para a seguridade social.
A União pode até decidir pôr um montante nessa área, mas não estará obrigada. A ironia é que os estados não produtores, que vivem dos Fundos dos Estados e Municípios, não prestam atenção para o fato de que, na mudança de regime, essa riqueza, pelo sistema tributário, vai deixar de ser repartida com estados e municípios, pois não gerará arrecadação de impostos.
Em vez de brigarem por isso, adotam o caminho mais fácil e rápido, que é tirar o que estados produtores já têm. Os governos ficam brigando entre si enquanto a União paira soberana. O Ministério da Fazenda fez uma opção preferencial pela Petrobras. Diante disso, estados produtores apresentaram a proposta de alterar as participações dos campos já licitados no regime de concessão, mudando o decreto que regulamenta a medida. Governo e petroleiras argumentam que isso seria quebra de contrato. A alternativa nova é criar um imposto sobre exportação, mas o governo alega que ele aumentaria o preço da gasolina, o que parece falácia, pois o imposto seria pela parte exportada, que não interfere no mercado interno. A Petrobras, é certo, teria uma despesa a mais, mas, com a alta do dólar, receberia mais em reais pela exportação.
O caminho da briga federativa é o pior possível, vai parar no Supremo. Mas o governo parece mais preocupado em preservar a Petrobras do que em não alimentar a guerra federativa.
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