No ritmo do tango
JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES
O Globo - 29/09/2011
O recente pacote de medidas adotado pelo Governo brasileiro para conter as importações crescentes de veículos asiáticos parece ter sido inspirado, na sua filosofia, mais em Buenos Aires do que em Brasília, por motivos que a seguir são expostos.
As autoridades econômicas brasileiras justificaram o pacote alegando a necessidade de proteger a criação de empregos no Brasil, pressupondo que cada carro importado gere empregos no exterior, e cada carro exportado gere empregos no Brasil.
Com tal objetivo, as autoridades econômicas adotaram dois instrumentos, a saber, o aumento do custo de importação e o aumento do índice de nacionalização do veículo. Segundo tal raciocínio, o real valorizado nada tem a ver com as condições macroeconômicas brasileiras, mas sim é o resultado de manipulações cambiais provocadas por forças ocultas (talvez os países desenvolvidos; talvez a China) com o objetivo de desindustrializar o país através da prática de concorrência desleal.
O castigo fiscal não se aplicará se a empresa importadora garantir um índice de nacionalização de 65% associado a mais investimento em inovação tecnológica.
A Argentina vem, a décadas, praticando esse tipo de política, só que no caso portenho o alvo eram as exportações industriais brasileiras.
As desvalorizações cambiais brasileiras, especialmente a de 1999, eram de caráter competitivo e visavam a desindustrializar a Argentina para puro benefício das empresas paulistas. As restrições às importações brasileiras se justificavam como corretivas da competição desleal, seja via taxa de cambio, seja via financiamentos "subsidiados" do BNDES.
Hoje, num curioso passe de mágica, o Governo brasileiro optou por adotar, como antídoto à crescente importação de veículos asiáticos, o mesmo princípio ativo do velho protecionismo comercial que "los hermanos" sistematicamente nos aplicam nos últimos anos.
A inspiração portenha não para aí. Dizem os jornais que as autoridades fazendárias querem propor, em escala mundial, via OMC, um sistema de "gatilho cambial", que seria disparado cada vez que as cotações de uma moeda nacional ultrapassassem limites razoáveis de uma banda de flutuações.
O "gatilho cambial" esteve presente na pauta das discussões bilaterais argentino-brasileiras desde os tempos do ministro Domingo Cavallo, nos anos 90, o genial formulador da paridade cambial argentina, de triste e melancólica memória.
Mesmo após a eclosão da crise argentina em 2002 e o fim da paridade cambial, a ideia da adoção de um mecanismo de compensação tarifária pelas continuadas desvalorizações brasileiras continuava presente nas conversas bilaterais. O Plano Real, o controle da inflação e a valorização do real em nada arrefeceram o fervor protecionista argentino.
A lição a tirar-se deste "surto" protecionista brasileiro é clara: no mundo globalizado de hoje, o que se almeja são o aumento da produtividade e o consequente incremento da competitividade no nível mundial.
O aumento de impostos de importação, ou o aumento de impostos internos, ou o aumento dos índices de nacionalização de elos da cadeia produtiva, têm aritmeticamente o efeito oposto ao desejado, que é o de aumentar a competitividade da indústria nacional. Os ganhos de curto prazo, via proteção fiscal, são largamente neutralizados pelo aumento da ineficácia competitiva do produto industrial.
Vamos defender o emprego dos brasileiros? Sim, para tanto, vamos reduzir o Custo Brasil para podermos exportar mais produtos industriais, em vez de brigar com os importadores e consumidores brasileiros de veículos asiáticos.
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