De Geisel a Dilma
JOSÉ NEGREIROS
O Globo - 01/09/2011
Um ano depois de o ministro Mário Henrique Simonsen haver deixado o governo Figueiredo, em agosto de 1979, eu e o jornalista Fernando Martins almoçamos com ele. Além de economista genial, "O Mário", como os íntimos o chamavam, foi um dos mais irreverentes tecnocratas brasileiros. Tinha um senso de humor afiadíssimo. A oportunidade, então, era imperdível para esclarecer uma curiosidade nacional: quantas vezes mesmo ele havia pedido demissão ao presidente Geisel, um general sisudo, que infundia temor reverencial nas pessoas.
Simonsen sorriu: "Foram só três." Conte uma, pedimos. "A mais engraçada: uma vez ele gritou comigo durante uma audiência. Eu me levantei e disse que ia embora, pois não admitia gritos. O presidente explicou que não estava gritando, e sim falando alto, porque era descendente de alemães. "Todos lá em casa falam assim", argumentou. E me convidou para jogar biriba em sua casa de Teresópolis, para comprovar a história. "O Sr. também pode gritar comigo", ironizou Geisel." O Mário foi e constatou que era verdade. "E aí?", indagamos. "Nossos despachos passaram a ser aos berros!", respondeu ele.
Recorro a Simonsen para justificar a semelhança que vejo entre Geisel e a presidente Dilma Rousseff, em quem muitos apontam modos rudes no trato com os subordinados. Vai ver ninguém testou ainda seu estilo joelhaço do Analista de Bagé. Até porque não fica por aí seu parentesco com o general. A especialidade de Geisel, a exemplo de Dilma, era energia. Foi presidente da Petrobras e um apaixonado pelo assunto, a ponto de tornar-se avô do Proálcool, o plano de autossuficiência energética que mitigou a crise dos anos oitenta.
Dilma é ex-ministra de Minas e Energia, onde revelou seu talento de CEO ao formular a nova política setorial após o apagão de 2001. Shigeaki Ueki, um japonesinho de 1,5 metro, cria política de Geisel, é quem comandou a pasta no governo do penúltimo presidente da ditadura. Auxiliares do trabalho de apoio administrativo do Palácio do Planalto na época contam que muitas vezes Ueki deixava o gabinete mais importante do terceiro andar com os olhos cheios de lágrimas, depois de puxões de orelha que fariam as broncas de Dilma parecerem um afago. Outro traço comum ao temperamento de ambos é a obsessão pelo detalhe. Geisel gostava de ler Código Tributário, literatura capaz de entediar budista. Lia e anotava observações nas bordas daqueles compêndios de alíquotas e pedregulho financeiro. Dilma o imitou no caso do Código Florestal que tramita no Congresso. Ela levou para casa, leu a íntegra, revisou trechos confusos, e passou um sabão em que escreveu as besteiras detectadas no texto. Gaúcho como ela, que fez no Rio Grande sua graduação política, Geisel, por razões óbvias, era uma Dilma sentado naquela cadeira.
No final do expediente, a mesa estava arrumada como a de um colegial, e a roupa, impecável, sem um amassado. Parecia que tinha se vestido naquele momento. Andava empertigado, preparado para uma constante revista à tropa. E sobretudo não gostava de político. Gostava de mandar.
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