Ex-presidentes
ALON FEUERWERKER
Correio Braziliense - 01/09/2011
Se um ex-presidente deseja continuar na refrega, deve continuar para valer. Submeter-se ao escrutínio popular. O Brasil construiu um modelo intermediário entre o caudilhismo e a democracia de rotação de poder
Sobre ex-presidentes do Brasil, há pelo menos uma certeza: quanto mais eles prometem pairar acima das questiúnculas político-partidárias, mais cresce a certeza de estarem metidos nelas até o pescoço.
Dos ex-presidentes desde a redemocratização, consequentes têm sido José Sarney e Fernando Collor. Assim como foi Itamar Franco, enquanto viveu. Assim como talvez será Luiz Inácio Lula da Silva em eleições vindouras.
Se um ex-presidente deseja continuar na refrega, deve continuar para valer. Submeter-se ao escrutínio popular. Sarney e Collor vêm — e Itamar vinha — disputando seguidas eleições desde que deixaram a cadeira.
Para ganhar ou perder. Encaram o risco da urna, o humor do eleitor. Collor mais dramaticamente, pelo longo desterro percorrido até um novo mandato.
Já Fernando Henrique Cardoso prefere trilha diversa. Apresenta-se como líder perene da oposição — o que é legítimo —, mas não se vê amarrado pelas contingências da política prática.
Ora fala como sociólogo, ora como líder partidário, ora como militante de causas suprapartidárias.
Está no direito dele, mas seria interessante medir o efeito disso na atividade oposicionista.
Na surpreendente iniciativa para liberalizar a legislação antidrogas, por exemplo, seria útil se o ex-presidente tucano conferisse, na luta por um cargo majoritário, o que os eleitores acham disso.
Para a democrática aferição popular.
Quando estava na Presidência, Lula repetia que seria um bom ex-presidente. Até agora não tem derrapado no cumprimento da promessa. Não tem lutado pela função de consciência crítica do governo Dilma Rousseff.
Vem absorvendo o prejuízo decorrente das guinadas da sucessora, das coisas que ela faz exatamente ao contrário do que ele fazia. Como agora ao enfrentar a nova onda planetária de crise econômico-financeira.
Verdade que Lula está dia sim outro também na ribalta, operando o fortalecimento da sua corrente política. Mas que ex-presidente não está?
E se o jornalismo decide cobrir o que Lula faz e diz, é decisão jornalística.
Seria injusto pedir a Lula que se aposente da política partidária e não pedir o mesmo aos demais.
O Brasil construiu um modelo intermediário entre o caudilhismo e a democracia de rotação de poder. O primeiro tem vários exemplos. Alguns deles cobram hoje sua conta em sangue no mundo árabe.
A segunda cristalizou-se nos Estados Unidos.
Há um debate sobre se Lula não quis ou não pôde lutar pelo terceiro mandato consecutivo. É uma discussão para os historiadores. Preto no branco, o petista não chegou a mover um músculo para continuar na cadeira além do prazo previamente regulamentado.
Por boniteza ou precisão, tanto faz.
Diz a respeito
A votação que livrou Jaqueline Roriz da cassação na Câmara dos Deputados reacendeu o debate sobre a conveniência do voto secreto no parlamento em algumas situações.
O reflexo em ocasiões assim é defender o fim do voto secreto. Com o objetivo de suprimir a independência dos parlamentares diante da opinião pública.
Mas, como dizia o Conselheiro Acácio, as consequências virão depois. O planejado para permitir a ascendência absoluta da opinião pública sobre o Legislativo irá resultar em outra ascendência absoluta do Executivo sobre o Congresso.
É um trade-off, e o país precisa decidir o que prefere.
Isso, independente do juízo sobre a votação da terça-feira. Um problema foi a Câmara dos Deputados desconsiderar a intensidade da prova contra a acusada.
Outro problema, tão grave quanto, é alguém, na situação da acusada, não se sentir compelido a renunciar.
Se a contagem dos votos no painel eletrônico disse algo a respeito do Parlamento brasileiro, o segundo fato diz bastante a respeito da sociedade brasileira.
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