Obama - primeiro ano de governo
O ESTADO DE SÃO PAULO - 24/01/10
Uma opinião sobre o primeiro ano de mandato do presidente Barack Obama depende não só de convicções ideológicas, como da percepção dos limites do possível, cujos contornos nem sempre são claros.
O novo governo teve de enfrentar dois problemas básicos. De um lado, lida com a mais dura crise econômica dos Estados Unidos desde a Grande Depressão de 1929. De outro, no plano internacional, herda duas intervenções militares. Acrescente-se a isso que o esforço de Obama para forjar uma coalizão bipartidária, nas situações em que o interesse nacional estivesse em jogo, bateu de frente com a feroz oposição dos republicanos, de uma parte da mídia e de interesses corporativos.
No setor econômico, o governo saiu-se bem no sentido de evitar o caos econômico, desenhado desde a quebra emblemática do banco Lehman Brothers. É certo que vozes respeitáveis, no campo dos democratas, como a do economista Paul Krugman, consideram pouco ousadas as medidas tomadas para enfrentar o desemprego e regular o sistema bancário.
Ressalvas à parte, nos dias que correm, Obama entrou numa queda de braço com Wall Street ao propor a imposição de impostos aos grandes bancos e financeiras, além de cobrar a devolução do socorro fornecido no auge da crise. Justificativas para essas propostas não faltam. Muitos bancos não demonstram a menor propensão a se emendar e continuam a pagar a seus executivos, a título de bônus por resultados satisfatórios, quantias polpudas saídas, em vários casos, do bolso do contribuinte americano. É inegável, ainda, que investir contra o sistema financeiro pode proporcionar bons dividendos políticos, com vista às eleições parlamentares de novembro.
Ao mesmo tempo, as medidas anticíclicas geraram um pesadíssimo déficit público, que pesa como uma imensa hipoteca para as próximas décadas. Mas salvou-se a casa incendiada, embora as consequências tóxicas sejam tão preocupantes quanto inevitáveis.
Menciono apenas a liberação das pesquisas com células-tronco, os avanços na busca de fontes de energia alternativa, a reforma educacional, para me deter um pouco na reforma do sistema de saúde - uma das principais promessas de campanha do presidente.
Lembremos que há dois projetos de reforma aprovados, um no Senado e outro na Câmara dos Representantes, a serem consolidados num texto final antes do encaminhamento à sanção presidencial.
O presidente Obama obteve uma vitória parcial, mas significativa. A vitória é parcial porque houve várias exclusões no projeto do governo, entre elas o corte da possibilidade de o Estado concorrer com empresas privadas no setor. Seja como for, abriu-se o caminho para que aproximadamente 40 milhões de pessoas venham a obter proteção previdenciária, apesar da forte oposição não só da direita e seus porta-vozes, como também dos grandes sindicatos. Estes, assim como as seguradoras, querem barrar a proposta, aprovada pelo Senado, de um imposto - a chamada "Cadillac Tax" - incidente nos planos privados de maior valor para financiar parte do novo programa. Como resultado dessas alianças, apenas cerca de 37% dos americanos aprovam a universalização dos planos de saúde.
Na área externa, os limites da ação presidencial são visíveis. A retirada do escudo antimísseis apontado para a Rússia, a pretexto de garantir a segurança europeia contra as maquinações do Irã, foi um passo à frente, assim como o incremento de relações multilaterais com os demais países do mundo, apesar das inevitáveis fricções. Mas há pontos muito graves para os quais não se vislumbra um resultado satisfatório, a médio ou mesmo a longo prazo. Se o Iraque deixou de ser o problema principal, não foi possível avançar no infinito problema das relações Israel-palestinos, na contenção do Irã, que se nega a admitir inspeções nucleares, e o Afeganistão, acoplado ao Paquistão, tornou-se o centro de um imbróglio. Num país tribal, com um presidente eleito em eleições fraudulentas, os Estados Unidos, que têm hoje 100 mil soldados no Afeganistão, conseguirão reduzir substancialmente as ações terroristas e ganhar legitimidade perante a população, com iniciativas não só militares?
No ano que se inicia, os problemas não são poucos. Um deles é o desemprego, na casa dos dois dígitos, problema grave cuja resolução levará tempo e será posterior à retomada econômica, venha ela quando vier. Outro é o desfecho das eleições de "mid-term" - as eleições de novembro, para a renovação da Câmara dos Representantes e de parte do Senado. As condições sociais, a pressão organizada da direita, os desencontros entre os democratas tornam essas eleições difíceis para o governo. Um eventual resultado negativo levaria a maiores dificuldades nas relações entre o Executivo e Congresso, afetando o processo legislativo. Nesse sentido, a vitória dos republicanos nas eleições para o Senado no Estado de Massachusetts, em substituição ao falecido senador Ted Kennedy, é um mau presságio, que desde logo põe em risco a consolidação do plano de saúde.
Além disso, quem poderia garantir, apesar da multiplicação de medidas de segurança, que um terrorista não consiga realizar uma façanha mortífera, com seriíssimas consequências políticas?
Por último, as pesquisas de opinião revelam uma considerável queda da popularidade do presidente americano, que, após um momento inicial de aprovação, em torno dos 70%, caiu para pouco mais de 49% de opiniões favoráveis e 44% de desfavoráveis, na média das últimas pesquisas. A divisão de opiniões é, portanto, clara.
Diante dos avanços e de tantos riscos, é difícil prognosticar não só qual seria o horizonte de longo prazo, como o quadro que estará diante de nós ao fim do segundo ano de mandato do presidente Obama.
Boris Fausto, historiador, presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Conjuntura Internacional (Gacint-USP), é autor, entre outros livros, de História do Brasil (Edusp)
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