sábado, novembro 28, 2009

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
Por que a escola precisa ensinar cidadania
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

Alunos nas escolas britânicas aprenderão uma nova lição: não bater em mulheres e meninas. Por ano, na Grã-Bretanha, 1 milhão de mulheres sofrem ao menos um episódio de violência doméstica, e 750 mil crianças são testemunhas. A aula estará no currículo obrigatório para crianças a partir de 5 anos. Formar os valores do indivíduo, dar noções de cidadania... é papel da escola ou da família?

Do jeito como as coisas andam, por mais que eu defenda a soberania individual, sou a favor de aulas de cidadania. É um terreno pantanoso. Não se fala aqui da antiga aula de moral e cívica, de assustadora lembrança. Mas de noções de convívio pacífico, não discriminação racial ou sexual, respeito ao meio ambiente, ao vizinho e aos idosos, e alertas para o abuso de álcool, drogas, armas, e contra a violência em casa, no trânsito, na rua, na sala de aula.

Não deveria ser papel dos pais? Ao atribuir à escola parte da responsabilidade pela formação do cidadão, não estaríamos passando atestado da falência da família? Não são os pais que devem ensinar o certo e o errado, de acordo com seus princípios morais e éticos? Teoricamente, sim. Mas, como pais, cumprimos nosso papel? A família moderna – em que pais e mães trabalham dez horas por dia e dedicam pouco tempo aos filhos, ou se divorciam numa velocidade maior do que se casam – é autossuficiente para formar cidadãos responsáveis? A sociedade tem contribuído positivamente para mostrar à criança a fronteira da liberdade que não incomoda o outro? Quando se fala em defesa da cidadania, logo se pensa em sair às ruas e exigir nossos direitos. E os deveres de cada um? Quem é o guardião – precisamos de guardiães?

Uma tragédia ocorrida em Belo Horizonte na quinta-feira demonstra a impotência de famílias que não sabem a quem apelar quando os filhos se viciam e se tornam agressivos. Bruno Guimarães, de 29 anos, que já havia sido internado seis vezes para desintoxicação, foi morto com 12 tiros por três PMs em sua própria casa. Quem chamou a polícia foi o pai. Bruno e amigos consumiam crack e cocaína. Os PMs arrombaram o quarto, e o rapaz atacou um PM com uma faca. Balas de borracha não surtiram efeito, e o PM descontrolado disparou 12 tiros com uma pistola 40. Doze tiros! Fica claro para os pais que chamar a PM para conter um filho drogado não é opção. Não é desse tipo de “guardião” que as famílias precisam.

Teoricamente, caberia aos pais educar seus filhos.
Mas ninguém pode dar conta dessa tarefa sozinho

Podemos criar uma sociedade menos violenta? Dois estudos divulgados na terça-feira, em São Paulo, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelaram que 55% dos jovens dizem ter visto corpos de pessoas assassinadas no último ano. Sabemos que não são as famílias sozinhas, ou as escolas – sem condições de ensinar direito nem português e matemática –, que darão jeito nisso. Falta um foco obsessivo do Estado na educação ampla e irrestrita.

Até que ponto escolas e famílias podem criar uma parceria saudável? Na Grã-Bretanha, pais reagiram ao curso contra a violência doméstica. Uma mãe disse que o governo deveria se concentrar em ensinar as crianças a ler e escrever, e parar de interferir em como os pais criam seus filhos. O primeiro-ministro inglês, Gordon Brown, disse que “a violência contra mulheres e meninas é uma obscenidade, por isso as escolas tentarão mudar atitudes enraizadas desde a infância”.

Na América Latina, é pior. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) mostrou que a violência do parceiro atinge 40% das mulheres: “De pancadas a ameaças de morte, acompanhadas por forte violência psicológica e às vezes também sexual”.

Até que ponto o Estado ajuda ou prejudica? É contribuição ou intromissão? Complicado. Sou favorável à Lei Seca, à proibição do fumo em lugares fechados, à adoção de uma educação ambiental desde cedo. Sou totalmente contra apostilas e livros com viés ideológico, que santificam ou demonizam personagens históricos para fazer a cabeça da criançada. Também acho abuso injustificável usar escolas laicas para pregações religiosas.

Mas acredito que a criação de uma cultura cidadã é responsabilidade de todos. Pais, escolas, Estado.

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