Fiascos externos
O GLOBO - 28/11/09
A semana foi de fiascos para a política externa. Foi quebrada uma regra diplomática básica na resposta à carta do presidente americano, Barack Obama. A cúpula Amazônica com o presidente francês fracassou.
O presidente Ahmadinejad recebeu aval ao seu programa nuclear, quando a Agência de Energia Atômica aprovou um voto contra o Irã pelos indícios de que o programa não é pacífico.
Quando um chefe de Estado escreve carta a outro, a resposta não pode ser dada por uma pessoa de terceiro escalão. Elementar.
Marco Aurélio Garcia, o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, respondeu em público à carta de Barack Obama e ainda dizendo desaforos.
Um espanto. Esse tipo de grosseria só se faz em diplomacia quando, deliberadamente, se quer demonstrar desprezo ao outro. Não há razão alguma para fazer isso com o missivista, mesmo que dele se discorde.
— O Barão de Rio Branco deve estar se revirando no túmulo pela quebra das boas tradições diplomáticas e pela crescente influência partidária e ideológica no Itamaraty — disse o exembaixador nos Estados Unidos Rubens Barbosa ao b l o g ( w w w. m i r i a m l e i tao.com.br).
Descortesia tem hora na diplomacia. Ela precisa significar alguma coisa. No caso das críticas feitas pelo secretário Marco Aurélio ao conteúdo da carta do presidente Barack Obama, foi apenas mais um ato desastrado dos muitos cometidos nos últimos anos de diplomacia improvisada. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, tentou reduzir o estrago no dia seguinte recolocando a questão em termos um pouco diferentes. Valeu o esforço, mas esse tipo de erro já virou rotina no governo Lula, que convive há sete anos com essa distorção de um secretário internacional que se comporta como se fosse ele o ministro.
A visita do presidente do Irã provocou grande controvérsia, porque ele é uma pessoa que suscita esse tipo de reação extremada, mas é natural que o Brasil receba visitas de chefes de Estado de países com os quais mantém relação.
Quando a figura é um Ahmadinejad, tudo tem que ser bem pesado e medido para não parecer que ele recebe aval justamente naquilo que o mundo combate.
O programa nuclear do Irã está sob suspeição de autoridades internacionais, porque são inúmeros os indícios de que ele não é pacífico.
As instalações subterrâneas em Qom, que o país construiu escondido e que foram descobertas em setembro, podem estar sendo usadas para fazer urânio altamente enriquecido. A partir de um determinado nível de enriquecimento, o urânio não é para fins pacíficos e sim para a construção de armas nucleares.
Com tudo tão obscuro e ainda sob investigação, o presidente Lula deveria ter evitado o tema. Foi uma imposição do visitante? Se foi, fica comprovado que o Brasil foi usado para o propósito dele. Foi a troca pelo apoio do Irã à cadeira o conselho de segurança da ONU? Se for isso, é um tiro pela culatra, porque mostra a ingenuidade do Brasil e não sua capacidade de conviver com contrários, como se queria demonstrar. O final de qualquer dúvida vem com a resolução da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) condenando, com os votos da Rússia e China, o programa que Lula endossou. E o Brasil se absteve na votação! Não se entra no Conselho de Segurança sendo ambíguo na questão nuclear.
A cúpula Amazônica com o presidente francês, tão próximo de Copenhague, foi uma boa ideia, mas alguma coisa deu muito errado na execução. Numa Manaus enfumaçada por queimadas na floresta, três presidentes esperaram os outros que desmarcaram na última hora. Foram tantos os ausentes, que não se pode imaginar que tenha sido coincidência. Deve ser a primeira vez, em anos, em que Álvaro Uribe e Hugo Chávez fazem o mesmo gesto.
O caso de Honduras é mais complicado. O Brasil tem defendido uma causa nobre da forma errada. Numa região que foi assolada por golpes de Estado, o Brasil está do lado certo condenando o governo Roberto Micheletti e chamando de golpe o que nunca teve mesmo outro nome. Mas o presidente deposto Manuel Zelaya também cometeu seus erros ao investir contra as regras constitucionais e os poderes hondurenhos.
Isso não legitima o que foi feito, mas deveria ajudar o Brasil a relativizar o apoio absoluto dado a um político que, claramente, divide o país e que usou a embaixada brasileira em Honduras como comitê político num claro abuso do refúgio dado a ele.
Zelaya não é a encarnação da democracia hondurenha.
Ele é o presidente eleito, num mandato que já está chegando ao fim, de um país que se encaminha para uma eleição. O mais sensato seria ajudar Honduras a sair do impasse, e não ser parte do impasse. A eleição de domingo pode ou não ser essa saída. O que os países amigos e instituições internacionais deveriam fazer é ajudar a fiscalizar a eleição para garantir um processo legítimo e democrático; e depois fazer um esforço diplomático para um governo de reconciliação que anistie Zelaya para que ele saia da embaixada brasileira e tenha uma vida normal.
A intransigência do Brasil virou ofensa aos Estados Unidos com a acusação de que o governo americano está defendendo “golpe preventivo”.
O Brasil pediu o adiamento das eleições há duas semanas do pleito, e os Estados Unidos não concordaram. O governo Barack Obama nunca fez a defesa do golpismo em Honduras. De novo, uma agressão intempestiva.
Rio Branco deve estar se revirando mesmo. Nada do que a diplomacia brasileira tem feito nos últimos anos — improvisos, quebras de protocolo e decisões ideológicas — faz parte da tradição do Itamaraty.
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