EDITORIAL
O Estado de S. Paulo - 19/05/2009 |
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China foi esvaziada antes de seu desembarque em Pequim. Inicialmente planejada para durar cinco dias, foi reduzida para três. Como visita de Estado, seu valor é sobretudo simbólico, mas o governo brasileiro ambicionava, até há poucos dias, apresentar resultados mais vistosos, principalmente na área econômica. A ambição foi rebaixada, embora o Itamaraty não o reconheça. Um seminário empresarial em Shenzen, no Sul do país, foi cancelado. Outro, em Cantão, nem foi organizado. Um evento previsto para Xangai perdeu boa parte do atrativo, quando o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, cancelaram sua participação na comitiva presidencial. Tanto nas pretensões iniciais quanto na redução das ambições o governo mostrou suas deficiências de avaliação diplomática. A alteração dos planos começou com uma decepção do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. Numa viagem destinada a preparar a visita de Lula, ele tentou, e não conseguiu, uma audiência com o presidente Hu Jintao, embora o presidente brasileiro tivesse recebido, em janeiro, o chanceler chinês, Yang Jiechi. Em fevereiro Hu Jintao havia conversado com a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. As duas visitas, a da secretária americana - a primeira depois da mudança de governo - e a do ministro brasileiro obviamente tinham significados distintos, mas o chanceler Amorim não parece ter levado esse detalhe em conta, assim como não parece ter considerado, noutras ocasiões, as prioridades estratégicas do governo chinês. Na escala de prioridades de Pequim, Washington ocupa uma posição mais importante que Brasília. Isso não deveria ser uma surpresa, exceto para quem considera a China uma parceira estratégica do Brasil. Que a China seja um mercado importante não se discute. Neste ano, esse país se tornou a principal fonte de receita comercial do Brasil, porque a economia chinesa continuou a crescer e a demandar enorme volume de produtos básicos, enquanto outros mercados encolheram, afetados pela recessão. O aumento das exportações para a China, concentradas em matérias-primas e bens intermediários, vinha ocorrendo desde os anos 90. Essa tendência poderia manter-se - e provavelmente se manterá - nos próximos anos, mesmo sem intervenção do governo brasileiro. Pode haver dificuldades no comércio de um ou de outro produto, como carne de porco, mas problemas dessa ordem não se resolvem com visitas presidenciais. O governo brasileiro poderia obter resultados muito melhores em termos de diversificação das exportações brasileiras, apoiando a promoção dos produtos nacionais e colaborando com o setor privado na organização de missões empresariais. A viagem de Lula poderia servir a esse propósito, como indicou, numa entrevista ao Estado, o secretário-geral do Conselho Empresarial Brasil-China, Rodrigo Maciel. Mas o prosaico raciocínio comercial, pautado por interesses econômicos concretos, deve ser pouco estimulante para os estrategistas diplomáticos de Brasília. A visita resultará, sem dúvida, na assinatura de um ou mais documentos com uma lista de ambiciosos objetivos de longo prazo. Mas a conquista desses objetivos dependerá, obviamente, das prioridades chinesas, como tem dependido até agora. A China tem destinado grandes investimentos à África e a alguns países da América do Sul, mas praticamente nada ao Brasil, apesar das intenções anunciadas em contatos oficiais. Se a China conceder os financiamentos pretendidos pela Petrobrás, será em nome de interesses muito bem definidos. A proposta da Petrobrás, anunciada há tempos, consiste em garantir o abastecimento de petróleo, a longo prazo, em troca de recursos para custear seus planos. Conversas desse tipo os chineses entendem e levam a sério - e com isso atendem a seus interesses nacionais. Errado estaria o governo de Pequim se se deixasse levar por fantasias. Os entendimentos da estatal brasileira com o governo chinês, a respeito do tema, independem da intervenção de Lula. Os dirigentes da Petrobrás e seus interlocutores chineses são capazes de falar a mesma língua - a dos interesses concretos. Se os estrategistas do Planalto fossem capazes de aprendê-la, a diplomacia brasileira seria muito menos propensa a tolices. |
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