O GLOBO - 04/02
O título deste artigo vem de um livro do teólogo canadense D.A. Carson, e pode parecer paradoxal à primeira vista. Afinal, como pode haver tolerantes intolerantes? Após uma reflexão, porém, a ideia fica mais clara. Há um grupo cada vez maior de pessoas que, em nome da tolerância, demonstra incrível intolerância com aqueles de quem divergem. Carson argumenta que a “nova” tolerância representa uma forma peculiar de intolerância. Antes, tolerar era aceitar a existência de pontos de vista diferentes, conviver com eles, ainda que os combatendo.
Talvez o melhor exemplo dessa tradição seja a frase atribuída a Voltaire, que teria dito para Rousseau: “Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-lo.” Vale notar que Voltaire considerava Rousseau um “poço de vileza”. Isso é importante, pois o ato de tolerar era nobre justamente porque o filósofo rejeitava claramente o pensamento e até a pessoa a quem estendia sua tolerância. Tolerar era aceitar as diferenças, não abraçá-las como nobres em si.
Hoje, significa aceitar os diferentes pontos de vista como se fossem igualmente válidos, uma mudança que parece sutil, mas tem grandes consequências práticas. Agora, o “tolerante” precisa tomar qualquer opinião como verdadeira. Em vez de aceitar a liberdade de expressão de opiniões contrárias, ele deve acatar todas essas opiniões.
Essa mudança de paradigma dentro do próprio Ocidente vem pavimentando a estrada da possível destruição de seus principais valores, assim como a cultura ocidental como a conhecemos. Não precisamos apenas tolerar as ideias islâmicas, por exemplo, com o direito até mesmo de combatê-las; devemos abraçá-las como igualmente válidas, ou “apenas diferentes” das próprias ideias que fundaram a cultura de liberdade ocidental.
Thomas Sowell diz que há poucos mais dogmáticos do que aqueles que falam em diversidade o tempo todo. Com ironia, manda perguntar, da próxima vez que escutar um “progressista” enaltecendo a importância da diversidade, quantos conservadores existem no departamento de sociologia de sua faculdade.
Na verdade, os movimentos sociais de “minorias” costumam demonstrar bastante intolerância com certos grupos, como o de liberais e conservadores, principalmente os religiosos. A tolerância dos “tolerantes” é bem seletiva e limitada, na prática. Podem demonizar as elites, o homem branco ocidental, os ricos, os católicos, os “neoliberais”, e ainda conseguem posar de defensores da diversidade e da tolerância depois. Incoerente, não?
Algumas feministas destilam verdadeiro ódio aos homens e às mulheres que se recusam a aderir ao discurso de vitimização do “sexo oprimido”. Veganos não toleram aqueles que pensam que animais podem e devem servir de alimento ao homem. Racialistas chamam de traidores, com baba de ódio escorrendo pelo canto da boca, aqueles negros que se recusam a aplaudir a segregação da humanidade com base na “raça”. Membros do movimento gay demandam mais tolerância, ao mesmo tempo em que repudiam com veemência aqueles que simplesmente não gostam ou não querem perto de si homossexuais. Onde está a verdadeira intolerância? Todos são obrigados a achar “lindo” o amor entre dois homens? Se fosse para usar o conceito tradicional de tolerância, esses que não gostam ou sentem aversão (e não fobia) a gays teriam, sem dúvida, que aceitá-los e manter o devido respeito como seres humanos que são. Mas é só. Tolerar não deve ser sinônimo de gostar, aprovar, aplaudir ou mesmo conviver. Discriminar é separar, selecionar, e todos devem ser livres para escolher com quem querem compartilhar seus momentos.
Quem se coloca contra todo tipo de discriminação ou preconceito é, no fundo, hipócrita. Bastaria uma reflexão rápida e honesta para constatar que ele também discrimina e tem sua cota de preconceitos. Talvez, contra liberais que escrevem neste jornal. Talvez, contra um pastor evangélico. Talvez, contra um capitalista burguês que gosta de Miami.
Enquanto as escolhas forem voluntárias e a segregação for pacífica, a tolerância está sendo praticada. Eu, que abomino o socialismo, pois sacrificou a vida de milhões de inocentes (inclusive os gays) no altar da utopia, tolero socialistas. Mas pretendo continuar combatendo esta ideologia nefasta no campo das ideias, e selecionando minhas próprias amizades, que englobam gays, por exemplo, mas não petistas.
Intolerância? Não. Apenas minha liberdade de escolha. Esta que tantos “tolerantes” detestam, pois gostariam de impor sua visão de mundo estreita e uniforme.
terça-feira, fevereiro 04, 2014
As mazelas do populismo no setor elétrico - ADRIANO PIRES
O Estado de S.Paulo - 04/02
A falta de chuvas e as altas temperaturas deste verão podem causar, e na realidade já estão causando, grandes transtornos à população brasileira: os apaguinhos de energia elétrica, que poderão se transformar em apagões; a escassez de água nas cidades (a Sabesp anunciou descontos de 30% para quem economizar água); e graves problemas em projetos de irrigação de água pelo Brasil afora.
É lógico que ninguém pode culpar o governo, e muito menos a presidente, pelo péssimo regime pluviométrico nem tampouco pelo calor acima das médias históricas. A culpa do governo está no fato de não estabelecer um planejamento ou uma política para o setor elétrico em conformidade com a natureza climática do País e por não levar em conta a expansão do consumo de energia elétrica ocorrido com o advento de novos consumidores, que passaram a adquirir bens de consumo como ares-condicionados, por exemplo. Todos sabemos que o País depende muito da água para gerar energia elétrica e que no verão o consumo cresce por causa das altas temperaturas.
Mas, dada essa realidade climática brasileira, o que o governo promoveu de política energética nos últimos anos? Em setembro de 2012, para agradar ao consumidor e ajudar no controle da inflação, o governo publicou a MP 579, que obrigava as empresas geradoras de energia, bem como as transmissoras, a reduzir as tarifas, caso quisessem renovar suas concessões. Com a redução das tarifas de modo populista, sem nenhuma discussão com as empresas ou com os demais agentes do setor, o governo incentivou o consumo de energia elétrica sem que em nenhum momento tenha proposto um plano de consumo eficiente.
Da mesma forma que ocorreu com a gasolina, cuja importação aumentou 490% de 2010 a 2013, o consumo de energia cresceu turbinado pelo incentivo de crédito, neste caso para a aquisição de produtos da linha branca, e as usinas térmicas, mais caras que as hidrelétricas, passaram a operar todo o tempo. Mas como conciliar energia mais cara e, ao mesmo tempo, garantir a promessa da presidente de tarifas baratas? Aí entra o dinheiro do Tesouro Nacional, ou melhor, o nosso dinheiro, do contribuinte. Em 2013 o Tesouro colocou algo em trono de R$ 10 bilhões para garantir a promessa da presidente. Ou seja, Dilma Rousseff achou que podia revogar a lei da oferta e demanda no setor elétrico brasileiro.
Para azar do governo, no final de 2013 e início de 2014 a situação dos reservatórios das hidrelétricas continuou ruim e há uma forte onda de calor que está provocando recordes no consumo de energia elétrica. Sem sinal tarifário e sem um programa de uso eficiente de energia, a situação só piora, expondo a população ao desconforto dos apaguinhos e da escassez de água potável. Também o Tesouro, obrigatoriamente, terá de arcar com mais custos para manter a promessa da presidente até as eleições e evitar a quebradeira das distribuidoras de energia elétrica. Agora, além de arcar com a conta das térmicas, o Tesouro terá de ajudar as distribuidoras a pagar o preço do mercado livre, que atingiu o recorde de mais de R$ 800/MWh. Também por barbeiragem do governo, as distribuidoras estão descontratadas em quase 4 mil MW, já que os geradores não venderam energia nos leilões porque, mais uma vez, o governo fixou preços que trazem embutidas taxas de retorno patrióticas. Mais uma vez o mercado puniu e mandou a conta.
O governo precisa voltar a planejar, com P maiúsculo, respeitar as regras de mercado e ser menos intervencionista com espírito populista. O Brasil é um país rico em energia, dada a grande diversidade de fontes energéticas. É preciso promover leilões por fontes de energia e regionais, para que possamos absorver melhor a vantagem que a natureza nos deu. Também é urgente criar um grande programa de uso eficiente de energia, como tem sido feito nos últimos anos nos EUA. Não faz sentido, por exemplo, o País continuar fabricando chuveiros elétricos e deixar de fazer cogeração com o gás natural nos grandes centros urbanos.
A falta de chuvas e as altas temperaturas deste verão podem causar, e na realidade já estão causando, grandes transtornos à população brasileira: os apaguinhos de energia elétrica, que poderão se transformar em apagões; a escassez de água nas cidades (a Sabesp anunciou descontos de 30% para quem economizar água); e graves problemas em projetos de irrigação de água pelo Brasil afora.
É lógico que ninguém pode culpar o governo, e muito menos a presidente, pelo péssimo regime pluviométrico nem tampouco pelo calor acima das médias históricas. A culpa do governo está no fato de não estabelecer um planejamento ou uma política para o setor elétrico em conformidade com a natureza climática do País e por não levar em conta a expansão do consumo de energia elétrica ocorrido com o advento de novos consumidores, que passaram a adquirir bens de consumo como ares-condicionados, por exemplo. Todos sabemos que o País depende muito da água para gerar energia elétrica e que no verão o consumo cresce por causa das altas temperaturas.
Mas, dada essa realidade climática brasileira, o que o governo promoveu de política energética nos últimos anos? Em setembro de 2012, para agradar ao consumidor e ajudar no controle da inflação, o governo publicou a MP 579, que obrigava as empresas geradoras de energia, bem como as transmissoras, a reduzir as tarifas, caso quisessem renovar suas concessões. Com a redução das tarifas de modo populista, sem nenhuma discussão com as empresas ou com os demais agentes do setor, o governo incentivou o consumo de energia elétrica sem que em nenhum momento tenha proposto um plano de consumo eficiente.
Da mesma forma que ocorreu com a gasolina, cuja importação aumentou 490% de 2010 a 2013, o consumo de energia cresceu turbinado pelo incentivo de crédito, neste caso para a aquisição de produtos da linha branca, e as usinas térmicas, mais caras que as hidrelétricas, passaram a operar todo o tempo. Mas como conciliar energia mais cara e, ao mesmo tempo, garantir a promessa da presidente de tarifas baratas? Aí entra o dinheiro do Tesouro Nacional, ou melhor, o nosso dinheiro, do contribuinte. Em 2013 o Tesouro colocou algo em trono de R$ 10 bilhões para garantir a promessa da presidente. Ou seja, Dilma Rousseff achou que podia revogar a lei da oferta e demanda no setor elétrico brasileiro.
Para azar do governo, no final de 2013 e início de 2014 a situação dos reservatórios das hidrelétricas continuou ruim e há uma forte onda de calor que está provocando recordes no consumo de energia elétrica. Sem sinal tarifário e sem um programa de uso eficiente de energia, a situação só piora, expondo a população ao desconforto dos apaguinhos e da escassez de água potável. Também o Tesouro, obrigatoriamente, terá de arcar com mais custos para manter a promessa da presidente até as eleições e evitar a quebradeira das distribuidoras de energia elétrica. Agora, além de arcar com a conta das térmicas, o Tesouro terá de ajudar as distribuidoras a pagar o preço do mercado livre, que atingiu o recorde de mais de R$ 800/MWh. Também por barbeiragem do governo, as distribuidoras estão descontratadas em quase 4 mil MW, já que os geradores não venderam energia nos leilões porque, mais uma vez, o governo fixou preços que trazem embutidas taxas de retorno patrióticas. Mais uma vez o mercado puniu e mandou a conta.
O governo precisa voltar a planejar, com P maiúsculo, respeitar as regras de mercado e ser menos intervencionista com espírito populista. O Brasil é um país rico em energia, dada a grande diversidade de fontes energéticas. É preciso promover leilões por fontes de energia e regionais, para que possamos absorver melhor a vantagem que a natureza nos deu. Também é urgente criar um grande programa de uso eficiente de energia, como tem sido feito nos últimos anos nos EUA. Não faz sentido, por exemplo, o País continuar fabricando chuveiros elétricos e deixar de fazer cogeração com o gás natural nos grandes centros urbanos.
Um duelo pernambucano - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 04/02
Lula vê em Campos ameaça à hegemonia do PT. Para desidratá-lo, constrói a candidatura local de um herdeiro da aristocracia nordestina que confrontou nos últimos 25 anos
Começou a temporada de caça a votos.
Hoje, em Brasília, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e a provável vice, Marina Silva (Rede), dão impulso à sua campanha com um esboço de ideias para “fazer mais, com menos e em menos tempo” na educação básica, na política ambiental, na forma de organização do governo e de intervenção estatal na economia.
Na próxima segunda-feira (10) o Partido dos Trabalhadores festeja 34 anos de existência, dos quais 12 no centro do poder. Será vez de o ex-presidente Lula apresentar as razões pelas quais, ele acha, a presidente Dilma Rousseff deveria ser premiada com um novo mandato.
Na sequência, ainda sem data, o ex-governador de Minas Gerais e senador Aécio Neves (PSDB) desfila suas propostas de mudanças.
Essa disputa contém um inédito tempero pernambucano — o duelo entre Lula e Campos.
Aos 68 anos, o ex-presidente resolveu dar um tom pessoal ao embate naquela ponta geográfica do país. “Vou morar em Pernambuco”, tem repetido, em tom típico de quem se sente ofendido ou lesado pelo governador, figurante do seu ministério por 18 meses (2004 a 2005).
Nascido em Caetés, a 250 quilômetros do Recife, Lula escolheu seu estado como vitrine do reformismo social e econômico do Nordeste. Ali, programas de Previdência e Bolsa Família praticamente aniquilaram a intermediação do coronelismo na assistência aos pobres.
Numa etapa de bonança econômica, uniu-se a Campos e retomaram o projeto portuário-industrial de Suape, iniciado pelos liberais pernambucanos em meados dos anos 70. Programaram investimentos de US$ 30 bilhões em refinaria e estaleiro ao longo de duas décadas, confirmando uma constatação do economista Alberto Hirschman: o Nordeste só ganhou relevo no mapa do poder republicano depois de grande seca ou quando um nativo ocupou área-chave do governo central.
Com pouco menos de um terço do eleitorado nacional, a região se tornou vital à hegemonia do PT. Garantiu a Lula a reeleição (76,6% dos votos) e o favoreceu na sucessão, com Dilma (70,5%). Pernambuco deu votação recorde ao lulismo tanto em 2006 (78,5%) quanto em 2010 (75,6%).
Campos, nascido no Recife, se elegeu com votação menor (65,3%). Surpreendido pelas urnas, recrutou equipe no Tribunal de Contas e se dedicou à consolidação do partido herdado do avô, Miguel Arraes, sertanejo casmurro e habilidoso na pregação da justiça social. Tornou-se líder entre governadores em aprovação na base local.
Lula vê em Campos mais do que ameaça à chance de reeleição de Dilma, esteja na liderança ou em aliança com o PSDB. Enxerga uma rebelião no território onde o PT definiu sua hegemonia. Com agravante: a candidatura do governador pernambucano se tornou estuário para os potes de mágoas dos derrotados nas lutas fraticidas do petismo nordestino, como constatou o presidente do PT, Rui Falcão, nos últimos 15 dias.
Para desidratá-lo, Lula constrói algo até então inimaginável para muitos: a candidatura ao governo estadual de Armando Queiroz Monteiro Neto, de 62 anos, senador, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, herdeiro de fortuna assentada na banca e em usinas de açúcar — síntese da aristocracia nordestina que Lula transformou em alvo constante nas campanhas pelo sertão nos últimos 25 anos.
Lula vê em Campos ameaça à hegemonia do PT. Para desidratá-lo, constrói a candidatura local de um herdeiro da aristocracia nordestina que confrontou nos últimos 25 anos
Começou a temporada de caça a votos.
Hoje, em Brasília, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), e a provável vice, Marina Silva (Rede), dão impulso à sua campanha com um esboço de ideias para “fazer mais, com menos e em menos tempo” na educação básica, na política ambiental, na forma de organização do governo e de intervenção estatal na economia.
Na próxima segunda-feira (10) o Partido dos Trabalhadores festeja 34 anos de existência, dos quais 12 no centro do poder. Será vez de o ex-presidente Lula apresentar as razões pelas quais, ele acha, a presidente Dilma Rousseff deveria ser premiada com um novo mandato.
Na sequência, ainda sem data, o ex-governador de Minas Gerais e senador Aécio Neves (PSDB) desfila suas propostas de mudanças.
Essa disputa contém um inédito tempero pernambucano — o duelo entre Lula e Campos.
Aos 68 anos, o ex-presidente resolveu dar um tom pessoal ao embate naquela ponta geográfica do país. “Vou morar em Pernambuco”, tem repetido, em tom típico de quem se sente ofendido ou lesado pelo governador, figurante do seu ministério por 18 meses (2004 a 2005).
Nascido em Caetés, a 250 quilômetros do Recife, Lula escolheu seu estado como vitrine do reformismo social e econômico do Nordeste. Ali, programas de Previdência e Bolsa Família praticamente aniquilaram a intermediação do coronelismo na assistência aos pobres.
Numa etapa de bonança econômica, uniu-se a Campos e retomaram o projeto portuário-industrial de Suape, iniciado pelos liberais pernambucanos em meados dos anos 70. Programaram investimentos de US$ 30 bilhões em refinaria e estaleiro ao longo de duas décadas, confirmando uma constatação do economista Alberto Hirschman: o Nordeste só ganhou relevo no mapa do poder republicano depois de grande seca ou quando um nativo ocupou área-chave do governo central.
Com pouco menos de um terço do eleitorado nacional, a região se tornou vital à hegemonia do PT. Garantiu a Lula a reeleição (76,6% dos votos) e o favoreceu na sucessão, com Dilma (70,5%). Pernambuco deu votação recorde ao lulismo tanto em 2006 (78,5%) quanto em 2010 (75,6%).
Campos, nascido no Recife, se elegeu com votação menor (65,3%). Surpreendido pelas urnas, recrutou equipe no Tribunal de Contas e se dedicou à consolidação do partido herdado do avô, Miguel Arraes, sertanejo casmurro e habilidoso na pregação da justiça social. Tornou-se líder entre governadores em aprovação na base local.
Lula vê em Campos mais do que ameaça à chance de reeleição de Dilma, esteja na liderança ou em aliança com o PSDB. Enxerga uma rebelião no território onde o PT definiu sua hegemonia. Com agravante: a candidatura do governador pernambucano se tornou estuário para os potes de mágoas dos derrotados nas lutas fraticidas do petismo nordestino, como constatou o presidente do PT, Rui Falcão, nos últimos 15 dias.
Para desidratá-lo, Lula constrói algo até então inimaginável para muitos: a candidatura ao governo estadual de Armando Queiroz Monteiro Neto, de 62 anos, senador, ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, herdeiro de fortuna assentada na banca e em usinas de açúcar — síntese da aristocracia nordestina que Lula transformou em alvo constante nas campanhas pelo sertão nos últimos 25 anos.
Alma do negócio - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 04/02
Carlos Alberto Parreira, o coordenador técnico da seleção brasileira de futebol, até onde a vista alcança não é um agente a serviço do negativismo oposicionista.
É um profissional respeitado, um homem de modos e temperamento comedidos, de experiência incontestável. De onde há que se prestar atenção ao que ele diz sobre a Copa do Mundo de 2014, sem imputar-lhe outra intenção que não a da constatação pura e simples de uma realidade cristalina.
Parreira falou dia desses à rádio CBN sobre o que qualificou como "descaso total" em relação às obras de infraestrutura para o Mundial. Criticou o menosprezo ao planejamento, aos prazos, lembrou que o Brasil teve tempo suficiente para se preparar (desde 2007) e não o fez e, por fim, concluiu: "Perdemos a oportunidade de mostrar um Brasil diferente".
Não falava só de estádios. Aliás, nem abordava em detalhes esse assunto. Não entrava no mérito de quantos estariam prontos e testados a tempo, não discutia gastos nem fazia comparações de quanto dinheiro poderia ser investido nisso ou naquilo.
Referia-se ao mínimo: "Precisamos de aeroportos, de segurança, de conforto". Em condições razoáveis isso aqui não há. Nem para os locais nem para os que virão assistir aos jogos. Nada indica que até junho - daqui a cinco meses - haverá nas cidades tudo o que até agora não houve.
A rigor, não precisaria Carlos Alberto Parreira dizer, pois nesse cenário todos convivemos. Mas, é sempre bom quando uma voz moderada (e abalizada) aponta o óbvio a fim de que não acabemos convencidos de que nossos temores sejam fruto de um alistamento ao exército de soldados da guerra psicológica travada por trás de qualquer crítica.
Ninguém está dizendo que não haverá Copa muito menos torcendo para que seja tudo um fiasco. Apenas, nesse momento em que o governo se prepara para lançar uma megacampanha publicitária para fazer frente aos questionamentos sobre gastos e atrasos nos preparativos, é de se perguntar se a propaganda seria a arma mais eficaz.
É a ferramenta predileta do Planalto, sem dúvida. Em junho do ano passado, por exemplo, assim que os protestos encorparam, a presidente Dilma Rousseff foi para São Paulo se reunir com o antecessor Lula da Silva e com o jornalista João Santana para discutir uma estratégia de reação.
Lula é bamba na política e Santana um ás no marketing. Como se vê agora pela preocupação com os sinais da volta das manifestações, tais atributos não deram conta do recado.
Claro, pois faltou ouvir o que estavam dizendo as pessoas. Não queriam política habilidosa nem propaganda maravilhosa, mas serviços eficientes. Receberam meia dúzia de promessas desconexas e ficou tudo por isso mesmo.
De novo o Planalto recorre ao estratagema publicitário. A comunicação é de suma importância. Indispensável para seu êxito, no entanto, é a qualidade do produto.
Trazer a Copa e as Olimpíadas para o Brasil proporcionou uma alta exposição positiva ao governo Lula. Os dois lances se incorporaram ao patrimônio que ajudou a eleger Dilma em 2010.
Mesmo o governo não tendo se mexido para a Copa desde a escolha do Brasil até então, o eleitorado não reclamou. Antes, confiou. O governo é que não deveria ter atuado na base do "na hora tudo se ajeita". Está feito.
A Copa sairá de qualquer maneira. Mas o governo federal e os governos estaduais (inclusive os comandados por partidos de oposição a Dilma) não poderão espetar eventuais prejuízos na conta dos incidentes. Nem esperar que a campanha publicitária corrija os problemas da realidade.
A melhor propaganda para a Copa de 2014 teria o planejamento correto e a execução dos compromissos assumidos.
Carlos Alberto Parreira, o coordenador técnico da seleção brasileira de futebol, até onde a vista alcança não é um agente a serviço do negativismo oposicionista.
É um profissional respeitado, um homem de modos e temperamento comedidos, de experiência incontestável. De onde há que se prestar atenção ao que ele diz sobre a Copa do Mundo de 2014, sem imputar-lhe outra intenção que não a da constatação pura e simples de uma realidade cristalina.
Parreira falou dia desses à rádio CBN sobre o que qualificou como "descaso total" em relação às obras de infraestrutura para o Mundial. Criticou o menosprezo ao planejamento, aos prazos, lembrou que o Brasil teve tempo suficiente para se preparar (desde 2007) e não o fez e, por fim, concluiu: "Perdemos a oportunidade de mostrar um Brasil diferente".
Não falava só de estádios. Aliás, nem abordava em detalhes esse assunto. Não entrava no mérito de quantos estariam prontos e testados a tempo, não discutia gastos nem fazia comparações de quanto dinheiro poderia ser investido nisso ou naquilo.
Referia-se ao mínimo: "Precisamos de aeroportos, de segurança, de conforto". Em condições razoáveis isso aqui não há. Nem para os locais nem para os que virão assistir aos jogos. Nada indica que até junho - daqui a cinco meses - haverá nas cidades tudo o que até agora não houve.
A rigor, não precisaria Carlos Alberto Parreira dizer, pois nesse cenário todos convivemos. Mas, é sempre bom quando uma voz moderada (e abalizada) aponta o óbvio a fim de que não acabemos convencidos de que nossos temores sejam fruto de um alistamento ao exército de soldados da guerra psicológica travada por trás de qualquer crítica.
Ninguém está dizendo que não haverá Copa muito menos torcendo para que seja tudo um fiasco. Apenas, nesse momento em que o governo se prepara para lançar uma megacampanha publicitária para fazer frente aos questionamentos sobre gastos e atrasos nos preparativos, é de se perguntar se a propaganda seria a arma mais eficaz.
É a ferramenta predileta do Planalto, sem dúvida. Em junho do ano passado, por exemplo, assim que os protestos encorparam, a presidente Dilma Rousseff foi para São Paulo se reunir com o antecessor Lula da Silva e com o jornalista João Santana para discutir uma estratégia de reação.
Lula é bamba na política e Santana um ás no marketing. Como se vê agora pela preocupação com os sinais da volta das manifestações, tais atributos não deram conta do recado.
Claro, pois faltou ouvir o que estavam dizendo as pessoas. Não queriam política habilidosa nem propaganda maravilhosa, mas serviços eficientes. Receberam meia dúzia de promessas desconexas e ficou tudo por isso mesmo.
De novo o Planalto recorre ao estratagema publicitário. A comunicação é de suma importância. Indispensável para seu êxito, no entanto, é a qualidade do produto.
Trazer a Copa e as Olimpíadas para o Brasil proporcionou uma alta exposição positiva ao governo Lula. Os dois lances se incorporaram ao patrimônio que ajudou a eleger Dilma em 2010.
Mesmo o governo não tendo se mexido para a Copa desde a escolha do Brasil até então, o eleitorado não reclamou. Antes, confiou. O governo é que não deveria ter atuado na base do "na hora tudo se ajeita". Está feito.
A Copa sairá de qualquer maneira. Mas o governo federal e os governos estaduais (inclusive os comandados por partidos de oposição a Dilma) não poderão espetar eventuais prejuízos na conta dos incidentes. Nem esperar que a campanha publicitária corrija os problemas da realidade.
A melhor propaganda para a Copa de 2014 teria o planejamento correto e a execução dos compromissos assumidos.
'Rolezinho' político - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 04/02
BRASÍLIA - O Brasil oficial só acorda mesmo depois que o Carnaval passa, mas já começou a espreguiçar ontem, com a reabertura do Judiciário e do Legislativo.
De manhã, Dilma aproveitou a posse dos novos ministros para mais um discurso de defesa de sua política econômica. Logo depois, veio a balança comercial: a pior em 20 anos.
À tarde, Henrique Alves e Renan Calheiros fizeram apaixonada defesa da Câmara e do Senado, depois da leitura longa e estéril da mensagem presidencial. Henrique desmentiu que o Congresso esteja "armando bombas" para explodir as contas públicas, e Renan entrou na onda: também há "rolezinhos" no Congresso, mas não políticos, só legislativos. (E, certamente, não de turminhas da periferia, mas da turma da pesada do centro do poder.)
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha passaram mais um dia de gato e rato. Desafiador, Cunha filou a boia dos militantes que acampam na frente do tribunal em favor dos réus (só dos petistas). Teimoso, Barbosa insiste em não assinar o encruado mandado de prisão do (ainda) deputado.
Mas a oposição também não tem o que comemorar: o ministro Marco Aurélio, relator do caso Siemens no STF, foi logo avisando, já no primeiro dia, que não vai manter sigilo desse processo, que pega os tucanos de jeito em São Paulo.
E esse foi o menor problema do governador Geraldo Alckmin quando o Brasil oficial começou a encarar 2014. Além do discurso do petista Alexandre Padilha sobre "heranças malditas", ao trocar a Saúde pela campanha paulista, Alckmin teve a notícia de que bandidos atacaram o carro em que estavam seu filho e sua neta no centro de São Paulo.
O drama é pessoal, e o risco, político. Enquanto flagelo de favelas e periferias, a violência é só estatística, mas, quando chega às áreas nobres e aos poderosos, ganha destaque. E atinge em cheio as reeleições.
BRASÍLIA - O Brasil oficial só acorda mesmo depois que o Carnaval passa, mas já começou a espreguiçar ontem, com a reabertura do Judiciário e do Legislativo.
De manhã, Dilma aproveitou a posse dos novos ministros para mais um discurso de defesa de sua política econômica. Logo depois, veio a balança comercial: a pior em 20 anos.
À tarde, Henrique Alves e Renan Calheiros fizeram apaixonada defesa da Câmara e do Senado, depois da leitura longa e estéril da mensagem presidencial. Henrique desmentiu que o Congresso esteja "armando bombas" para explodir as contas públicas, e Renan entrou na onda: também há "rolezinhos" no Congresso, mas não políticos, só legislativos. (E, certamente, não de turminhas da periferia, mas da turma da pesada do centro do poder.)
O presidente do STF, Joaquim Barbosa, e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha passaram mais um dia de gato e rato. Desafiador, Cunha filou a boia dos militantes que acampam na frente do tribunal em favor dos réus (só dos petistas). Teimoso, Barbosa insiste em não assinar o encruado mandado de prisão do (ainda) deputado.
Mas a oposição também não tem o que comemorar: o ministro Marco Aurélio, relator do caso Siemens no STF, foi logo avisando, já no primeiro dia, que não vai manter sigilo desse processo, que pega os tucanos de jeito em São Paulo.
E esse foi o menor problema do governador Geraldo Alckmin quando o Brasil oficial começou a encarar 2014. Além do discurso do petista Alexandre Padilha sobre "heranças malditas", ao trocar a Saúde pela campanha paulista, Alckmin teve a notícia de que bandidos atacaram o carro em que estavam seu filho e sua neta no centro de São Paulo.
O drama é pessoal, e o risco, político. Enquanto flagelo de favelas e periferias, a violência é só estatística, mas, quando chega às áreas nobres e aos poderosos, ganha destaque. E atinge em cheio as reeleições.
Rumo a 2018? - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 04/02
Ficar pelo menos 20 anos no poder tem sido o sonho de consumo dos partidos políticos brasileiros desde que PC Farias prognosticou que o governo Collor iniciaria uma saga dessa duração. Depois foi Serjão, o trator do PSDB, quem definiu que em 20 anos os tucanos transformariam a face do país, e fez-se a reeleição.
Rumo a 2018? Hoje, o PT está mais próximo do que jamais estiveram os outros partidos de cumprir essa sina, e não é à toa que já se anuncia que Lula estaria disposto a voltar a se candidatar em 2018, dando como favas contadas a reeleição da presidente Dilma este ano.
De todos os partidos que estiveram em proeminência na política brasileira depois da redemocratização, o PT é sem dúvida o que montou a máquina política mais eficiente do ponto de vista eleitoral, não de gestão pública, e vem trabalhando com competência para atingir seu objetivo, sem que entre nesse julgamento qualquer valor ético ou moral.
Caberá à presidente Dilma, por esses azares que só a política sabe montar, a consolidação do projeto petista, logo ela que não é uma petista de raiz e não conseguiu capturar a alma dos petistas.
Caso se reeleja, como indicam as pesquisas, e o PT vença os governos estaduais em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, estará aplainado o caminho para a afirmação da hegemonia petista por 20 anos ou mais.
Mais paradoxal ainda, Dilma poderá ser, por outro lado, a culpada pela interrupção da escalada no poder do PT, pois tem feito até o momento um governo mais que medíocre que abre às oposições, ampliadas pela defecção à esquerda do PSB de Eduardo Campos, a melhor chance dos últimos tempos de vencer as eleições de outubro.
De fato, embora Dilma continue sendo a favorita, nunca houve melhores condições objetivas e subjetivas de derrotar o PT, e certamente é por isso que tantas trapalhadas administrativas vêm acontecendo, transformando situações corriqueiras, como a necessidade de escalas técnicas em viagens internacionais, em crises políticas que a oposição vem explorando com o mesmo grau de intransigência que caracterizou a atuação petista na oposição.
As condições subjetivas estão nas ruas desde junho do ano passado, surpreendendo quem se considerava dono das manifestações populares.
As coisas estão muito tumultuadas no país hoje, com a incerteza tomando conta da percepção popular quer com relação à situação econômica, quer quanto à de segurança pública, e ambientes incertos quanto ao futuro não fazem bem aos governos.
Dizer que a oposição é tão fraca que não oferece perigo à hegemonia petista é simples jogo político, pois a situação não é tão fácil quanto querem que pareça. A oposição, não importa que candidato apresente, tem recebido sistematicamente entre 40% e 45% dos votos no segundo turno, isso porque o PT, apesar de toda a força popular de Lula, nunca conseguiu vencer uma eleição presidencial no primeiro turno, e, no entanto, Lula foi derrotado nessas circunstâncias por Fernando Henrique duas vezes seguidas.
Mesmo o fato de terem vencido três eleições seguidas não dá ao PT a hegemonia que ostenta, pois bastaria uma derrota para o PSDB este ano para que a igualdade se estabelecesse. O fato é que o país continua virtualmente dividido entre as forças políticas que apoiam PT e PSDB, sendo que o lado petista tem uma superioridade artificial neste momento, depois que perdeu o apoio do grupo ecológico liderado pela senadora Marina Silva, e agora uma dissidência socialista consolida a ruptura de forças políticas ponderáveis à esquerda, deixando o PT nas mãos de partidos de centro ou de direita como o PMDB, o PP, o PSD.
Uma aliança frágil que pode se romper a qualquer momento, como está acontecendo em alguns estados, como a Bahia e o Rio de Janeiro. Independentemente de ações acertadas da oposição, há problemas para o governo em todos os estados em que teve grande votação na eleição de 2010, até mesmo no Maranhão.
A presidente Dilma é temida, mas não amada por seus aliados não ideológicos. E o PT nem é temido nem amado. Todos prefeririam ganhar com Aécio Neves ou Eduardo Campos do que com ela ou o PT.
Rumo a 2018? Hoje, o PT está mais próximo do que jamais estiveram os outros partidos de cumprir essa sina, e não é à toa que já se anuncia que Lula estaria disposto a voltar a se candidatar em 2018, dando como favas contadas a reeleição da presidente Dilma este ano.
De todos os partidos que estiveram em proeminência na política brasileira depois da redemocratização, o PT é sem dúvida o que montou a máquina política mais eficiente do ponto de vista eleitoral, não de gestão pública, e vem trabalhando com competência para atingir seu objetivo, sem que entre nesse julgamento qualquer valor ético ou moral.
Caberá à presidente Dilma, por esses azares que só a política sabe montar, a consolidação do projeto petista, logo ela que não é uma petista de raiz e não conseguiu capturar a alma dos petistas.
Caso se reeleja, como indicam as pesquisas, e o PT vença os governos estaduais em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, estará aplainado o caminho para a afirmação da hegemonia petista por 20 anos ou mais.
Mais paradoxal ainda, Dilma poderá ser, por outro lado, a culpada pela interrupção da escalada no poder do PT, pois tem feito até o momento um governo mais que medíocre que abre às oposições, ampliadas pela defecção à esquerda do PSB de Eduardo Campos, a melhor chance dos últimos tempos de vencer as eleições de outubro.
De fato, embora Dilma continue sendo a favorita, nunca houve melhores condições objetivas e subjetivas de derrotar o PT, e certamente é por isso que tantas trapalhadas administrativas vêm acontecendo, transformando situações corriqueiras, como a necessidade de escalas técnicas em viagens internacionais, em crises políticas que a oposição vem explorando com o mesmo grau de intransigência que caracterizou a atuação petista na oposição.
As condições subjetivas estão nas ruas desde junho do ano passado, surpreendendo quem se considerava dono das manifestações populares.
As coisas estão muito tumultuadas no país hoje, com a incerteza tomando conta da percepção popular quer com relação à situação econômica, quer quanto à de segurança pública, e ambientes incertos quanto ao futuro não fazem bem aos governos.
Dizer que a oposição é tão fraca que não oferece perigo à hegemonia petista é simples jogo político, pois a situação não é tão fácil quanto querem que pareça. A oposição, não importa que candidato apresente, tem recebido sistematicamente entre 40% e 45% dos votos no segundo turno, isso porque o PT, apesar de toda a força popular de Lula, nunca conseguiu vencer uma eleição presidencial no primeiro turno, e, no entanto, Lula foi derrotado nessas circunstâncias por Fernando Henrique duas vezes seguidas.
Mesmo o fato de terem vencido três eleições seguidas não dá ao PT a hegemonia que ostenta, pois bastaria uma derrota para o PSDB este ano para que a igualdade se estabelecesse. O fato é que o país continua virtualmente dividido entre as forças políticas que apoiam PT e PSDB, sendo que o lado petista tem uma superioridade artificial neste momento, depois que perdeu o apoio do grupo ecológico liderado pela senadora Marina Silva, e agora uma dissidência socialista consolida a ruptura de forças políticas ponderáveis à esquerda, deixando o PT nas mãos de partidos de centro ou de direita como o PMDB, o PP, o PSD.
Uma aliança frágil que pode se romper a qualquer momento, como está acontecendo em alguns estados, como a Bahia e o Rio de Janeiro. Independentemente de ações acertadas da oposição, há problemas para o governo em todos os estados em que teve grande votação na eleição de 2010, até mesmo no Maranhão.
A presidente Dilma é temida, mas não amada por seus aliados não ideológicos. E o PT nem é temido nem amado. Todos prefeririam ganhar com Aécio Neves ou Eduardo Campos do que com ela ou o PT.
Nada além do mesmo - JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP - 04/02
Até a Copa, a maior atração nacional continuará sendo o STF, não por seus ministros, mas pelas causas em pauta
Embora o ano eleitoral e a movimentação das desincompatibilizações nos próximos 60 dias, até a Copa a maior atração nacional continuará sendo o elenco de ministros do Supremo. O interesse posto no tribunal das causas constitucionais parece comprovar o avanço do Estado de Direito, com uma progressiva penetração do espírito da democracia nos brasileiros. Parece.
As causas a entrarem em pauta, e não os ministros e seu desempenho poucas vezes atraente, são o motivo do interesse posto no tribunal. O financiamento de campanhas eleitorais, para a possível proibição das doações de empresas, é uma das causas. Proposta pela OAB, tem forte oposição dos políticos e partidos. A finalidade da proposta é reduzir a influência de interesses econômicos no processo eleitoral e primeiro passo da corrupção política em governos e, em especial, no Congresso.
Ainda ser necessário o julgamento de tal proposta só denota um nível de imoralidade eleitoral, política e partidária característico de imenso atraso da democracia. Não pode ser visto como fruto de um avanço feito. É quase nada, considerado o que permanece.
Com 390 mil processos à sua espera pelo país afora, outro julgamento decidirá se os bancos devem repor as perdas que seus clientes tiveram, sem que os próprios bancos as sofressem, por força de cinco sucessivos planos econômicos. São extorsões, menos ou mais explícitas, que começaram há 27 anos, com o Plano Cruzado. Um país onde poupadores, além de extorquidos, ainda esperam três décadas sem saber se terão sua poupança restituída, ou não, só julgará tal causa porque esgotadas as possibilidades de manter o calote, não por impulso proveniente de Estado de Direito mais consolidado.
Estão em caso semelhante as dívidas oficiais em favor de cidadãos, reconhecidas pela Justiça com o nome de precatórios. Esse julgamento aponta, não para um regime em progresso democrático, mas para um Estado voraz, impiedoso e sem critérios para tomar dos cidadãos, e desonestamente relapso quando se trata de devolver-lhes o tomado indevidamente ou indenizá-los.
Mas há um pedaço do chamado mensalão mineiro a ser julgado também. Passados quase 16 anos de sua ocorrência. Já com réus dispensados por idade, depois de passar 15 anos à disposição da Justiça. E o próprio processo com possibilidade de prescrever todo ele em setembro. Ou seja, em vez da Justiça no Estado de Direito, avança a prescrição sem julgamento.
Entre outros processos atraentes, está a permanência ou retirada de autorização obrigatória para biografias, dada pelo biografado ou por parentes. A atual obrigatoriedade revela, de uma só vez, os níveis rasteiros da liberdade de expressão na democracia brasileira e do sistema legal mantido pelo Congresso e pela Justiça.
Por coerência com os casos expostos ali atrás, mesmo que não seja para escrever sobre o general que recebeu dinheiro para participar de um golpe, mas sobre um cantor de músicas lacrimejantes, a obrigatoriedade de autorização deveria ser mantida. Nesse caso, porém, o pudor parece que vai predominar contra a indigência de cultura e democracia. Sem significar nada além disso.
Até a Copa, a maior atração nacional continuará sendo o STF, não por seus ministros, mas pelas causas em pauta
Embora o ano eleitoral e a movimentação das desincompatibilizações nos próximos 60 dias, até a Copa a maior atração nacional continuará sendo o elenco de ministros do Supremo. O interesse posto no tribunal das causas constitucionais parece comprovar o avanço do Estado de Direito, com uma progressiva penetração do espírito da democracia nos brasileiros. Parece.
As causas a entrarem em pauta, e não os ministros e seu desempenho poucas vezes atraente, são o motivo do interesse posto no tribunal. O financiamento de campanhas eleitorais, para a possível proibição das doações de empresas, é uma das causas. Proposta pela OAB, tem forte oposição dos políticos e partidos. A finalidade da proposta é reduzir a influência de interesses econômicos no processo eleitoral e primeiro passo da corrupção política em governos e, em especial, no Congresso.
Ainda ser necessário o julgamento de tal proposta só denota um nível de imoralidade eleitoral, política e partidária característico de imenso atraso da democracia. Não pode ser visto como fruto de um avanço feito. É quase nada, considerado o que permanece.
Com 390 mil processos à sua espera pelo país afora, outro julgamento decidirá se os bancos devem repor as perdas que seus clientes tiveram, sem que os próprios bancos as sofressem, por força de cinco sucessivos planos econômicos. São extorsões, menos ou mais explícitas, que começaram há 27 anos, com o Plano Cruzado. Um país onde poupadores, além de extorquidos, ainda esperam três décadas sem saber se terão sua poupança restituída, ou não, só julgará tal causa porque esgotadas as possibilidades de manter o calote, não por impulso proveniente de Estado de Direito mais consolidado.
Estão em caso semelhante as dívidas oficiais em favor de cidadãos, reconhecidas pela Justiça com o nome de precatórios. Esse julgamento aponta, não para um regime em progresso democrático, mas para um Estado voraz, impiedoso e sem critérios para tomar dos cidadãos, e desonestamente relapso quando se trata de devolver-lhes o tomado indevidamente ou indenizá-los.
Mas há um pedaço do chamado mensalão mineiro a ser julgado também. Passados quase 16 anos de sua ocorrência. Já com réus dispensados por idade, depois de passar 15 anos à disposição da Justiça. E o próprio processo com possibilidade de prescrever todo ele em setembro. Ou seja, em vez da Justiça no Estado de Direito, avança a prescrição sem julgamento.
Entre outros processos atraentes, está a permanência ou retirada de autorização obrigatória para biografias, dada pelo biografado ou por parentes. A atual obrigatoriedade revela, de uma só vez, os níveis rasteiros da liberdade de expressão na democracia brasileira e do sistema legal mantido pelo Congresso e pela Justiça.
Por coerência com os casos expostos ali atrás, mesmo que não seja para escrever sobre o general que recebeu dinheiro para participar de um golpe, mas sobre um cantor de músicas lacrimejantes, a obrigatoriedade de autorização deveria ser mantida. Nesse caso, porém, o pudor parece que vai predominar contra a indigência de cultura e democracia. Sem significar nada além disso.
Duas biografias de brasileiros - CLÁUDIO SLAVIERO
GAZETA DO POVO - PR - 04/02
Há dois brasileiros cujas biografias certamente farão parte da história deste país. Antônio Ermírio de Moraes iniciou sua trajetória empresarial ainda jovem, estudando e formando-se em Engenharia Metalúrgica na Universidade do Colorado, nos EUA. A partir do Engenho Santo Antônio, iniciado por seus familiares e posteriormente junto com seus irmãos, construiu o que hoje é um dos maiores conglomerados industriais brasileiros, o Grupo Votorantim.
José Dirceu de Oliveira e Silva veio do interior de Minas Gerais, da cidade de Passa Quatro, filho do senhor Castorino e de Olga Guedes, mudou-se para São Paulo ainda jovem com o sonho de tornar-se presidente da República.
Enquanto Antônio Ermírio trabalhava na geração de novos negócios, investindo e recolhendo impostos, transformando o Grupo Votorantim em um dos 20 maiores grupos industriais brasileiros, com faturamento de R$ 40 bilhões e geração de 42 mil empregos, Zé Dirceu fazia parte da “turma dos canalhas” na PUC/SP. Pedro Caroço, como também era conhecido, não gostava de estudar, tornou-se líder estudantil ligado ao Partido Comunista Brasileiro e foi preso pela primeira vez por promover passeatas, quebra-quebras, greves e invasões na universidade paulista.
Trabalho e dedicação aos negócios sempre foram uma obsessão para Antônio Ermírio. Ele tornou-se um dos maiores líderes empresariais e sua voz era ouvida e seguida não apenas por empresários, mas também por governantes. Corajoso, dizia o que era preciso ser dito mesmo durante o regime militar. Estudioso, discorria sobre qualquer tema, de petróleo a energia atômica. Enveredou-se pela dramaturgia, escrevendo peças teatrais. Dedicou toda sua vida ao Hospital Beneficência Portuguesa, hoje referência em medicina. Arvorou-se pela política (nesta teve a maior decepção de sua vida), sendo candidato a governador de São Paulo com o intuito de dar sua contribuição ao estado que o acolheu.
Zé Dirceu, por sua vez, fugiu para Cuba. Integrante do III Exército Cubano, fez treinamentos de guerrilha, mas não resistiu. Levantaram-se suspeitas de ser amigo “muito íntimo” do comandante Alfredo Guevara, que lhe dava proteção em várias circunstâncias. Na ilha dos irmãos Castro, fez cirurgia plástica para não ser reconhecido pelas autoridades brasileiras. Era visto por alguns de seus companheiros como alcaguete de brasileiros aos cubanos. Seus antigos amigos do movimento revolucionário Molipo foram mortos e levantou-se a suspeita de que ele teria sido o delator do grupo. Trocava de nome e identidade como trocava de mulheres e sempre usou o dinheiro de suas companheiras para “crescer” na vida. Depois de sua queda no governo federal, no qual chegou a ser ministro, passou à profissão de lobista, na qual amealhou grande fortuna à custa de informações privilegiadas.
Zé Dirceu, ou Comandante Daniel, ou o argentino Hoffman, ou Carlos Henrique, ou Pedro Caroço, saíra de Passa Quatro na infância sonhando em mudar o mundo. Liderou um movimento de estudantes que pretendia enfrentar o regime militar, mas foi preso. Tentou voltar ao Brasil como líder de uma organização guerrilheira que derrubaria o governo pelas armas, mas acabou tendo de voltar à clandestinidade, com seu grupo dizimado. Ajudou a construir um partido dito de trabalhadores, que chegaria ao poder, porém, longe de cumprir as promessas de mudar as práticas políticas vigentes no país. Sonhara em ser presidente da República, seu sonho acabaria enterrado pelo mensalão, episódio pelo qual foi condenado. Ele, que já passara um ano na prisão, seis anos no exílio, quatro na clandestinidade e oito anos sem os direitos políticos, agora septuagenário foi condenado a mais dois anos de prisão em regime semiaberto. É um homem que jamais chegou a lugar nenhum.
Dois homens com lições de vida distintas. Qual delas você escolheria para seguir?
Há dois brasileiros cujas biografias certamente farão parte da história deste país. Antônio Ermírio de Moraes iniciou sua trajetória empresarial ainda jovem, estudando e formando-se em Engenharia Metalúrgica na Universidade do Colorado, nos EUA. A partir do Engenho Santo Antônio, iniciado por seus familiares e posteriormente junto com seus irmãos, construiu o que hoje é um dos maiores conglomerados industriais brasileiros, o Grupo Votorantim.
José Dirceu de Oliveira e Silva veio do interior de Minas Gerais, da cidade de Passa Quatro, filho do senhor Castorino e de Olga Guedes, mudou-se para São Paulo ainda jovem com o sonho de tornar-se presidente da República.
Enquanto Antônio Ermírio trabalhava na geração de novos negócios, investindo e recolhendo impostos, transformando o Grupo Votorantim em um dos 20 maiores grupos industriais brasileiros, com faturamento de R$ 40 bilhões e geração de 42 mil empregos, Zé Dirceu fazia parte da “turma dos canalhas” na PUC/SP. Pedro Caroço, como também era conhecido, não gostava de estudar, tornou-se líder estudantil ligado ao Partido Comunista Brasileiro e foi preso pela primeira vez por promover passeatas, quebra-quebras, greves e invasões na universidade paulista.
Trabalho e dedicação aos negócios sempre foram uma obsessão para Antônio Ermírio. Ele tornou-se um dos maiores líderes empresariais e sua voz era ouvida e seguida não apenas por empresários, mas também por governantes. Corajoso, dizia o que era preciso ser dito mesmo durante o regime militar. Estudioso, discorria sobre qualquer tema, de petróleo a energia atômica. Enveredou-se pela dramaturgia, escrevendo peças teatrais. Dedicou toda sua vida ao Hospital Beneficência Portuguesa, hoje referência em medicina. Arvorou-se pela política (nesta teve a maior decepção de sua vida), sendo candidato a governador de São Paulo com o intuito de dar sua contribuição ao estado que o acolheu.
Zé Dirceu, por sua vez, fugiu para Cuba. Integrante do III Exército Cubano, fez treinamentos de guerrilha, mas não resistiu. Levantaram-se suspeitas de ser amigo “muito íntimo” do comandante Alfredo Guevara, que lhe dava proteção em várias circunstâncias. Na ilha dos irmãos Castro, fez cirurgia plástica para não ser reconhecido pelas autoridades brasileiras. Era visto por alguns de seus companheiros como alcaguete de brasileiros aos cubanos. Seus antigos amigos do movimento revolucionário Molipo foram mortos e levantou-se a suspeita de que ele teria sido o delator do grupo. Trocava de nome e identidade como trocava de mulheres e sempre usou o dinheiro de suas companheiras para “crescer” na vida. Depois de sua queda no governo federal, no qual chegou a ser ministro, passou à profissão de lobista, na qual amealhou grande fortuna à custa de informações privilegiadas.
Zé Dirceu, ou Comandante Daniel, ou o argentino Hoffman, ou Carlos Henrique, ou Pedro Caroço, saíra de Passa Quatro na infância sonhando em mudar o mundo. Liderou um movimento de estudantes que pretendia enfrentar o regime militar, mas foi preso. Tentou voltar ao Brasil como líder de uma organização guerrilheira que derrubaria o governo pelas armas, mas acabou tendo de voltar à clandestinidade, com seu grupo dizimado. Ajudou a construir um partido dito de trabalhadores, que chegaria ao poder, porém, longe de cumprir as promessas de mudar as práticas políticas vigentes no país. Sonhara em ser presidente da República, seu sonho acabaria enterrado pelo mensalão, episódio pelo qual foi condenado. Ele, que já passara um ano na prisão, seis anos no exílio, quatro na clandestinidade e oito anos sem os direitos políticos, agora septuagenário foi condenado a mais dois anos de prisão em regime semiaberto. É um homem que jamais chegou a lugar nenhum.
Dois homens com lições de vida distintas. Qual delas você escolheria para seguir?
Na Bolsa, um mau prenúncio - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo - 04/02
O mau começo de ano na Bolsa de Valores, com um tombo de 7,51% em janeiro, pode ter sido prenúncio de mais dificuldades na economia brasileira, provocadas em parte por eventos externos, mas produzidas principalmente pelo acúmulo de erros da política econômica. Em seu quarto ano de governo a presidente Dilma Rousseff colherá o resultado de equívocos plantados nos três anos anteriores e também no mandato de seu antecessor, como os custos financeiros, administrativos e políticos de uma caríssima Copa do Mundo, inoportuna, mal planejada e mal preparada. O pior desempenho da Bovespa desde 1995, quando o índice caiu 10,77%, é um bom marco inicial de um roteiro com muitos obstáculos e armadilhas.
Os principais problemas externos foram previstos com folga suficiente para um governo sensato se prevenir. A redução gradual dos estímulos monetários americanos foi anunciada no primeiro semestre do ano passado. As tensões nos mercados surgiram logo em seguida, mas o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, só começou a executar o programa no mês passado.
A acomodação da economia chinesa começou há mais de um ano. O crescimento deve ainda manter-se em torno de 7,5%, um resultado notável, mas a desaceleração tende a afetar os mercados de commodities e os países mais dependentes de exportações de produtos básicos para a China. É esse, obviamente, o caso do Brasil. Além do mais, há uma ampla perspectiva de desempenho mais fraco dos emergentes.
A combinação de todos esses fatores já interfere na movimentação internacional de capitais. Na última semana de janeiro US$ 6,3 bilhões foram retirados de carteiras de renda variável de países emergentes, segundo relatório do banco Morgan Stanley. Considerados os valores absolutos, a quarta maior perda, US$ 610 milhões, foi a das carteiras de ações brasileiras. Os três maiores perdedores, por esse critério, foram a Coreia, a China e a Rússia. Em termos proporcionais, isto é, em relação ao volume investido, os mais atingidos foram o México, o Chile e a Indonésia.
Na corrida inicial, os fundamentos econômicos e a confiabilidade de cada país podem fazer pouca diferença. Não tem sentido, nesse caso, falar de justiça ou injustiça. O mais importante para o aplicador, no momento de susto, é sacar o dinheiro e transferi-lo para aplicações consideradas mais seguras. São principalmente ativos em dólares. Mas os países mais preparados para absorver choques tendem a se destacar, depois dos primeiros impactos, e a levar vantagem na disputa pelos capitais.
O Brasil, neste momento, está em desvantagem pelos dois critérios, o preparo para choques e a credibilidade necessária para o retorno ao mercado. Permanece o risco de rebaixamento de sua nota por agências de avaliação de crédito.
Consultores e especialistas do setor financeiro em geral conhecem os fundamentos econômicos do Brasil. Sabem o suficiente para distinguir a situação brasileira da desastrosa posição de países como a Argentina e a Venezuela, mas em outras comparações a imagem do Brasil é bem menos atraente.
A resistência brasileira a choques externos depende exclusivamente do volume de reservas, US$ 375,76 bilhões em 30 de janeiro. A acumulação de moeda forte foi um dos principais e raros acertos dos últimos anos. Os demais indicadores denunciam vulnerabilidades.
O resultado fiscal do ano passado, o superávit primário de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor em 11 anos, só foi alcançado com receitas extraordinárias. A inflação continua bem acima da meta de 4,5%. O clássico ajuste por meio da desvalorização cambial envolverá, portanto, riscos consideráveis em relação ao nível geral de preços. A produção manufatureira pouco avançou no ano passado e a indústria continua despreparada para a competição internacional. O comércio exterior será novamente uma das áreas mais vulneráveis. Se tiver algum realismo, a presidente Dilma Rousseff tentará criar no mercado alguma expectativa de mudança. Se falhar, o mau desempenho da bolsa será a consequência menos grave.
O mau começo de ano na Bolsa de Valores, com um tombo de 7,51% em janeiro, pode ter sido prenúncio de mais dificuldades na economia brasileira, provocadas em parte por eventos externos, mas produzidas principalmente pelo acúmulo de erros da política econômica. Em seu quarto ano de governo a presidente Dilma Rousseff colherá o resultado de equívocos plantados nos três anos anteriores e também no mandato de seu antecessor, como os custos financeiros, administrativos e políticos de uma caríssima Copa do Mundo, inoportuna, mal planejada e mal preparada. O pior desempenho da Bovespa desde 1995, quando o índice caiu 10,77%, é um bom marco inicial de um roteiro com muitos obstáculos e armadilhas.
Os principais problemas externos foram previstos com folga suficiente para um governo sensato se prevenir. A redução gradual dos estímulos monetários americanos foi anunciada no primeiro semestre do ano passado. As tensões nos mercados surgiram logo em seguida, mas o Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, só começou a executar o programa no mês passado.
A acomodação da economia chinesa começou há mais de um ano. O crescimento deve ainda manter-se em torno de 7,5%, um resultado notável, mas a desaceleração tende a afetar os mercados de commodities e os países mais dependentes de exportações de produtos básicos para a China. É esse, obviamente, o caso do Brasil. Além do mais, há uma ampla perspectiva de desempenho mais fraco dos emergentes.
A combinação de todos esses fatores já interfere na movimentação internacional de capitais. Na última semana de janeiro US$ 6,3 bilhões foram retirados de carteiras de renda variável de países emergentes, segundo relatório do banco Morgan Stanley. Considerados os valores absolutos, a quarta maior perda, US$ 610 milhões, foi a das carteiras de ações brasileiras. Os três maiores perdedores, por esse critério, foram a Coreia, a China e a Rússia. Em termos proporcionais, isto é, em relação ao volume investido, os mais atingidos foram o México, o Chile e a Indonésia.
Na corrida inicial, os fundamentos econômicos e a confiabilidade de cada país podem fazer pouca diferença. Não tem sentido, nesse caso, falar de justiça ou injustiça. O mais importante para o aplicador, no momento de susto, é sacar o dinheiro e transferi-lo para aplicações consideradas mais seguras. São principalmente ativos em dólares. Mas os países mais preparados para absorver choques tendem a se destacar, depois dos primeiros impactos, e a levar vantagem na disputa pelos capitais.
O Brasil, neste momento, está em desvantagem pelos dois critérios, o preparo para choques e a credibilidade necessária para o retorno ao mercado. Permanece o risco de rebaixamento de sua nota por agências de avaliação de crédito.
Consultores e especialistas do setor financeiro em geral conhecem os fundamentos econômicos do Brasil. Sabem o suficiente para distinguir a situação brasileira da desastrosa posição de países como a Argentina e a Venezuela, mas em outras comparações a imagem do Brasil é bem menos atraente.
A resistência brasileira a choques externos depende exclusivamente do volume de reservas, US$ 375,76 bilhões em 30 de janeiro. A acumulação de moeda forte foi um dos principais e raros acertos dos últimos anos. Os demais indicadores denunciam vulnerabilidades.
O resultado fiscal do ano passado, o superávit primário de 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB), o menor em 11 anos, só foi alcançado com receitas extraordinárias. A inflação continua bem acima da meta de 4,5%. O clássico ajuste por meio da desvalorização cambial envolverá, portanto, riscos consideráveis em relação ao nível geral de preços. A produção manufatureira pouco avançou no ano passado e a indústria continua despreparada para a competição internacional. O comércio exterior será novamente uma das áreas mais vulneráveis. Se tiver algum realismo, a presidente Dilma Rousseff tentará criar no mercado alguma expectativa de mudança. Se falhar, o mau desempenho da bolsa será a consequência menos grave.
O diálogo se impõe - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 04/02
Radicalizar, diz o dicionário, é chegar à raiz: atingir o essencial, o básico, o fundo do poço. A palavra tem sido insistentemente usada na referência à operação tartaruga. De um lado, a polícia deixa de cumprir na plenitude a função de garantir a segurança da população. De outro, o governo espera ver a situação normalizada para se sentar à mesa de negociação. No meio, os brasilienses se tornam reféns da bandidagem. Perdem a paz, a mobilidade e a vida.
A operação tartaruga expõe o DF a onda de assassinatos, furtos e roubos ao deixar ruas e logradouros nas mãos de quem nada tem a perder. Em janeiro, 75 pessoas sucumbiram ante homicidas com caminho livre para agir. Só no fim de semana, registraram-se 12 mortes. A quem interessa tragédia de tamanha dimensão? Com certeza, a ninguém. O GDF não quer ver a capital do Brasil transformada em praça de guerra. A PM, uma das mais qualificadas e bem pagas do país, não quer desmoralizar a corporação. O povo não quer viver em clima de generalizada violência.
Já passa da hora de trocar de verbo. Radicalizar tem de dar vez a dialogar. Governo e PM devem sentar-se à mesa para buscar solução que atenda, sobretudo, ao direito da população - principal vítima do confronto. A instituição policial ocupa funções primordiais do regime democrático. Cabe-lhe assumir os riscos que ocorrem no meio social à força de muitos que se desviam das prescrições legais para gerar insegurança e medo.
A capital da República entrou na pauta do noticiário nacional e estrangeiro. Com razão. Informar é dever da mídia. Cabe-lhe registrar as graves ocorrências e apontar os que respondem por elas. O Correio Braziliense não tem feito outra coisa. Não cuida da situação movido por interesses alheios à vontade do povo, tampouco para levar esta ou aquela instituição à execração pública. Ninguém é ingênuo de imaginar que o quadro é simples.
Não é. O Distrito Federal sofre de inchaço permanente. Sem planejamento, paga o preço de décadas de omissão governamental em todos os setores. A segurança é uma delas. Saídas se impõem. Há que buscá-las com serenidade e bom senso. O elástico está esticado no limite. As duas pontas precisam encontrar o equilíbrio para o bem comum. Os policiais exercem papel fundamental no conjunto dos deveres atribuídos ao Estado.
A democracia é o regime da lei. Quando há desafio à ordem jurídica, fundamento do Estado de Direito, abre-se espaço para a anarquia. Não pode haver nenhuma exceção que possa colocar em risco os direitos assegurados na Constituição a todos os integrantes da sociedade política - o Estado organizado para atender as demandas essenciais do povo. A observação desses valores inclui, de maneira irresistível, a destinação de segurança pública.
A operação tartaruga expõe o DF a onda de assassinatos, furtos e roubos ao deixar ruas e logradouros nas mãos de quem nada tem a perder. Em janeiro, 75 pessoas sucumbiram ante homicidas com caminho livre para agir. Só no fim de semana, registraram-se 12 mortes. A quem interessa tragédia de tamanha dimensão? Com certeza, a ninguém. O GDF não quer ver a capital do Brasil transformada em praça de guerra. A PM, uma das mais qualificadas e bem pagas do país, não quer desmoralizar a corporação. O povo não quer viver em clima de generalizada violência.
Já passa da hora de trocar de verbo. Radicalizar tem de dar vez a dialogar. Governo e PM devem sentar-se à mesa para buscar solução que atenda, sobretudo, ao direito da população - principal vítima do confronto. A instituição policial ocupa funções primordiais do regime democrático. Cabe-lhe assumir os riscos que ocorrem no meio social à força de muitos que se desviam das prescrições legais para gerar insegurança e medo.
A capital da República entrou na pauta do noticiário nacional e estrangeiro. Com razão. Informar é dever da mídia. Cabe-lhe registrar as graves ocorrências e apontar os que respondem por elas. O Correio Braziliense não tem feito outra coisa. Não cuida da situação movido por interesses alheios à vontade do povo, tampouco para levar esta ou aquela instituição à execração pública. Ninguém é ingênuo de imaginar que o quadro é simples.
Não é. O Distrito Federal sofre de inchaço permanente. Sem planejamento, paga o preço de décadas de omissão governamental em todos os setores. A segurança é uma delas. Saídas se impõem. Há que buscá-las com serenidade e bom senso. O elástico está esticado no limite. As duas pontas precisam encontrar o equilíbrio para o bem comum. Os policiais exercem papel fundamental no conjunto dos deveres atribuídos ao Estado.
A democracia é o regime da lei. Quando há desafio à ordem jurídica, fundamento do Estado de Direito, abre-se espaço para a anarquia. Não pode haver nenhuma exceção que possa colocar em risco os direitos assegurados na Constituição a todos os integrantes da sociedade política - o Estado organizado para atender as demandas essenciais do povo. A observação desses valores inclui, de maneira irresistível, a destinação de segurança pública.
Congelar tarifas de transporte público é populismo - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 04/02
Praticar tarifas irreais é ameaçar projetos de investimentos e contratos de concessão lastreados em cláusulas de equilíbrio econômico-financeiro
O Grande Rio, assim como a maioria das regiões metropolitanas do país, tem graves deficiências de transporte público. No entanto, estão em curso investimentos que podem melhorar bastante esse quadro. O município do Rio, por exemplo, espera chegar aos Jogos Olímpicos de 2016 com cerca de 80% dos usuários de transporte coletivo utilizando sistemas de alta capacidade, considerando-se as linhas do metrô, os trens suburbanos, os BRTs (ônibus articulados que circulam por vias exclusivas) e o veículo leve sobre trilhos (VLT). Juntamente com as barcas que fazem a travessia da Baía de Guanabara e a abertura de novas vias e túneis que contribuirão para desafogar o tráfego, está previsto que nesse horizonte de três a quatro anos os usuários de transporte coletivo consigam percorrer seus trajetos habituais na metade do tempo que gastam atualmente. Que assim seja.
Os investimentos não são meras promessas. Estão de fato em andamento e se aceleraram devido a parcerias público-privadas ou aprimoramento nas concessões dos sistemas de transporte.
Um sistema como tal, não comporta populismo tarifário, nem leniência na cobrança do concessionário pela qualidade do serviço. Não há espaço para demagogia dos governantes, pois as concessões e as parcerias se apoiam em contratos com cláusulas de equilíbrio econômico-financeiro. Assim, as tarifas devem viabilizar e remunerar adequadamente os investimentos, dentro de premissas claras e critérios estipulados com total transparência para serem observados e fiscalizados pelos órgãos competentes. No caso de as tarifas não corresponderem a esse equilíbrio, haverá necessariamente subsídio dos cofres públicos. Dessa forma, pelo serviço pagarão todos e não apenas os que o utilizarem. É o que acontecerá quando a União capitalizar a Petrobras, desequilibrada por subsidiar combustíveis.
Infelizmente, o transporte público, pela sua enorme abrangência, é sempre alvo de exploração política, mais ainda em período eleitoral. No ano passado, um movimento contra aumento das passagens e até pela gratuidade total ganhou as ruas, como se no fim das contas ninguém fosse pagar por isso. Os reajustes de tarifas foram então adiados. Naquele momento, talvez não houvesse o que fazer pois era preciso esclarecer a população. No Rio, as tarifas de linhas municipais de ônibus serão reajustadas neste sábado. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad preferiu manter o congelamento, embora o município já subsidie o transporte. Trens, metrô e barcas não eram subsidiados no Grande Rio, mas o governador Sérgio Cabral, um dos principais alvos das manifestações do ano passado, também decidiu não reajustar as tarifas. Deixará um grande problema para seu sucessor, enquanto Haddad está criando dificuldade para si mesmo. Um mau exemplo.
Praticar tarifas irreais é ameaçar projetos de investimentos e contratos de concessão lastreados em cláusulas de equilíbrio econômico-financeiro
O Grande Rio, assim como a maioria das regiões metropolitanas do país, tem graves deficiências de transporte público. No entanto, estão em curso investimentos que podem melhorar bastante esse quadro. O município do Rio, por exemplo, espera chegar aos Jogos Olímpicos de 2016 com cerca de 80% dos usuários de transporte coletivo utilizando sistemas de alta capacidade, considerando-se as linhas do metrô, os trens suburbanos, os BRTs (ônibus articulados que circulam por vias exclusivas) e o veículo leve sobre trilhos (VLT). Juntamente com as barcas que fazem a travessia da Baía de Guanabara e a abertura de novas vias e túneis que contribuirão para desafogar o tráfego, está previsto que nesse horizonte de três a quatro anos os usuários de transporte coletivo consigam percorrer seus trajetos habituais na metade do tempo que gastam atualmente. Que assim seja.
Os investimentos não são meras promessas. Estão de fato em andamento e se aceleraram devido a parcerias público-privadas ou aprimoramento nas concessões dos sistemas de transporte.
Um sistema como tal, não comporta populismo tarifário, nem leniência na cobrança do concessionário pela qualidade do serviço. Não há espaço para demagogia dos governantes, pois as concessões e as parcerias se apoiam em contratos com cláusulas de equilíbrio econômico-financeiro. Assim, as tarifas devem viabilizar e remunerar adequadamente os investimentos, dentro de premissas claras e critérios estipulados com total transparência para serem observados e fiscalizados pelos órgãos competentes. No caso de as tarifas não corresponderem a esse equilíbrio, haverá necessariamente subsídio dos cofres públicos. Dessa forma, pelo serviço pagarão todos e não apenas os que o utilizarem. É o que acontecerá quando a União capitalizar a Petrobras, desequilibrada por subsidiar combustíveis.
Infelizmente, o transporte público, pela sua enorme abrangência, é sempre alvo de exploração política, mais ainda em período eleitoral. No ano passado, um movimento contra aumento das passagens e até pela gratuidade total ganhou as ruas, como se no fim das contas ninguém fosse pagar por isso. Os reajustes de tarifas foram então adiados. Naquele momento, talvez não houvesse o que fazer pois era preciso esclarecer a população. No Rio, as tarifas de linhas municipais de ônibus serão reajustadas neste sábado. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad preferiu manter o congelamento, embora o município já subsidie o transporte. Trens, metrô e barcas não eram subsidiados no Grande Rio, mas o governador Sérgio Cabral, um dos principais alvos das manifestações do ano passado, também decidiu não reajustar as tarifas. Deixará um grande problema para seu sucessor, enquanto Haddad está criando dificuldade para si mesmo. Um mau exemplo.
A decadência da Argentina - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 04/02
Os governantes argentinos deveriam tentar entender as razões de um país outrora rico e desenvolvido seguir trilhando, ano após ano, o caminho do fracasso econômico e da pobreza social
A Argentina é um caso raro de país que nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial era desenvolvido e com alta renda per capita, e conseguiu caminhar seguramente rumo ao abismo econômico e à pobreza social. Nos anos 50, a Argentina tinha renda por habitante maior que os Estados Unidos e, ao lado de Canadá e Austrália, despontava como uma nação de futuro brilhante.
Quando, em meados do século passado, o Brasil ainda patinava no alto analfabetismo e na baixa industrialização, a Argentina já era uma nação rica, com elevados níveis educacionais e considerada uma nação de primeiro mundo. Apesar de seu sucesso, o país conseguiu, governo a governo, destruir as bases institucionais erguidas no passado e termina a primeira década e meia do século 21 mergulhada em graves problemas econômicos, prenunciando que a caminhada para o atraso continua firme.
O governo da presidente Cristina Kirchner entrou no ano de 2014 promovendo uma maxidesvalorização cambial de 16,1%, pela qual a cotação do dólar oficial passou de 6,72 pesos para 8,01. A consequência sobre a inflação foi rápida: os preços dispararam, já que na matriz produtiva entram matérias-primas importadas, e o consumo nacional depende de um grande leque de produtos comprados no exterior. A reação do governo seguiu a velha cartilha argentina, cujos pilares são a estatização de empresas; a intervenção governamental no mercado; a má gestão das contas públicas; a briga com os capitais externos, sendo exemplos os calotes e as moratórias; e medidas anticapitalistas.
Para tentar conter a onda inflacionária, o governo do país segue em sua receita enferrujada e disfuncional. A presidente Kirchner partiu para uma espécie de congelamento parcial de preços e firmou acordo para manter os preços nos níveis de 21 de janeiro. Esse acordo foi firmado com empresas do setor de alimentos, insumos industriais, eletrodomésticos e outros produtos incluídos no chamado plano de “Preços Cuidados”. O ministro da Economia, Axel Kicillof, partiu para a velha estratégia de culpar o mercado e os empresários, repetindo um comportamento já testado e provado que não funciona. Desde o imperador Diocleciano, uma a uma, todas as tentativas de congelamento fracassaram, e a razão é simples até certo ponto: o tabelamento de preços ataca os efeitos, mantendo inalteradas as causas. Mais cedo ou mais tarde, o problema retorna, geralmente de forma mais grave.
A Argentina consolidou a crença dos agentes nacionais e dos internacionais de que o país há décadas não consegue viver sob as bases da economia capitalista de livre mercado, que são: garantia do direito de propriedade, proteção dos contratos juridicamente perfeitos, estabilidade da moeda (ausência de inflação), liberdade econômica, redução da intervenção estatal na vida das pessoas e das empresas, abertura ao exterior e livre flutuação de preços, salários e câmbio.
A relação do país com o dólar é um exemplo da conduta estatizante e intervencionista típica do governo argentino. Quando um país abre sua economia para o comércio internacional e para o livre fluxo de capitais financeiros, a boa teoria recomenda adotar o câmbio flutuante. As tentativas de controlar o câmbio podem funcionar em prazo curto, mas não funcionam a longo prazo. Mais adiante o problema estoura, como sempre de maneira muito pior. O Brasil conseguiu controlar o câmbio até o início de 1999 e, quando a realidade se impôs, o preço do dólar disparou e o país adotou o câmbio livre, que funciona até hoje.
Em geral, as crises cambiais – que provocam explosão do preço da moeda estrangeira – resultam de problemas internos, como finanças públicas desequilibradas, déficits fiscais crônicos, controle artificial da taxa de juros, excesso de intervencionismo no mercado e inflação fora de controle. Essa é a situação da Argentina, país que não consegue entrar nos eixos há algumas décadas e vem decaindo da posição de riqueza obtida até os anos cinquenta do século passado.
Os governantes e os políticos argentinos deveriam tentar entender as razões de um país outrora rico e desenvolvido seguir trilhando, ano após ano, o caminho do fracasso econômico e da pobreza social. Se fizessem isso, iriam descobrir que a filosofia e os princípios básicos da nação são os mesmos há décadas e, portanto, seria bom tentar uma guinada radical. Isso levaria necessariamente à adoção de mais liberdade econômica, mais mercado e menos Estado.
Os governantes argentinos deveriam tentar entender as razões de um país outrora rico e desenvolvido seguir trilhando, ano após ano, o caminho do fracasso econômico e da pobreza social
A Argentina é um caso raro de país que nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial era desenvolvido e com alta renda per capita, e conseguiu caminhar seguramente rumo ao abismo econômico e à pobreza social. Nos anos 50, a Argentina tinha renda por habitante maior que os Estados Unidos e, ao lado de Canadá e Austrália, despontava como uma nação de futuro brilhante.
Quando, em meados do século passado, o Brasil ainda patinava no alto analfabetismo e na baixa industrialização, a Argentina já era uma nação rica, com elevados níveis educacionais e considerada uma nação de primeiro mundo. Apesar de seu sucesso, o país conseguiu, governo a governo, destruir as bases institucionais erguidas no passado e termina a primeira década e meia do século 21 mergulhada em graves problemas econômicos, prenunciando que a caminhada para o atraso continua firme.
O governo da presidente Cristina Kirchner entrou no ano de 2014 promovendo uma maxidesvalorização cambial de 16,1%, pela qual a cotação do dólar oficial passou de 6,72 pesos para 8,01. A consequência sobre a inflação foi rápida: os preços dispararam, já que na matriz produtiva entram matérias-primas importadas, e o consumo nacional depende de um grande leque de produtos comprados no exterior. A reação do governo seguiu a velha cartilha argentina, cujos pilares são a estatização de empresas; a intervenção governamental no mercado; a má gestão das contas públicas; a briga com os capitais externos, sendo exemplos os calotes e as moratórias; e medidas anticapitalistas.
Para tentar conter a onda inflacionária, o governo do país segue em sua receita enferrujada e disfuncional. A presidente Kirchner partiu para uma espécie de congelamento parcial de preços e firmou acordo para manter os preços nos níveis de 21 de janeiro. Esse acordo foi firmado com empresas do setor de alimentos, insumos industriais, eletrodomésticos e outros produtos incluídos no chamado plano de “Preços Cuidados”. O ministro da Economia, Axel Kicillof, partiu para a velha estratégia de culpar o mercado e os empresários, repetindo um comportamento já testado e provado que não funciona. Desde o imperador Diocleciano, uma a uma, todas as tentativas de congelamento fracassaram, e a razão é simples até certo ponto: o tabelamento de preços ataca os efeitos, mantendo inalteradas as causas. Mais cedo ou mais tarde, o problema retorna, geralmente de forma mais grave.
A Argentina consolidou a crença dos agentes nacionais e dos internacionais de que o país há décadas não consegue viver sob as bases da economia capitalista de livre mercado, que são: garantia do direito de propriedade, proteção dos contratos juridicamente perfeitos, estabilidade da moeda (ausência de inflação), liberdade econômica, redução da intervenção estatal na vida das pessoas e das empresas, abertura ao exterior e livre flutuação de preços, salários e câmbio.
A relação do país com o dólar é um exemplo da conduta estatizante e intervencionista típica do governo argentino. Quando um país abre sua economia para o comércio internacional e para o livre fluxo de capitais financeiros, a boa teoria recomenda adotar o câmbio flutuante. As tentativas de controlar o câmbio podem funcionar em prazo curto, mas não funcionam a longo prazo. Mais adiante o problema estoura, como sempre de maneira muito pior. O Brasil conseguiu controlar o câmbio até o início de 1999 e, quando a realidade se impôs, o preço do dólar disparou e o país adotou o câmbio livre, que funciona até hoje.
Em geral, as crises cambiais – que provocam explosão do preço da moeda estrangeira – resultam de problemas internos, como finanças públicas desequilibradas, déficits fiscais crônicos, controle artificial da taxa de juros, excesso de intervencionismo no mercado e inflação fora de controle. Essa é a situação da Argentina, país que não consegue entrar nos eixos há algumas décadas e vem decaindo da posição de riqueza obtida até os anos cinquenta do século passado.
Os governantes e os políticos argentinos deveriam tentar entender as razões de um país outrora rico e desenvolvido seguir trilhando, ano após ano, o caminho do fracasso econômico e da pobreza social. Se fizessem isso, iriam descobrir que a filosofia e os princípios básicos da nação são os mesmos há décadas e, portanto, seria bom tentar uma guinada radical. Isso levaria necessariamente à adoção de mais liberdade econômica, mais mercado e menos Estado.
Sob expectativa - EDITORIAL ZERO HORA
ZERO HORA - 04/02
Ao deixar o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), na semana passada, a jornalista Helena Chagas fez questão de lembrar que pautou sua gestão por critérios técnicos na repartição das verbas publicitárias oficiais. Tradução: recebem mais investimentos do governo os veículos de maior audiência, já que o objetivo da comunicação é atingir o maior número de pessoas, de maneira eficiente, para disseminar informações de interesse público. Parece lógico e inquestionável, mas não é bem assim.
Governantes e administradores públicos com o poder de gerir recursos oficiais nem sempre colocam os valores da sociedade acima dos seus próprios interesses. Na própria cúpula do governo federal, havia resistência ao trabalho de Helena Chagas, principalmente por parte de militantes petistas desejosos de usar a verba publicitária no financiamento generoso do jornalismo chapa-branca _ aquele que só publica notícias favoráveis aos seus financiadores.
Com esse propósito, uma corrente partidária luta incansavelmente pelo que chama de desconcentração dos recursos, na verdade um eufemismo para justificar a aplicação de verbas oficiais em blogs inexpressivos, que louvam o governo, têm compromisso ideológico e, em alguns casos, fazem campanhas insidiosas contra os opositores. Por isso, há uma expectativa muito grande em relação ao novo ministro da Secom, Thomas Traumann, historicamente alinhado ao movimento que defende uma suposta regulamentação da mídia _ outra disfarçada tentativa de controlar os conteúdos jornalísticos.
Num ano eleitoral, é sempre maior o risco de ideologização de um órgão importante e influente como a Secom _ embora a presidente Dilma venha resistindo bravamente ao uso de tais expedientes na sua administração. Ainda assim, a troca de comando na Secretaria deixa em alerta quem realmente se preocupa com a liberdade de expressão.
Ao deixar o comando da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), na semana passada, a jornalista Helena Chagas fez questão de lembrar que pautou sua gestão por critérios técnicos na repartição das verbas publicitárias oficiais. Tradução: recebem mais investimentos do governo os veículos de maior audiência, já que o objetivo da comunicação é atingir o maior número de pessoas, de maneira eficiente, para disseminar informações de interesse público. Parece lógico e inquestionável, mas não é bem assim.
Governantes e administradores públicos com o poder de gerir recursos oficiais nem sempre colocam os valores da sociedade acima dos seus próprios interesses. Na própria cúpula do governo federal, havia resistência ao trabalho de Helena Chagas, principalmente por parte de militantes petistas desejosos de usar a verba publicitária no financiamento generoso do jornalismo chapa-branca _ aquele que só publica notícias favoráveis aos seus financiadores.
Com esse propósito, uma corrente partidária luta incansavelmente pelo que chama de desconcentração dos recursos, na verdade um eufemismo para justificar a aplicação de verbas oficiais em blogs inexpressivos, que louvam o governo, têm compromisso ideológico e, em alguns casos, fazem campanhas insidiosas contra os opositores. Por isso, há uma expectativa muito grande em relação ao novo ministro da Secom, Thomas Traumann, historicamente alinhado ao movimento que defende uma suposta regulamentação da mídia _ outra disfarçada tentativa de controlar os conteúdos jornalísticos.
Num ano eleitoral, é sempre maior o risco de ideologização de um órgão importante e influente como a Secom _ embora a presidente Dilma venha resistindo bravamente ao uso de tais expedientes na sua administração. Ainda assim, a troca de comando na Secretaria deixa em alerta quem realmente se preocupa com a liberdade de expressão.
Abuso parlamentar - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 04/02
Senadores pedem reembolso por despesas injustificáveis; situação precisa ser examinada pela corregedoria e pelo Ministério Público
Por certo muita coisa mudou a partir de 2009, quando ação judicial desta Folha levou o Legislativo a divulgar as notas fiscais usadas pelos parlamentares para justificar pedidos de reembolso de despesas supostamente relacionadas ao exercício do mandato.
Imaginava-se, com bons motivos, que a transparência na prestação de contas do Congresso daria cabo dos abusos escondidos sob a rubrica da chamada verba indenizatória. Uma vez aberta a caixa-preta, os parlamentares pensariam duas vezes antes de usar recursos públicos como se privados fossem.
Parece inegável que, como regra, isso aconteceu. Mas tampouco se nega que a desfaçatez de alguns senadores não conhece limites.
Durante o ano passado, o Senado desembolsou R$ 23,2 milhões para ressarcir os 81 membros da Casa de gastos com passagens aéreas, aluguel de escritório, alimentação, combustível e produção de material para divulgação do mandato.
Faturas relativas a esses itens são descontadas de uma cota a que cada senador tem direito. O montante individual varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil por mês, a depender do Estado de origem do congressista.
Já seria fácil questionar tal fundo em proveito de políticos besuntados em regalias. Além do salário de R$ 26,7 mil, cada senador tem direito a cerca de R$ 80 mil para contratar assessores, R$ 3.800 de auxílio-moradia (ou apartamento funcional), reembolso de despesas médicas, carro com motorista e quase dois meses de férias.
Não satisfeitos com tantas benesses, alguns parlamentares se julgam no direito de escarnecer do contribuinte que os sustenta. É isso o que, no fundo, fazem os senadores listados em reportagem publicada por esta Folha no domingo.
Entre outros, personagens bastante conhecidos como Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTB-AL) consideram que podem apresentar notas fiscais suspeitas --para dizer o mínimo-- e ainda por cima se eximirem de dar explicações quando questionados.
O senador do Pará, por exemplo, recolheu R$ 185 mil para criar e manter sua página pessoal na internet, um serviço que seus colegas contrataram por R$ 15 mil, em média --e esse preço é pelo menos 50% maior que o de orçamentos recebidos pela reportagem.
Collor, por sua vez, diz ter usado R$ 230 mil em segurança privada, mas, como ex-presidente, já tem à disposição quatro militares para essa finalidade.
Entende-se que tenham preferido o silêncio. Justificar tais dispêndios não seria tarefa fácil. Bem mais difícil, sem dúvida, da que a Corregedoria do Senado e o Ministério Público têm diante de si.
Senadores pedem reembolso por despesas injustificáveis; situação precisa ser examinada pela corregedoria e pelo Ministério Público
Por certo muita coisa mudou a partir de 2009, quando ação judicial desta Folha levou o Legislativo a divulgar as notas fiscais usadas pelos parlamentares para justificar pedidos de reembolso de despesas supostamente relacionadas ao exercício do mandato.
Imaginava-se, com bons motivos, que a transparência na prestação de contas do Congresso daria cabo dos abusos escondidos sob a rubrica da chamada verba indenizatória. Uma vez aberta a caixa-preta, os parlamentares pensariam duas vezes antes de usar recursos públicos como se privados fossem.
Parece inegável que, como regra, isso aconteceu. Mas tampouco se nega que a desfaçatez de alguns senadores não conhece limites.
Durante o ano passado, o Senado desembolsou R$ 23,2 milhões para ressarcir os 81 membros da Casa de gastos com passagens aéreas, aluguel de escritório, alimentação, combustível e produção de material para divulgação do mandato.
Faturas relativas a esses itens são descontadas de uma cota a que cada senador tem direito. O montante individual varia de R$ 21 mil a R$ 44 mil por mês, a depender do Estado de origem do congressista.
Já seria fácil questionar tal fundo em proveito de políticos besuntados em regalias. Além do salário de R$ 26,7 mil, cada senador tem direito a cerca de R$ 80 mil para contratar assessores, R$ 3.800 de auxílio-moradia (ou apartamento funcional), reembolso de despesas médicas, carro com motorista e quase dois meses de férias.
Não satisfeitos com tantas benesses, alguns parlamentares se julgam no direito de escarnecer do contribuinte que os sustenta. É isso o que, no fundo, fazem os senadores listados em reportagem publicada por esta Folha no domingo.
Entre outros, personagens bastante conhecidos como Jader Barbalho (PMDB-PA) e o ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (PTB-AL) consideram que podem apresentar notas fiscais suspeitas --para dizer o mínimo-- e ainda por cima se eximirem de dar explicações quando questionados.
O senador do Pará, por exemplo, recolheu R$ 185 mil para criar e manter sua página pessoal na internet, um serviço que seus colegas contrataram por R$ 15 mil, em média --e esse preço é pelo menos 50% maior que o de orçamentos recebidos pela reportagem.
Collor, por sua vez, diz ter usado R$ 230 mil em segurança privada, mas, como ex-presidente, já tem à disposição quatro militares para essa finalidade.
Entende-se que tenham preferido o silêncio. Justificar tais dispêndios não seria tarefa fácil. Bem mais difícil, sem dúvida, da que a Corregedoria do Senado e o Ministério Público têm diante de si.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
“Vamos priorizar o ‘rolezinho’ legislativo”
Renan Calheiros, presidente do Senado, brincando com os “rolezinhos” de verdade
ITAÚ CRITICA CONTAS, MAS NÃO QUER PAGAR IMPOSTO
O banco Itaú foi ao Fórum de Davos e alertou sobre a fragilidade das contas do governo. De volta ao Brasil, não cumpre sua parte para ajudar o País a resolver seu problema de caixa: anunciou que vai recorrer da multa de R$ 18 bilhões aplicada pela Receita Federal por não pagar impostos devidos na compra do Unibanco, há cinco anos. Desde a operação, o Itaú acumula lucro que já supera R$ 62 bilhões.
TEM MAIS
Nesta terça-feira (4), ao anunciar o lucro do quarto trimestre de 2013, o total dos ganhos do Itaú deve pular para R$ 65 bilhões.
QUE AMBIENTE...
Substituto de Aloizio Mercadante no MEC, o petista José Paim – réu por improbidade – foi o mais aplaudido durante as posses no Planalto.
PESO NA CONVENÇÃO
Sob ameaça constante de levar do PT “bola nas costas”, diretórios do PMDB se rebelam no Paraná, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Sul.
ELOGIO À SUJEIRA
O governo petista do Distrito Federal reluta em acabar com o favelão de adoradores de mensaleiros acampados há meses no estacionamento do STF.
‘TARTARUGA’ DESAFIA JUSTIÇA E DÁ ESPAÇO AO CRIME
Policiais militares desafiam a Justiça, que ordenou o fim da “operação tartaruga” no Distrito Federal, mesmo sob ameaça de multa diária de R$ 100 mil para suas entidades. Somente o final de semana, treze assassinatos ocorreram no DF, autorizados pelo corpo mole da PM. À meia-noite de ontem, uma viatura da PM obedeceu à placa de 40km/h, na pista de saída do aeroporto de Brasília, deixando que seguisse sem proteção comitiva da Costa do Marfim que acabara de desembarcar.
SEM OBRIGAÇÃO
Oficialmente, a Polícia Militar pôs panos quentes, alegando que não tinha obrigação de fazer a segurança da comitiva. Ah, bom!
TUDO BEM
Houve alívio no Itamaraty: a comitiva da Costa do Marfim chegou em segurança. Um incidente internacional daria visibilidade ao motim.
PLANTANDO, DÁ
Ervas daninhas devem estar atacando os jardins da Presidência da República, que gastou R$ 52,8 mil em herbicidas.
SCRIPT ENSAIADO
Antes de se reunir com a presidente Dilma para tratar de reforma ministerial, o vice Michel Temer almoçou ontem com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), no Palácio do Jaburu.
CLIMÃO
Presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa não trocou uma palavra com o vice da Câmara, André Vargas (PT-PR), ao lado de quem ficou sentado na leitura da mensagem de Dilma ao Congresso.
CONVERSA PARALELA
A interminável leitura da mensagem da presidente Dilma ao Congresso pelo jeito não empolgou em nada parlamentares. Além de esvaziado, o evento mais serviu para os poucos presentes colocarem o papo em dia.
APELAÇÃO
Para tentar sair do charco onde se meteu, sob denúncias de corrupção, o dono do PDT, Carlos Lupi, ressuscitou nos comerciais do partido, na TV, o fundador Leonel Brizola, que ele havia “deletado” do pedetismo.
BRIGA POR TÍTULOS
A bancada do PT na Câmara dos Deputados tenta emplacar o deputado José Guimarães (CE) na liderança do governo no Congresso em lugar de José Pimentel (CE), que ambiciona a liderança do PT no Senado.
DANÇA DAS CADEIRAS
Após ocupar o lugar de Helena Chagas na Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o novo ministro Thomas Traumann deverá trocar o secretário de imprensa, José Ramos, e seu adjunto Ênio Vieira.
REFORMA MINISTERIAL
Diante de frenesi no PMDB, o vice Michel Temer reuniu no Jaburu no domingo: ministro Moreira Franco (Aviação) e senadores Romero Jucá (RR), Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros e Eunicio Oliveira (CE).
DESPEDIDA
O suplente Sérgio de Souza (PMDB-PR) fez questão de comparecer ontem a sua última sessão como parlamentar em 2014: a petista Gleisi Hoffmann, que deixou Casa Civil, reassumirá sua cadeira no Senado.
PENSANDO BEM...
...além dos três empossados ontem, Dilma terá um super-ministro oculto: Rolando Lero, para empurrar o governo com a barriga.
PODER SEM PUDOR
A GRAÇA DE XINGAR
Robson Marinho era prefeito de São José dos Campos (SP) e estava num clube quando, de repente, um homem começou a gritar para ele: "Ladrão! Ladrão!". Marinho reagiu também gritos: "Ladrão! Ladrão!". Um assessor do prefeito não se conteve e aplicou um corretivo no provocador. Mas, para sua surpresa, em vez de elogios, tomou uma bronca do chefe:
- Como você pôde fazer isso com o meu melhor parceiro de truco?!
Quem conhece, sabe: a graça do truco - aliás, o jogo favorito do ex-presidente Lula, na intimidade - é blefar e xingar o adversário.
Renan Calheiros, presidente do Senado, brincando com os “rolezinhos” de verdade
ITAÚ CRITICA CONTAS, MAS NÃO QUER PAGAR IMPOSTO
O banco Itaú foi ao Fórum de Davos e alertou sobre a fragilidade das contas do governo. De volta ao Brasil, não cumpre sua parte para ajudar o País a resolver seu problema de caixa: anunciou que vai recorrer da multa de R$ 18 bilhões aplicada pela Receita Federal por não pagar impostos devidos na compra do Unibanco, há cinco anos. Desde a operação, o Itaú acumula lucro que já supera R$ 62 bilhões.
TEM MAIS
Nesta terça-feira (4), ao anunciar o lucro do quarto trimestre de 2013, o total dos ganhos do Itaú deve pular para R$ 65 bilhões.
QUE AMBIENTE...
Substituto de Aloizio Mercadante no MEC, o petista José Paim – réu por improbidade – foi o mais aplaudido durante as posses no Planalto.
PESO NA CONVENÇÃO
Sob ameaça constante de levar do PT “bola nas costas”, diretórios do PMDB se rebelam no Paraná, Paraíba, Bahia e Rio Grande do Sul.
ELOGIO À SUJEIRA
O governo petista do Distrito Federal reluta em acabar com o favelão de adoradores de mensaleiros acampados há meses no estacionamento do STF.
‘TARTARUGA’ DESAFIA JUSTIÇA E DÁ ESPAÇO AO CRIME
Policiais militares desafiam a Justiça, que ordenou o fim da “operação tartaruga” no Distrito Federal, mesmo sob ameaça de multa diária de R$ 100 mil para suas entidades. Somente o final de semana, treze assassinatos ocorreram no DF, autorizados pelo corpo mole da PM. À meia-noite de ontem, uma viatura da PM obedeceu à placa de 40km/h, na pista de saída do aeroporto de Brasília, deixando que seguisse sem proteção comitiva da Costa do Marfim que acabara de desembarcar.
SEM OBRIGAÇÃO
Oficialmente, a Polícia Militar pôs panos quentes, alegando que não tinha obrigação de fazer a segurança da comitiva. Ah, bom!
TUDO BEM
Houve alívio no Itamaraty: a comitiva da Costa do Marfim chegou em segurança. Um incidente internacional daria visibilidade ao motim.
PLANTANDO, DÁ
Ervas daninhas devem estar atacando os jardins da Presidência da República, que gastou R$ 52,8 mil em herbicidas.
SCRIPT ENSAIADO
Antes de se reunir com a presidente Dilma para tratar de reforma ministerial, o vice Michel Temer almoçou ontem com o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), no Palácio do Jaburu.
CLIMÃO
Presidente do STF e relator do mensalão, Joaquim Barbosa não trocou uma palavra com o vice da Câmara, André Vargas (PT-PR), ao lado de quem ficou sentado na leitura da mensagem de Dilma ao Congresso.
CONVERSA PARALELA
A interminável leitura da mensagem da presidente Dilma ao Congresso pelo jeito não empolgou em nada parlamentares. Além de esvaziado, o evento mais serviu para os poucos presentes colocarem o papo em dia.
APELAÇÃO
Para tentar sair do charco onde se meteu, sob denúncias de corrupção, o dono do PDT, Carlos Lupi, ressuscitou nos comerciais do partido, na TV, o fundador Leonel Brizola, que ele havia “deletado” do pedetismo.
BRIGA POR TÍTULOS
A bancada do PT na Câmara dos Deputados tenta emplacar o deputado José Guimarães (CE) na liderança do governo no Congresso em lugar de José Pimentel (CE), que ambiciona a liderança do PT no Senado.
DANÇA DAS CADEIRAS
Após ocupar o lugar de Helena Chagas na Secretaria de Comunicação Social da Presidência, o novo ministro Thomas Traumann deverá trocar o secretário de imprensa, José Ramos, e seu adjunto Ênio Vieira.
REFORMA MINISTERIAL
Diante de frenesi no PMDB, o vice Michel Temer reuniu no Jaburu no domingo: ministro Moreira Franco (Aviação) e senadores Romero Jucá (RR), Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros e Eunicio Oliveira (CE).
DESPEDIDA
O suplente Sérgio de Souza (PMDB-PR) fez questão de comparecer ontem a sua última sessão como parlamentar em 2014: a petista Gleisi Hoffmann, que deixou Casa Civil, reassumirá sua cadeira no Senado.
PENSANDO BEM...
...além dos três empossados ontem, Dilma terá um super-ministro oculto: Rolando Lero, para empurrar o governo com a barriga.
PODER SEM PUDOR
A GRAÇA DE XINGAR
Robson Marinho era prefeito de São José dos Campos (SP) e estava num clube quando, de repente, um homem começou a gritar para ele: "Ladrão! Ladrão!". Marinho reagiu também gritos: "Ladrão! Ladrão!". Um assessor do prefeito não se conteve e aplicou um corretivo no provocador. Mas, para sua surpresa, em vez de elogios, tomou uma bronca do chefe:
- Como você pôde fazer isso com o meu melhor parceiro de truco?!
Quem conhece, sabe: a graça do truco - aliás, o jogo favorito do ex-presidente Lula, na intimidade - é blefar e xingar o adversário.
TERÇA NOS JORNAIS
- Globo: Polícia reage e monta megaofensiva contra o crime
- Folha: Em meio à tensão mundial, Dilma vê economia no rumo
- O Estadão: Dilma dá tom eleitoral a despedida de ministros
- Correio: Por Pedrinho, por Leo, pela paz, pela vida
- Estado de Minas: Vereadores adiam fim de verba indenizatória
- Jornal do Commercio: Tudo parado de Norte a Sul
- Zero Hora: Mau humor global pressiona dólar e faz a bolsa despencar
- Brasil Econômico: Dilma promete ano melhor do que 2013
segunda-feira, fevereiro 03, 2014
Da escassez à escassez - J. R. GUZZO
REVISTA EXAME
Na sua primeira viagem a Davos, para o grande evento internacional feito anualmente entre chefes de Estado, comandantes das maiores empresas do mundo, prêmios Nobel e daí para cima, a presidente Dilma Rousseff teve mais uma oportunidade de desvendar, para benefício do mundo (e dos brasileiros), o que passa por sua cabeça, neste momento, a respeito da seguinte questão: afinal, ela já chegou ou não, após três anos de governo, a alguma conclusão sobre o que pretende fazer com a economia? E, caso tenha chegado, pretende fazer o quê? Respostas com um mínimo de clareza e objetividade talvez sejam mais úteis do que se pensa. Sim, o país já cansou de dar atenção ou crédito a qualquer coisa que venha desse pesqueiro. Mas, na vida como ela é, o fato é que Dilma tem ainda um ano inteiro de mandato pela frente e, possivelmente, mais quatro a partir de 2015 — se o marqueteiro-mor João Santana, o homem mais competente do governo nos últimos anos, acertar de novo a mão na embalagem da candidata, e se o Tesouro Nacional investir na campanha as somas de dinheiro espantosas das quais se fala por aí. Junte a isso a força de seu padroeiro, o ex-presidente Lula — e o resultado é uma concorrente difícil de ser batida em qualquer circunstância, como vêm indicando as pesquisas. Mais cinco anos seguidos de Dilma, então? E um monte de tempo, pensando bem. Naturalmente, isso se saberá com certeza na hora adequada, mas a presidente daria desde já uma bela ajuda a todo mundo se conseguisse enfim explicar, de forma compreensível, coerente e realista, o que quer. E só isso: o que ela quer?
Não tem sido fácil, por mais que se preste atenção nas falas de Dilma, descobrir a lógica, a qualidade e a eficácia de suas decisões. Na verdade, a presidente não chega a ter propriamente uma política econômica — tem, no lugar onde deveria haver um projeto, uma mistura de desejos, crenças e opiniões a respeito de como a economia precisaria estar funcionando no Brasil e no mundo. Não é uma caminhada em linha reta. Seu pensamento vive embaralhado por números inúteis, fé em teorias de fracasso comprovado e uma enorme dificuldade de executar as próprias decisões — nada ou quase nada do que manda fazer é feito, levado a sério ou possível de ser executado na vida prática.
Parte disso é causada por algo simples e ao mesmo tempo triste: a falta de ideias e a resistência da presidente a estudar, ou sequer a considerar, qualquer ideia que não combine com as suas. E curioso: pela lei da oferta e procura, a Presidência da República deveria estar com fome e sede de ideias novas, produto em falta extrema em seu ambiente. Mas acontece o contrário: é um desses casos em que a escassez gera escassez.
A questão é agravada, é claro, pela opção da presidente em formar e manter há três anos um dos piores ministérios que o Brasil jamais teve. Não será daí, é óbvio, que sairão as ideias criativas, as transformações e as obras das quais o Brasil tanto precisa. O lendário comunicador americano David Ogilvy tinha um conselho-chave para todo indivíduo encarregado de administrar alguma coisa: se formarmos uma equipe com pessoas maiores do que nós, seremos uma empresa de gigantes. Dilma faz exatamente o contrário. Por questões de insegurança, cercou-se sempre de gente menor do que ela, jamais admitiu um ministro com capacidade para discutir qualquer de suas decisões e decidiu que a principal virtude de um colaborador é a mediocridade; pessoas assim concordam com tudo e nunca dão trabalho. Em compensação, nunca produzem nada de útil. O resultado é que a presidente formou um ministério de pigmeus.
Mais cinco anos assim? E bom estar preparado para tudo.
Isso pode? - RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
1. Dilma mentiu bobamente. Flagrada com sua equipe em 45 suítes milionárias em Lisboa, mandou dizer que era uma escala inesperada na volta de Davos, devido à meteorologia. Mas não. A agenda estava definida desde a semana anterior, e o restaurante foi visitado por gente da Dilma na véspera. "Paguei a minha conta", afirmou a presidente. Os brasileiros não conseguem ter acesso à caixa- preta dos cartões corporativos. Tem problema o passeio? Não. Mas mentir não pode. O incidente apressou a saída da ministra Helena Chagas, da Comunicação Social. Dilma quer "melhorar relação com a mídia". O culpado foi o mensageiro. Isso pode?
2. Eduardo Campos, pré-candidato à Presidência pelo PSB, usou a estrutura do governo de Pernambuco para divulgar, com touquinha e roupa de médico, o nascimento de seu quinto filho, em e-mail e redes sociais oficiais. Campos também anunciou que o bebê, Miguel, tem síndrome de Down. As fotos foram logo retiradas do site institucional do governo. Campos chamou de "equívoco". Ninguém constatou a impropriedade antes do tempo?
3. O Ministério do Trabalho aumentou em 149% - mais do que duplicou - os registros de sindicatos no ano passado em relação a 2012. Foi um "mutirão", segundo o ministro Manoel Dias (PDT). Um país que cria uma casta de sindicatos, com favores e benefícios, não vai no bom caminho. A empresária de transportes Ana Maria Aquino afirma ter entregado R$ 200 mil ao ex-ministro do Trabalho Carlos Lupi. Ou essa empresária é louca varrida ou é preciso levar a investigação até o fim. Ela deu detalhes e disse ter levado o dinheiro pessoalmente ao gabinete de Lupi para acelerar o registro de um sindicato em Pernambuco. Lupi negou e chamou a acusação de "surreal".
4. O Brasil continua sendo um dos dez países com maior número absoluto de analfabetos no mundo. Em 2012, tínhamos 13,1 milhões de jovens e adultos analfabetos, 8,7% da população nessa faixa etária. Isso não pode mesmo.
5. O Brasil fiscaliza agrotóxico em apenas 13 alimentos. Estados Unidos e Europa analisam 300 tipos de alimentos por ano, incluindo os industrializados. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A fiscalização é falha. Dos 50 defensivos mais usados em nossas lavouras, 22 são proibidos na União Europeia. Isso pode?
6. Todo dia, em média, oito ônibus são incendiados ou depredados nas grandes cidades do Brasil. É no ônibus que se despeja a ira contra qualquer coisa - de aumentos de passagens a balas perdidas, falta de passarelas, mortes de jovens, condições de presídios, descaso com saneamento. Vandalizar os ônibus não é protesto legítimo. Isso não pode.
7. Um caminhão com a caçamba levantada derrubou passarela na Linha Amarela, no Rio de Janeiro, matou e feriu. O motorista falava ao celular, trafegava em horário proibido e acima da velocidade permitida – como tantos, sem controle até uma tragédia acontecer. Passarelas deveriam ser mais resistentes, diante da burrice e da irresponsabilidade humanas. Nada disso pode.
8. Mais da metade dos projetos da Olimpíada ainda não tem orçamento definido: só 24 dos 52 empreendimentos chegaram à fase da licitação, a dois anos dos Jogos. Isso pode?
9. Neymar recebeu € 10 milhões (R$ 32,7 milhões) do Barcelona mais de um mês antes da final do Mundial de clubes entre Santos e o time catalão, em 2011. Quem recebeu a grana foi a empresa do pai de Neymar. O Santos perdeu a final de 4 a 0. Neymar poderia ter entrado em campo? Por um ano e meio, Neymar jogou pelo Santos já comprometido com o Barcelona. A falta de transparência e as aparentes irregularidades no contrato derrubaram o presidente do Barça, Sandro Roseli. E, no Brasil – isso pode?
10. O deputado federal Romário foi anunciado como garoto-propaganda de uma marca de cerveja, Devassa, no Carnaval. Não se sabe se a escolha foi resultado de sua foto de mãos dadas com uma transexual operada. A morena não importa. Deputado federal pode fazer propaganda de cerveja? No Brasil, pode...
Aqui pode tudo!
A tragédia e a comédia na campanha eleitoral - EUGÊNIO BUCCI
REVISTA ÉPOCA
A protagonista, claro, é Dilma Rousseff. Do alto de um sorriso que faz a delícia dos caricaturistas, a presidente lembra a Mônica das revistinhas de Mauricio de Sousa. Dilma é a Mônica que cresceu, virou gente grande e manteve os dentinhos. Quando fica brava, empunha seu coelhinho pelas orelhas e ameaça atirá-lo no interlocutor. O coelhinho é Guido Mantega, Mercadante ou quem estiver à mão.
Os antagonistas são dois. Aécio Neves, com seu sorriso eleitoreiro, tão branco quanto uma porta de geladeira, ainda não levou nenhuma coelhada contundente. É o ex-menino do Rio que gosta de usar gravata. Quando fica bravo, ninguém acha que fala sério - no caso de Aécio, uma grande vantagem. Quanto a Eduardo Campos, seu sorriso é um par de olhos azuis. Como em terra de cego quem tem olho azul é governador de alta popularidade, Campos tem passado incólume aos coelhos que voam. A toda hora, irrita a protagonista, mas sabe desconcertá-la. Quando fica bravo, amansa bem rápido - não brigará com possíveis aliados de segundo turno, que podem ser uns quaisquer ou qualquer uma.
Se a campanha eleitoral for mesmo uma encenação picaresca, ganhará quem souber trafegar no meio do circo sem exagerar na palhaçada. No picadeiro, o palhaço é indispensável, mas nunca é o herói. Sairá vencedor aquele que conviver bem com as piadas sem sucumbir a elas. O vitorioso poderá ser qualquer um dos três, embora a protagonista comece o espetáculo desfrutando indiscutível favoritismo.
A corrida presidencial também poderá rolar como espetáculo trágico. Aí, ganhará no final aquele que não morrer no meio, quer dizer, aquele que não se estatelar no ridículo ou no descrédito total, aquele (ou aquela) que não se queimar completamente.
Elementos que prenunciam a tragédia não faltam. Se o Brasil perder a Copa, teremos a possibilidade de enredo menos picaresco. Se os canarinhos forem mal, a narrativa política ganhará doses pesadas de frustração, mágoa, ressentimento, raiva e, quem sabe, revolta. É bom ficar atento a isso (os marqueteiros não pensam em outra coisa).
Em 2014, o palanque eleitoral será o desdobramento dos estádios de futebol. Mais ainda: será o prolongamento das ruas ocupadas pelos torcedores que não têm dinheiro para comprar ingressos. As eleições, portanto, devem vibrar na mesma frequência do final da Copa. O humor nacional estará nessa frequência.
A Copa e as eleições serão apresentadas na linguagem do entretenimento. Na mesma TV que mostrará os jogos, os candidatos aparecerão pedindo votos, embalados por musiquinhas melosas, com pose de gente boazinha, patriótica, abnegada. A mesma exaltação ufanista que embalará o show futebolístico estará presente no horário eleitoral, inteiramente moldado pela escola da melhor e da pior publicidade. Os chavões de Brasil grande, Brasil acolhedor, Brasil ecumênico, Brasil pacífico e Brasil feliz abarrotarão os pronunciamentos iniciais dos partidos. Agora, se a Seleção fracassar, se der vexame, bem, o roteiro terá de ser outro. Principalmente para quem é da situação. Vai ser interessante.
Não é só. Uma derrota no gramado será fichinha perto de um horizonte ainda mais tenso: o crescimento dos protestos de rua. Se as manifestações ficarem mais volumosas do que estão agora (elas estão voltando às praças públicas), aí, sim, poderemos nos despedir das esperanças de uma reles comédia eleitoral. Se a campanha presidencial tiver de conviver com multidões nas ruas, não apenas para bater palmas para a protagonista e seus dois antagonistas, mas para protestar contra a gastança de dinheiro público nos estádios, contra as mazelas da educação, contra a selva-geria da tropa de choque, contra o descalabro da saúde pública e contra a roubalheira generalizada, o bicho vai pegar. O debate nacional terá menos efeitos especiais, menos musiquinhas idiotinhas e mais gosto de tragédia. Terá, talvez, um pouco mais de autenticidade.
Não que alguém aqui esteja torcendo para o Brasil perder a Copa. Essa torcida virá depois, talvez. Por ora, basta torcer por uma campanha eleitoral menos maquiada. Às vezes um destino trágico é o destino de quem tem um encontro marcado com sua verdade, sem esconder nada. Pense bem: esse encontro não faria mal ao Brasil.
CARTA AO LEITOR - REVISTA VEJA
REVISTA VEJA
Depois de uma controversa escala em Portugal, Dilma voou para Cuba, onde confraternizou com a gerontocracia comunista. Uma reportagem desta edição de VEJA mostra como a emissão desses sinais desconexos prejudica a imagem do Brasil, que nada tem a ganhar com a presença de Dilma na inauguração de um porto cubano feito, sob contrato secreto, com dinheiro dos contribuintes brasileiros. Muito dinheiro: 682 milhões de dólares. Isso tudo depois que a Sunrise, a maior trading de importação da China, anunciou o cancelamento da importação de 2 milhões de toneladas de soja do Brasil por causa de atrasos provocados pelo congestionamento no embarque em nossos portos. São fatos tão desastrosos que até a sonolenta oposição brasileira se sentiu revigorada. O senador Aécio Neves resumiu a situação: "Finalmente a presidente Dilma inaugurou sua primeira grande obra. Pena que não foi no Brasil".
Antes se dizia, com metáfora gasta, mas válida, que o Brasil deveria deixar de querer ser o primeiro vagão do Terceiro Mundo para se concentrar em ser o último do Primeiro Mundo. Por ofensiva, essa divisão hierárquica do planeta com base na renda per capita caiu em desuso. Mas, no que diz respeito ao Brasil, é melancólico constatar que o governo não demonstra interesse em nos engajar no grupo das nações industrializadas e competitivas. Somos percebidos hoje como um país de menor potencial do que a Colômbia, o Chile, o México e até o Peru.
O contraste mais marcante entre o Brasil e esses novos tigres latino-americanos não está apenas no desempenho econômico. A diferença não é de grau. É de natureza. Colômbia, Chile, México e Peru, sejam seus presidentes mais à direita ou mais à esquerda, pouco importa, abandonaram a pesada carga de atraso que historicamente carregavam para se inserir na corrente civilizatória baseada na economia de mercado como o grande motor do desenvolvimento. O governo brasileiro, no entanto, insiste em flertar com o abismo.
A economia nas mãos do STF - MAILSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
Somos o único país onde perdas inflacionárias, reais ou fictícias, puderam ser formalmente estimadas. Essa é a pior herança do processo de indexação generalizada de preços, salários e contratos à inflação passada. Tudo começou em 1964, no esforço para restaurar a confiança no Tesouro Nacional — incluindo sua capacidade de financiar-se sem emitir dinheiro — e para incentivar as famílias a poupar. O Tesouro precisava ainda evitar a corrosão inflacionária das suas receitas. O setor público era, como hoje, a fonte básica das pressões inflacionárias. Tais objetivos foram alcançados mediante a criação das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs) — cuja variação se aplicava aos tributos em atraso — e de cadernetas de poupança com correção monetária.
Mesmo assim, a inflação permaneceu alta. Levou nove anos para baixar de 92,1% (1964) para 15,5% (1973). Por isso, a indexação começou a se espalhar pelos contratos e preços. A inflação voltou a subir (34,5% em 1974), impulsionada adicionalmente pela quadruplicação do preço do petróleo. A indexação se ampliou. Em 1979, os salários passaram a ser reajustados semestralmente pela inflação passada. Quanto mais curto o período de indexação, mais a inflação se acelerava. Saltou para três dígitos em 1980 e não parou de subir. Atingiu quatro dígitos em 1988. Instalou-se de vez a "inércia inflacionária", pela qual a inflação de hoje influenciava a de amanhã, e assim sucessivamente. O déficit público e a expansão monetária aceleravam o processo.
Esse tipo de inflação não podia ser vencido de forma convencional, via controle de gastos públicos e alta da taxa de juros. A quebra da inércia exigiria um nível de recessão e desemprego que seria social e politicamente insustentável. Havia que encontrar uma forma de eliminar a indexação. O congelamento de preços, salários e contratos pareceu então o mais adequado, proibindo-se reajustes com base na inflação passada em intervalo inferior a um ano. Foram cinco tentativas malsucedidas entre 1986 e 1991.
A característica básica dos planos era a queda brusca da inflação, o que exigia lidar com seus respectivos efeitos. Aluguéis, cadernetas de poupança, salários e outros contratos não podiam ser reajustados pela inflação do mês anterior para evitar a transferência de renda entre grupos. Buscou-se, assim, a maior neutralidade possível em termos distributivos. A sensação, infelizmente, foi quase sempre a de perdas de um grupo para outro: do locador para o locatário, da caderneta de poupança para os bancos, dos assalariados para as empresas, e assim por diante.
Vários estudos provam que não existiram perdas, menos ainda para as cadernetas de poupança. Mesmo aceitando-se que elas tivessem sido corrigidas abaixo da inflação, não se poderia dizer que os bancos lucraram com isso. Bancos são como supermercados, que compram mercadorias de um lado e vendem de outro. Eles recebem depósitos dos que dispõem de recursos e os emprestam a quem deles precisa. Ganham na diferença de taxas de juros. Seus empréstimos imobiliários foram reajustados pelo mesmo índice das cadernetas. Logo, se houvesse ganhadores. estes seriam os devedores, e não os bancos.
Se o STF acolher o pedido dos depositantes, os bancos perderão cerca de 150 bilhões de reais, conforme estimativas confiáveis, inclusive do governo. Em algum momento esse custo será transferido ao Tesouro, isto é, à sociedade. Os bancos estatais — que detêm mais da metade das cadernetas — teriam de ser capitalizados. Os bancos privados reivindicariam indenização, pois foi o governo, com a aprovação do Congresso, que fixou os índices de correção. A descapitalização acarretaria forte contração de crédito, pois os bancos somente podem emprestar um múltiplo dos recursos próprios. Haveria redução drástica da atividade econômica e do emprego. A confiança na economia despencaria.
Se o STF não considerar as realidades do caso. poderá contribuir para um desastre econômico e social de graves dimensões.
Rolezinho em Lisboa - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA
O caso de Dilma é intrigante. O Palácio do Planalto escondeu que, entre os compromissos oficiais na Suíça e em Cuba, a presidente e sua portentosa comitiva fariam escala de algumas horas em Portugal. Quando a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo flagrou a brasileirada em Lisboa, o chanceler Luiz Alberto Figueiredo explicou (ou foi constrangido a explicar) que se tratou de decisão de última hora, tomada no próprio dia da partida. Os mesmos repórteres do Estado apuraram, no entanto, que desde dois dias antes o governo português fora avisado da passagem da presidente brasileira e havia sido feita a reserva no premiado restaurante onde Dilma jantaria. Ao segredo se juntava a mentira, e sobravam duas indagações. Primeira: por que o segredo? Segunda: como foi possível guardá-lo, entre os cinqüenta e tantos membros da comitiva?
Nas tentativas de resposta, tateia-se entre conjeturas. Estaria programada uma grande farra em Portugal, entre um compromisso e outro? Não, Dilma não é disso. Teria a presidente encontro com autoridades portuguesas, ou de terceiro país, para cujo sucesso o sigilo seria vital? Não, não se vislumbra na política externa brasileira item que levasse a tal necessidade. Quereria ela esconder que jantaria no Eleven, restaurante com recomendação do Guia Michelin e soberba vista para o Tejo? Ora, se Dilma e acompanhantes pagaram eles próprios a conta, cada um a sua parte, como a presidente houve por bem esclarecer de viva voz, por que escondê-lo? Ou quereria ocultar que a comitiva ocuparia 45 quartos dos nobres hotéis Ritz e Tivoli? Ora, para a missa inaugural do papa Francisco ela também se fez acompanhar de numerosa comitiva, hospedou-se no hotel Westin Excelsior Roma (que se apresenta como "um ícone da dolce vita"), e não viu razão para ocultá-lo. Por que o faria agora?
Sobraria que a presidente, notória motoqueira nas noites de Brasília, fosse possuída daquele prazer secreto das pequenas transgressões, tanto mais saborosas quando cometidas sob o risco de ser descobertas, mas... Não, não fica bem ao colunista meter-se a intérprete da alma alheia, muito menos da alma presidencial. Voltamos à estaca zero — e nela ficamos, desamparados e impotentes. Quanto a manter o segredo entre tão numerosa comitiva, imagina-se que a informação tenha sido repassada com o máximo cuidado. "Vamos para Portugal, mas não conta para ninguém." "Para Portugal?" "Psiu, fala baixo." Alguns teriam sido informados só já a bordo do avião. "Por que Portugal?" "Não sei, a chefa não explicou." "Onde ficaremos hospedados?" "No Ritz." "Oba!"
No caso do embaixador Guilherme Patriota, por sinal irmão do ex-chanceler Antônio Patriota, que por sinal é seu chefe na missão brasileira junto às Nações Unidas, a justificativa-padrão para o soberbo imóvel alugado pelo Itamaraty para seu usufruto é que os representantes brasileiros se devem apresentar condignamente no exterior. Patriota 2-, segundo apurou a Folha de S.Paulo, tem como vizinhos de bairro Woody Allen, Madonna, Bono e Al Pacino. Que faz o representante de um país remediado, cujo desafio atual é manter-se acima da linha d"água que separa os emergentes dos que submergem, em tal companhia? Em vez do pretendido respeito que o endereço possa inspirar, é mais provável que ocorra o contrário.
Não foi Dilma quem inventou as luxuriantes viagens, acompanhada por portentosas comitivas, umas e outras de fazer inveja a ditadores africanos, nem foi Patriota quem introduziu entre os diplomatas brasileiros o hábito de escolher endereços de pasmar um astro do rock. Isso não os isenta de culpa. Antes a agravam, pelo pecado da reiteração. Poupemo-nos de repisar a cantilena do mau uso dos recursos públicos. Se ao menos eles se tocassem para o ridículo de tais situações... Não se tocam.
A erva daninha - LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SP - 03/02
Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua numa cidade como SP?
Que tal nesse início de 2014 todos os motoristas de automóveis privados deixarem seus carros em casa e irem de ônibus para o trabalho e para a faculdade? Ah! Melhor ainda: levar e buscar seus filhos na escola.
Que tal tomar de assalto o busão para também terem o direito de usar as faixas de ônibus da cidade? Faixas estas que destruíram o já frágil equilíbrio do trânsito de nossa cidade.
Claro, cara-pálida, que um bom transporte coletivo é essencial para uma cidade como São Paulo. Isso nada tem a ver com essas faixas sem planejamento prévio. Quando se tem um bom transporte coletivo, as pessoas usam menos o carro. Aqui, o transporte coletivo é domínio dos mais pobres, porque eles não podem comprar carros. Quando podem, compram feito loucos. Resolver o problema do transporte coletivo nada tem a ver com espremer os carros em faixas minúsculas nas ruas.
Uma manifestação dessa traria abaixo o populismo da prefeitura com suas faixas de ônibus. Claro que os ônibus iriam explodir de gente, as filas iriam dobrar as fronteiras do Estado, as brigas para entrar no ônibus iriam ficar para a história, as pessoas iriam chegar atrasadas ao trabalho, a economia iria para o saco (mas tudo bem, porque ninguém precisa de economia, só de dogmas políticos populistas).
Zygmunt Bauman, sociólogo famoso, em um de seus clássicos, "Modernidade e Ambivalência", fala do Estado moderno como "Estado jardineiro". A característica desse tipo de Estado é decidir quem é flor e quem é erva daninha. Claro que essa discussão se dá dentro das consequências totalitárias do Estado moderno. Quanto mais "jardineiro", maior o risco de ser autoritário. Nossa prefeitura é jardineira, e os motoristas (incluindo os taxistas) são sua erva daninha.
Os motoristas viraram a erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa "pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta é playboy light.
Agora as faixas de ônibus decretaram a ilegitimidade de ter carro. Motorista de carro aqui logo será tratado a pauladas pela cidade. Mas está na moda no Brasil o uso de termos como "casa-grande e senzala" (usando de forma equivocada o conceito de Gilberto Freyre) para contaminar o país com ódio de classe (para ressuscitar o finado conceito de luta de classes) ou ódio de raças. Isso vai dar em coisa ruim muito em breve.
O ódio ao motorista virou demonstração de consciência social e ambiental --outro modismo contemporâneo. Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas logo não terão direito de andar de carro pela cidade. Nada de novo no front: os brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca.
E mais: é o próprio governo federal que estimula a compra de carros adoidado e sustenta seus índices de "sucesso" econômico na compra de carros. Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua?
Claro que a playboizada que gosta de estimular ódio social vai dizer que motorista de carro não deve ter direito nenhum porque é parte das "zelite". Mentira: a maioria dessas pessoas corre de um lado para o outro para trabalhar, estudar, levar filhos à escola e cumprir suas obrigações. E agora viraram a erva daninha da cidade.
Tudo muito bonitinho, mas os mais pobres sonham em comprar seus carros para poder levar sua mina para passear.
O Brasil sempre foi um circo. Agora, com uma nova dramaturgia cômica: inauguramos o circo com pautas sociais. As ruas de São Paulo viraram um picadeiro. E nós, os palhaços.
Desgraçadamente, a América Latina é o único continente que ainda leva a sério esse papinho de luta de classes. Somos atrasados e vamos ser sempre a vanguarda da política como circo.
Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua numa cidade como SP?
Que tal nesse início de 2014 todos os motoristas de automóveis privados deixarem seus carros em casa e irem de ônibus para o trabalho e para a faculdade? Ah! Melhor ainda: levar e buscar seus filhos na escola.
Que tal tomar de assalto o busão para também terem o direito de usar as faixas de ônibus da cidade? Faixas estas que destruíram o já frágil equilíbrio do trânsito de nossa cidade.
Claro, cara-pálida, que um bom transporte coletivo é essencial para uma cidade como São Paulo. Isso nada tem a ver com essas faixas sem planejamento prévio. Quando se tem um bom transporte coletivo, as pessoas usam menos o carro. Aqui, o transporte coletivo é domínio dos mais pobres, porque eles não podem comprar carros. Quando podem, compram feito loucos. Resolver o problema do transporte coletivo nada tem a ver com espremer os carros em faixas minúsculas nas ruas.
Uma manifestação dessa traria abaixo o populismo da prefeitura com suas faixas de ônibus. Claro que os ônibus iriam explodir de gente, as filas iriam dobrar as fronteiras do Estado, as brigas para entrar no ônibus iriam ficar para a história, as pessoas iriam chegar atrasadas ao trabalho, a economia iria para o saco (mas tudo bem, porque ninguém precisa de economia, só de dogmas políticos populistas).
Zygmunt Bauman, sociólogo famoso, em um de seus clássicos, "Modernidade e Ambivalência", fala do Estado moderno como "Estado jardineiro". A característica desse tipo de Estado é decidir quem é flor e quem é erva daninha. Claro que essa discussão se dá dentro das consequências totalitárias do Estado moderno. Quanto mais "jardineiro", maior o risco de ser autoritário. Nossa prefeitura é jardineira, e os motoristas (incluindo os taxistas) são sua erva daninha.
Os motoristas viraram a erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa "pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta é playboy light.
Agora as faixas de ônibus decretaram a ilegitimidade de ter carro. Motorista de carro aqui logo será tratado a pauladas pela cidade. Mas está na moda no Brasil o uso de termos como "casa-grande e senzala" (usando de forma equivocada o conceito de Gilberto Freyre) para contaminar o país com ódio de classe (para ressuscitar o finado conceito de luta de classes) ou ódio de raças. Isso vai dar em coisa ruim muito em breve.
O ódio ao motorista virou demonstração de consciência social e ambiental --outro modismo contemporâneo. Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas logo não terão direito de andar de carro pela cidade. Nada de novo no front: os brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca.
E mais: é o próprio governo federal que estimula a compra de carros adoidado e sustenta seus índices de "sucesso" econômico na compra de carros. Que tal parar de pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua?
Claro que a playboizada que gosta de estimular ódio social vai dizer que motorista de carro não deve ter direito nenhum porque é parte das "zelite". Mentira: a maioria dessas pessoas corre de um lado para o outro para trabalhar, estudar, levar filhos à escola e cumprir suas obrigações. E agora viraram a erva daninha da cidade.
Tudo muito bonitinho, mas os mais pobres sonham em comprar seus carros para poder levar sua mina para passear.
O Brasil sempre foi um circo. Agora, com uma nova dramaturgia cômica: inauguramos o circo com pautas sociais. As ruas de São Paulo viraram um picadeiro. E nós, os palhaços.
Desgraçadamente, a América Latina é o único continente que ainda leva a sério esse papinho de luta de classes. Somos atrasados e vamos ser sempre a vanguarda da política como circo.
Crepúsculo de machos - LÚCIA GUIMARÃES
O Estado de S.Paulo - 03/02
"Vou deixar bem claro para você. Se me tratar assim de novo, eu atiro você desta f*@#ing sacada. Você não é homem o bastante! Eu vou partir você ao meio como um menino."
Por cortesia do cinegrafista que não parou de gravar, testemunhamos a explosão de Michael Grimm, o único deputado federal que o Partido Republicano conseguiu eleger em Nova York, no Congresso atual. Depois de acordar na quarta-feira dizendo que não havia feito nada errado, o representante do bairro nova-iorquino de Staten Island sentiu os ventos desfavoráveis e telefonou para o Michael Scotto, do canal de notícias nova-iorquino New York 1, pediu desculpas e o convidou para almoçar. O que pode ter deixado o jovem repórter, que cobre o Capitólio, mais nervoso ainda. Deixemos de lado o peso da palavra "boy", que, nos Estados Unidos, tem várias conotações, inclusive a usada por brancos para implicar inferioridade racial.
O incidente aconteceu logo depois do discurso de Barack Obama sobre o Estado da União e, no final da entrevista sobre o discurso, Scotto perguntou sobre a investigação federal acerca da campanha do deputado. Uma correligionária sua já foi presa, acusada de fraude eleitoral. Grimm se afastou sem responder mas voltou para ameaçar o repórter, segundos depois.
A avaliação de Grimm sobre a insuficiência de virilidade do repórter está longe de ser uma anomalia. É só dar um rolezinho pelos canais que exibem reality shows americanos para constatar que a definição neandertal do que constitui um homem está viva e dando lucro para anunciantes.
Escrevo no fim de semana do maior e mais rico evento esportivo dos Estados Unidos. O Super Bowl celebra um esporte que 40% dos pais americanos não querem ver seus filhos praticar. Até Barack Obama, pai de duas meninas, deixou claro que considera o esporte perigoso demais. A audiência esperada para a transmissão final entre os Denver Broncos e os Seattle Seahawks era de mais de 100 milhões, um terço da população do país. Está sendo ancorada por ex-jogadores que também denunciam os traumas cranianos epidêmicos no esporte. Um dos mais idolatrados quarterbacks da história do esporte, Joe Namath, 70 anos, com sua bagagem de ferimentos e concussões cerebrais, deu uma entrevista à CBS na manhã da final, dizendo: "Nenhuma parte do nosso corpo foi feita para jogar este futebol."
Há décadas que a NFL, a liga milhardária de futebol americano, tem conhecimento médico suficiente para compreender as consequências do esporte. No ano passado, concordou em reservar mais de US$ 700 milhões para um fundo de compensação de ex-jogadores. Mas, não é apenas o interesse econômico de uma liga que atrasou o despertar da consciência do público para o esporte. O futebol americano é indissociável da definição de homem difundida por gente como o deputado Michael Grimm.
Há alguma justiça poética no fato de que a final do Super Bowl, ontem à noite, foi no estado de Nova Jersey, epicentro atual de um escândalo envolvendo machos alfas da política americana. São, de fato, vários escândalos em torno do governador Chris Christie, mas o primeiro e mais conhecido no exterior é o Bridgegate. Em setembro, a mais movimentada ponte do continente, a George Washington Bridge, entre Manhattan e Nova Jersey, teve parte de suas pistas bloqueadas numa vendeta política ainda mal explicada e um engarrafamento monstro paralisou a área durante quatro dias. A cada nova revelação sobre os métodos de Christie, os comediantes encontram novo material para fazer piadas sobre a truculência estilo Tony Soprano.
O que nos faz lembrar: no debate da testosterona, democratas como Barack Obama são maricas e Chris Christie é o cabra macho. Cito um âncora conservador que veio em socorro de Christie logo depois da revelação do Bridgegate: "Devo dizer que, nesta atmosfera de feminização que existe hoje, os caras masculinos e musculares em sua conduta privada, os caras da velha guarda, estão sob risco."
Certo. Arriscar a vida de uma criança desaparecida porque o carro de polícia está preso na ponte ou chegar tarde demais para atender a idosa que teve um enfarte porque a ambulância também não consegue passar são ações justificadas em nome da preservação dos "caras da velha guarda". É o que se define, no jargão contemporâneo, como "mansplain", o mundo explicado sob a ótica masculina. O mansplaining do Partido Republicano acaba de nos presentear com outra joia: "As mulheres não conseguem controlar sua libido sem ajuda do governo." O ex-governador do Arkansas Mike Huckabee resumiu assim a decisão do governo Obama de manter anticoncepcionais nos programas de seguro médico.
Chris Christie recebeu uma vaia sonora da multidão na Times Square, no sábado, durante uma cerimônia ligada à final do violento futebol americano. Um esporte e um governador sob ataque, num mundo em que o homem de verdade não se parece mais com eles.
"Vou deixar bem claro para você. Se me tratar assim de novo, eu atiro você desta f*@#ing sacada. Você não é homem o bastante! Eu vou partir você ao meio como um menino."
Por cortesia do cinegrafista que não parou de gravar, testemunhamos a explosão de Michael Grimm, o único deputado federal que o Partido Republicano conseguiu eleger em Nova York, no Congresso atual. Depois de acordar na quarta-feira dizendo que não havia feito nada errado, o representante do bairro nova-iorquino de Staten Island sentiu os ventos desfavoráveis e telefonou para o Michael Scotto, do canal de notícias nova-iorquino New York 1, pediu desculpas e o convidou para almoçar. O que pode ter deixado o jovem repórter, que cobre o Capitólio, mais nervoso ainda. Deixemos de lado o peso da palavra "boy", que, nos Estados Unidos, tem várias conotações, inclusive a usada por brancos para implicar inferioridade racial.
O incidente aconteceu logo depois do discurso de Barack Obama sobre o Estado da União e, no final da entrevista sobre o discurso, Scotto perguntou sobre a investigação federal acerca da campanha do deputado. Uma correligionária sua já foi presa, acusada de fraude eleitoral. Grimm se afastou sem responder mas voltou para ameaçar o repórter, segundos depois.
A avaliação de Grimm sobre a insuficiência de virilidade do repórter está longe de ser uma anomalia. É só dar um rolezinho pelos canais que exibem reality shows americanos para constatar que a definição neandertal do que constitui um homem está viva e dando lucro para anunciantes.
Escrevo no fim de semana do maior e mais rico evento esportivo dos Estados Unidos. O Super Bowl celebra um esporte que 40% dos pais americanos não querem ver seus filhos praticar. Até Barack Obama, pai de duas meninas, deixou claro que considera o esporte perigoso demais. A audiência esperada para a transmissão final entre os Denver Broncos e os Seattle Seahawks era de mais de 100 milhões, um terço da população do país. Está sendo ancorada por ex-jogadores que também denunciam os traumas cranianos epidêmicos no esporte. Um dos mais idolatrados quarterbacks da história do esporte, Joe Namath, 70 anos, com sua bagagem de ferimentos e concussões cerebrais, deu uma entrevista à CBS na manhã da final, dizendo: "Nenhuma parte do nosso corpo foi feita para jogar este futebol."
Há décadas que a NFL, a liga milhardária de futebol americano, tem conhecimento médico suficiente para compreender as consequências do esporte. No ano passado, concordou em reservar mais de US$ 700 milhões para um fundo de compensação de ex-jogadores. Mas, não é apenas o interesse econômico de uma liga que atrasou o despertar da consciência do público para o esporte. O futebol americano é indissociável da definição de homem difundida por gente como o deputado Michael Grimm.
Há alguma justiça poética no fato de que a final do Super Bowl, ontem à noite, foi no estado de Nova Jersey, epicentro atual de um escândalo envolvendo machos alfas da política americana. São, de fato, vários escândalos em torno do governador Chris Christie, mas o primeiro e mais conhecido no exterior é o Bridgegate. Em setembro, a mais movimentada ponte do continente, a George Washington Bridge, entre Manhattan e Nova Jersey, teve parte de suas pistas bloqueadas numa vendeta política ainda mal explicada e um engarrafamento monstro paralisou a área durante quatro dias. A cada nova revelação sobre os métodos de Christie, os comediantes encontram novo material para fazer piadas sobre a truculência estilo Tony Soprano.
O que nos faz lembrar: no debate da testosterona, democratas como Barack Obama são maricas e Chris Christie é o cabra macho. Cito um âncora conservador que veio em socorro de Christie logo depois da revelação do Bridgegate: "Devo dizer que, nesta atmosfera de feminização que existe hoje, os caras masculinos e musculares em sua conduta privada, os caras da velha guarda, estão sob risco."
Certo. Arriscar a vida de uma criança desaparecida porque o carro de polícia está preso na ponte ou chegar tarde demais para atender a idosa que teve um enfarte porque a ambulância também não consegue passar são ações justificadas em nome da preservação dos "caras da velha guarda". É o que se define, no jargão contemporâneo, como "mansplain", o mundo explicado sob a ótica masculina. O mansplaining do Partido Republicano acaba de nos presentear com outra joia: "As mulheres não conseguem controlar sua libido sem ajuda do governo." O ex-governador do Arkansas Mike Huckabee resumiu assim a decisão do governo Obama de manter anticoncepcionais nos programas de seguro médico.
Chris Christie recebeu uma vaia sonora da multidão na Times Square, no sábado, durante uma cerimônia ligada à final do violento futebol americano. Um esporte e um governador sob ataque, num mundo em que o homem de verdade não se parece mais com eles.
Contra o Facebook - MARION STRECKER
FOLHA DE SP - 03/02
Quanto mais amigos eu 'faço', mais me distancio das pessoas que são realmente importantes
Hoje comecei um teste. Decidi experimentar ficar sem o Facebook no meu celular. Se der certo, vou estender o experimento ao iPad e, quem sabe, também ao computador.
Impetuosa, botei o dedo sobre o ícone do aplicativo e esperei ele começar a tremelicar, como é a regra no iPhone. Ele tremelicou. Respirei fundo e apertei o pequeno xis, que simboliza o apagar. Veio o alerta: se apagar o aplicativo, todos os dados serão apagados também.
Que ameaça! Sei bem que não basta apagar o aplicativo para todos os dados pessoais sumirem do Facebook. Isto requer outro tipo de iniciativa. Então por que mentem? O Facebook vai dizer que é coisa da Apple. A Apple pode responder que trabalha com "padrões de mercado". E a gente que reclame nas redes sociais!
Suponho que esse tipo de ameaça seja apenas um dos maus hábitos da indústria de aplicativos (ou "'éps", da abreviatura em inglês "apps", como os mais pedantes se referem a "software" hoje em dia). Nessa indústria, o número de "usuários" valoriza um negócio, ainda que os "usuários" sejam "inativos", o que a empresa só vai informar se não tiver como ocultar. Isto me lembra Rubens Ricupero, aquele ministro da Fazenda que, sem saber que o sinal já estava aberto para antenas parabólicas, disse à TV Globo: "O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde-se!"
O fato é que sumi com o aplicativo do Facebook. Senti uma sensação boa. Aproveitei o entusiasmo e apaguei também os aplicativos do LinkedIn, do Lulu (que instalei para testar e achei simplesmente péssimo) e até do Viber (algo entre o Skype e o WhatsApp). Combinei comigo mesma que vou observar o que acontecerá com as minhas mãos da próxima vez que ficar à toa com o telefone na mão. Será que vou tremer? Será que entrarei na App Store e baixarei tudo de novo? Ou vou me esquecer aos poucos dessa mania de ficar fazendo a ronda na internet, checando as atualizações das redes e esperando reações a cada coisa que publico, nem sei bem por quê?
Sério mesmo: o Facebook é a maior perda de tempo que conheci na vida. Quanto mais amigos eu "faço", mais me distancio das pessoas que são realmente importantes para mim. A fatalidade é que sempre perco informações de quem me importa no meio da balbúrdia da multidão a que estou conectada.
Quando fiz essa observação outro dia, o engenheiro Luís Villani comentou que eu havia descoberto o "segredo de Tostines". Evocava a memória de uma velha propaganda de televisão, que explorou o seguinte mote: o biscoito vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? O Facebook é relevante porque estamos conectados a pessoas relevantes ou o Facebook é medíocre porque nossos "amigos" são medíocres? Ou uma rede social teria a capacidade de deixar as pessoas medíocres?
Será que nós, brasileiros, parecemos tão "sociáveis" porque achamos rude não aceitar "pedidos de amizade"? Será que supervalorizamos nossa imagem "popular", por isso colecionamos conexões como se fossem figurinhas de um álbum da Copa? Vamos fazer o quê? Começar de novo? E por que não?
Quanto mais amigos eu 'faço', mais me distancio das pessoas que são realmente importantes
Hoje comecei um teste. Decidi experimentar ficar sem o Facebook no meu celular. Se der certo, vou estender o experimento ao iPad e, quem sabe, também ao computador.
Impetuosa, botei o dedo sobre o ícone do aplicativo e esperei ele começar a tremelicar, como é a regra no iPhone. Ele tremelicou. Respirei fundo e apertei o pequeno xis, que simboliza o apagar. Veio o alerta: se apagar o aplicativo, todos os dados serão apagados também.
Que ameaça! Sei bem que não basta apagar o aplicativo para todos os dados pessoais sumirem do Facebook. Isto requer outro tipo de iniciativa. Então por que mentem? O Facebook vai dizer que é coisa da Apple. A Apple pode responder que trabalha com "padrões de mercado". E a gente que reclame nas redes sociais!
Suponho que esse tipo de ameaça seja apenas um dos maus hábitos da indústria de aplicativos (ou "'éps", da abreviatura em inglês "apps", como os mais pedantes se referem a "software" hoje em dia). Nessa indústria, o número de "usuários" valoriza um negócio, ainda que os "usuários" sejam "inativos", o que a empresa só vai informar se não tiver como ocultar. Isto me lembra Rubens Ricupero, aquele ministro da Fazenda que, sem saber que o sinal já estava aberto para antenas parabólicas, disse à TV Globo: "O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde-se!"
O fato é que sumi com o aplicativo do Facebook. Senti uma sensação boa. Aproveitei o entusiasmo e apaguei também os aplicativos do LinkedIn, do Lulu (que instalei para testar e achei simplesmente péssimo) e até do Viber (algo entre o Skype e o WhatsApp). Combinei comigo mesma que vou observar o que acontecerá com as minhas mãos da próxima vez que ficar à toa com o telefone na mão. Será que vou tremer? Será que entrarei na App Store e baixarei tudo de novo? Ou vou me esquecer aos poucos dessa mania de ficar fazendo a ronda na internet, checando as atualizações das redes e esperando reações a cada coisa que publico, nem sei bem por quê?
Sério mesmo: o Facebook é a maior perda de tempo que conheci na vida. Quanto mais amigos eu "faço", mais me distancio das pessoas que são realmente importantes para mim. A fatalidade é que sempre perco informações de quem me importa no meio da balbúrdia da multidão a que estou conectada.
Quando fiz essa observação outro dia, o engenheiro Luís Villani comentou que eu havia descoberto o "segredo de Tostines". Evocava a memória de uma velha propaganda de televisão, que explorou o seguinte mote: o biscoito vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? O Facebook é relevante porque estamos conectados a pessoas relevantes ou o Facebook é medíocre porque nossos "amigos" são medíocres? Ou uma rede social teria a capacidade de deixar as pessoas medíocres?
Será que nós, brasileiros, parecemos tão "sociáveis" porque achamos rude não aceitar "pedidos de amizade"? Será que supervalorizamos nossa imagem "popular", por isso colecionamos conexões como se fossem figurinhas de um álbum da Copa? Vamos fazer o quê? Começar de novo? E por que não?
Diário de um repórter - JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
O GLOBO - 03/02
No dia em que eu conheci Ibrahim Sued, o “turco” estava mais agitado do que nunca, pois casaria ao fim daquela semana a sua única filha
No dia em que eu conheci o ator Wilson Grey, o mais famoso bandido das chanchadas, ele jogava na roleta clandestina que um bicheiro bancava num prédio da Rua Senador Dantas. Parecia cena de seus filmes. O ambiente tosco, a fumaça dos cigarros, uma aglomeração de desocupados gastando a grana e o tempo roubado do almoço. Era a saleta de um mezanino fétido. Alguém poderia ser discretamente esfaqueado num canto — e tudo ficaria na mesma. Era uma bolha fora do tempo, fora da lei e do vai-e-vem da Cinelândia. Eu estava lá na condição de desocupado, de vizinho do estabelecimento, pois a redação funcionava no quarteirão seguinte. Foi no início dos 1970, quando os bicheiros financiavam escolas de samba e havia um clima de tropicalismo-noir na contravenção. Um dia tomei coragem, bati no ombro de Wilson Grey e disse que queria fazer uma reportagem com ele. Ali. O homem fez cara de mau. Respondeu que me seria todo falante e exclusivo se a roleta seguinte parasse no vermelho 21, onde havia investido uma dúzia de merrecas. Topei. Eu nunca mais jogaria uma entrevista aos humores de uma roleta. Perdi. Quer dizer, perdemos. Antes de sumir, como se eu tivesse responsabilidade sobre as idiossincrasias da roleta, o bandido me encarou com um ar de “você-está-com-os-dias-contados”.
No dia em que eu conheci Millôr Fernandes atravessei todo o salão da festa para cumprimentar o grande pensador e humorista. Precisava agradecer o comentário que ele havia publicado sobre meu último livro: “Joaquim, perito, sem confundir, em misturar alhos com bugalhos, já que as duas coisas são a mesma”. Millôr, perito em confundir, já que este é um dom da inteligência, deu um sorriso enigmático quando eu o cumprimentei. Em seguida, me misturou na cabeça os alhos com os bugalhos da insegurança: “Ah, você gostou?!” — e simulou, divertido, um ar de que não era exatamente para tanto.
No dia em que conheci a atriz Norma Bengell, eu não estava imbuído de qualquer pauta. Era apenas um encontro fortuito numa cantina do Leme, mas eu precisava narrar como uma frase sua, perdida em meio a uma entrevista, virara bordão nas redações. Bengell tinha dado a entrevista a uma repórter muito bonita. Disse-lhe que durante uma filmagem visitara uma tribo na Amazônia onde os índios eram todos “bi como nós”. A repórter engoliu em seco. Ficou com vergonha de aprofundar a história e, em linguagem de branco, devolver com um “nós quem, cara pálida?”. Achou melhor calar a dúvida. A bela repórter, no entanto, contou na redação — e desde então um grupo de jornalistas, quando está a fim de diversão e sacanagem, emprega nas suas conversas o “bi como nós”. Norma não lembrava mais da história. Riu muito quando contei, e lançou a suspeita sobre si mesma: “Xi, acho que era cantada!”.
No dia em que eu conheci Ibrahim Sued, o “turco” estava mais agitado do que nunca, pois casaria ao fim daquela semana a sua única filha. O colunista era um homem de impressionante capacidade para a busca da notícia, foi um reformulador do conteúdo do noticiário social, mas deixava a desejar pela sofisticação intelectual. Amigos o chamavam de “sentimentalmente grosso”. No tal dia em que o conheci, Ibrahim usou da sinceridade costumeira. Disse ter tido uma conversa franca com a filha, mas sem aconselhamentos maiores. Ele próprio acabara de sair de um divórcio, sabia da dificuldade do projeto conjugal. Não tinha certeza de nada, por isso poupou a moça de falsas sabedorias. Ibrahim me disse ter cravado apenas uma recomendação. Que a filha jamais fosse ao banheiro de porta aberta. Por mais íntimo que já estivesse o casamento, por mais que o casal já tivesse feito tudo na cama — Ibrahim me repetia o aconselhamento — uma mulher ao ir à privada deveria fechar a porta aos olhos do marido. Não sei se a moça seguiu as instruções. O casamento infelizmente acabou uma década depois.
No dia em que eu conheci Angela Ro Ro ela estava do outro lado do telefone e pedia, por caridade e urgência, que fosse até seu apartamento. O açougueiro da rua estava se dirigindo para lá, empunhando seu facão de labor, para resolver uma pendenga com ela. Ro Ro já tinha me acionado para algo aparecido meses antes. Era uma confusa história envolvendo um vizinho de porta, um papo que roçava em preconceito contra homossexuais e afins. Desta vez era o açougueiro. Pela manhã, ao levar a carne ao seu apartamento, o homem se desentendera com um amigo negro dela. Ro Ro pedia a presença da imprensa a fim de evitar a abertura de uma lacuna profunda na música brasileira. Cantora dos grandes dramas modernos, ao telefone, sem o piano para acompanhar, não passava tanta convicção. Eu pedi que Ro Ro me ligasse quando o futuro assassino se apresentasse à sua porta com a pavorosa arma do crime. Deu certo. Nunca mais nos falamos. Graças a Deus a grande cantora continua viva.
No dia em que eu conheci Ibrahim Sued, o “turco” estava mais agitado do que nunca, pois casaria ao fim daquela semana a sua única filha
No dia em que eu conheci o ator Wilson Grey, o mais famoso bandido das chanchadas, ele jogava na roleta clandestina que um bicheiro bancava num prédio da Rua Senador Dantas. Parecia cena de seus filmes. O ambiente tosco, a fumaça dos cigarros, uma aglomeração de desocupados gastando a grana e o tempo roubado do almoço. Era a saleta de um mezanino fétido. Alguém poderia ser discretamente esfaqueado num canto — e tudo ficaria na mesma. Era uma bolha fora do tempo, fora da lei e do vai-e-vem da Cinelândia. Eu estava lá na condição de desocupado, de vizinho do estabelecimento, pois a redação funcionava no quarteirão seguinte. Foi no início dos 1970, quando os bicheiros financiavam escolas de samba e havia um clima de tropicalismo-noir na contravenção. Um dia tomei coragem, bati no ombro de Wilson Grey e disse que queria fazer uma reportagem com ele. Ali. O homem fez cara de mau. Respondeu que me seria todo falante e exclusivo se a roleta seguinte parasse no vermelho 21, onde havia investido uma dúzia de merrecas. Topei. Eu nunca mais jogaria uma entrevista aos humores de uma roleta. Perdi. Quer dizer, perdemos. Antes de sumir, como se eu tivesse responsabilidade sobre as idiossincrasias da roleta, o bandido me encarou com um ar de “você-está-com-os-dias-contados”.
No dia em que eu conheci Millôr Fernandes atravessei todo o salão da festa para cumprimentar o grande pensador e humorista. Precisava agradecer o comentário que ele havia publicado sobre meu último livro: “Joaquim, perito, sem confundir, em misturar alhos com bugalhos, já que as duas coisas são a mesma”. Millôr, perito em confundir, já que este é um dom da inteligência, deu um sorriso enigmático quando eu o cumprimentei. Em seguida, me misturou na cabeça os alhos com os bugalhos da insegurança: “Ah, você gostou?!” — e simulou, divertido, um ar de que não era exatamente para tanto.
No dia em que conheci a atriz Norma Bengell, eu não estava imbuído de qualquer pauta. Era apenas um encontro fortuito numa cantina do Leme, mas eu precisava narrar como uma frase sua, perdida em meio a uma entrevista, virara bordão nas redações. Bengell tinha dado a entrevista a uma repórter muito bonita. Disse-lhe que durante uma filmagem visitara uma tribo na Amazônia onde os índios eram todos “bi como nós”. A repórter engoliu em seco. Ficou com vergonha de aprofundar a história e, em linguagem de branco, devolver com um “nós quem, cara pálida?”. Achou melhor calar a dúvida. A bela repórter, no entanto, contou na redação — e desde então um grupo de jornalistas, quando está a fim de diversão e sacanagem, emprega nas suas conversas o “bi como nós”. Norma não lembrava mais da história. Riu muito quando contei, e lançou a suspeita sobre si mesma: “Xi, acho que era cantada!”.
No dia em que eu conheci Ibrahim Sued, o “turco” estava mais agitado do que nunca, pois casaria ao fim daquela semana a sua única filha. O colunista era um homem de impressionante capacidade para a busca da notícia, foi um reformulador do conteúdo do noticiário social, mas deixava a desejar pela sofisticação intelectual. Amigos o chamavam de “sentimentalmente grosso”. No tal dia em que o conheci, Ibrahim usou da sinceridade costumeira. Disse ter tido uma conversa franca com a filha, mas sem aconselhamentos maiores. Ele próprio acabara de sair de um divórcio, sabia da dificuldade do projeto conjugal. Não tinha certeza de nada, por isso poupou a moça de falsas sabedorias. Ibrahim me disse ter cravado apenas uma recomendação. Que a filha jamais fosse ao banheiro de porta aberta. Por mais íntimo que já estivesse o casamento, por mais que o casal já tivesse feito tudo na cama — Ibrahim me repetia o aconselhamento — uma mulher ao ir à privada deveria fechar a porta aos olhos do marido. Não sei se a moça seguiu as instruções. O casamento infelizmente acabou uma década depois.
No dia em que eu conheci Angela Ro Ro ela estava do outro lado do telefone e pedia, por caridade e urgência, que fosse até seu apartamento. O açougueiro da rua estava se dirigindo para lá, empunhando seu facão de labor, para resolver uma pendenga com ela. Ro Ro já tinha me acionado para algo aparecido meses antes. Era uma confusa história envolvendo um vizinho de porta, um papo que roçava em preconceito contra homossexuais e afins. Desta vez era o açougueiro. Pela manhã, ao levar a carne ao seu apartamento, o homem se desentendera com um amigo negro dela. Ro Ro pedia a presença da imprensa a fim de evitar a abertura de uma lacuna profunda na música brasileira. Cantora dos grandes dramas modernos, ao telefone, sem o piano para acompanhar, não passava tanta convicção. Eu pedi que Ro Ro me ligasse quando o futuro assassino se apresentasse à sua porta com a pavorosa arma do crime. Deu certo. Nunca mais nos falamos. Graças a Deus a grande cantora continua viva.
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