segunda-feira, outubro 22, 2012

O descaso com a inflação - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADÃO - 22/10

Se não retomar sua função primordial, a de perseguir a meta da inflação, o Banco Central (BC) perderá sua capacidade de instilar confiança nos agentes econômicos, o que poderá ter consequências danosas para o crescimento no longo prazo. Com palavras semelhantes a estas, ex-presidentes do BC apontam para os perigos que trazem para a economia brasileira as mudanças na política econômica, em decorrência, sobretudo, do descaso com que o governo vem avaliando as tendências da inflação.

Ao atribuir a aceleração recente da inflação a fatores externos, como a alta dos alimentos no mercado internacional, e a problemas de produção no Brasil, as autoridades da área econômica procuram justificar os estímulos que continuam a oferecer ao consumo, como a expansão do crédito a juros menores nos bancos oficiais e a redução da taxa básica de juros (Selic) pelo BC.

O problema, porém, é que, ao proceder desse modo, ao contrário de combater, o governo pode estar estimulando os fatores que impulsionam a inflação. O fato de que a alta não se concentra nos itens apontados pelo governo, mas vem se disseminando por um número cada vez maior de produtos, indica que não há um problema de oferta, mas de demanda. E as medidas tomadas nos últimos tempos pelo governo e pelo BC destinaram-se, exatamente, a estimular a demanda.

"Essas últimas reduções (da taxa Selic) estão preocupando", disse o ex-presidente do BC (1999-2002) Armínio Fraga ao jornal Folha de S.Paulo (15/10). Em sua reunião mais recente, na semana passada, o Copom voltou a reduzir a Selic, em 0,25 ponto, para 7,25% ao ano, em decisão não unânime. "Não ficou muito claro o porquê do último corte (em setembro). Mais um neste momento requer uma certa explicação", observou Fraga.

Outro ex-presidente do BC, Carlos Geraldo Langoni (1980- 1983), disse à Agência Estado que, por diversificar seus objetivos, como perseguir a meta de inflação, estimular o crescimento e monitorar a taxa de câmbio, o BC teve afetada sua capacidade de gerenciar expectativas.

"Eu gostaria que o BC voltasse à sua função básica, que é gerenciar a meta de inflação." A inflação projetada pelo BC para este ano é de 5,2%. Documentos recentes do BC projetam inflação de 4,9% para 2013 e de 5,1% no período de 12 meses que terminará no terceiro trimestre de 2014. O BC, diz Fraga, precisa fazer "alguma coisa que nos leve a crer que a inflação vai convergir para a meta, que é de 4,5%; a meta não é 5,2%".

Gustavo Franco, que presidiu o BC de 1997 a 1999, admite que as noções de disciplina monetária e de autonomia dos bancos centrais "foram desarrumadas com a crise de 2008" e que "há uma perplexidade sobre qual é o novo mandato dos BCs". Mas, como disse ao Estado (14/10), "o momento é muito perigoso".

A política fiscal é expansionista, com forte crescimento dos créditos oferecidos pelo BNDES, o que tem exigido recursos adicionais do Tesouro, que, para isso, tem emitido dívida pública. Outro problema que pode ter consequências graves é a política do governo de "resolver o problema dos juros no braço", como diz Franco. Há um erro de diagnóstico do governo nessa questão, como houve quando, na década de 1980, se tentou conter a inflação por meio de tabelamento ou congelamento de preços.

"Os juros são um preço de mercado, que refletem, sobretudo, a decisão das pessoas de comprar títulos públicos", observou Franco. "Quanto mais o Tesouro se endivida, mais puxa os juros para cima." Assim, "reduzir juros deveria começar pelo aumento do superávit primário". Mas o governo "só enxerga a política fiscal como instrumento para aumentar a demanda". A continuar assim, "vamos repetir o insucesso das políticas de estabilização" (da década de 1980) - que, não custa lembrar, resultaram em índices astronômicos de inflação.

A fraca atividade econômica ajuda a conter a inflação. Mas, como advertiu Franco, "se o impulso fiscal continuar e o setor privado se animar, a inflação vai beirar o limite de tolerância do sistema de metas em seis meses". Como reagirá, então, o BC? E com que credibilidade?

Insegurança jurídica - DENIS ROSENFIELD


O GLOBO - 22/10

No contexto de julgamento do mensalão e das eleições municipais, dois fatos da maior importância passaram despercebidos. Um, a suspensão indefinida da Portaria 303 da AGU, que, finalmente, regulamentava as condicionantes do julgamento da Raposa Serra do Sol. A outra é uma decisão do ministro Marco Aurélio, relativa a uma área determinada, no município de Lábrea, no Amazonas, tornando válidas as condicionantes da Raposa Serra do Sol para esse e outros casos.

A portaria da AGU regulamentava as condicionantes do Supremo. No dizer do próprio ministro Luiz Adams quando de sua promulgação, ela preenchia uma lacuna importante, trazendo segurança jurídica para o país. No entanto, as pressões dos movimentos sociais, da Igreja, da Funai, do Ministério Público Federal e de certos setores do PT foram de tal monta que o governo se viu forçado a recuar.

O recuo não deixa, porém, de ser ambíguo. E isso porque a portaria que revogou a portaria 303 declara explicitamente que ela voltará a valer tão logo o Supremo julgue os embargos. De um lado, o governo reafirma a validade das condicionantes; de outro lado, suspende a sua aplicação sine die.

Note-se que a regulamentação do acórdão do STF relativo ao julgamento da Raposa Serra do Sol não foi até hoje feita, passados longos 5 anos de insegurança. Certamente, o Supremo não julgará os embargos ainda este ano, postergando tudo para o ano que vem, se é que essa questão voltará a entrar em pauta no próximo ano. Nesse meio tempo, a Funai está acelerando a identificação e demarcação de terras indígenas, como se a nossa Suprema Corte nada tivesse decidido.

No entanto, os movimentos sociais não estão contentes, com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o MST e várias ONGs nacionais e internacionais apregoando que a portaria seja simplesmente revogada, não tendo mais nenhuma validade. Isso significa dizer que o acórdão do Supremo nada vale!

Convém assinalar que a regulamentação das condicionantes do Supremo não atende somente aos problemas do agronegócio, mas também aos interesses do governo. O agronegócio convive há muito com a insegurança jurídica relativa às questões indígenas. Os interesses do governo estão sendo, por seu lado, fortemente atingidos, pois as ações da Funai contrariam os projetos governamentais de construções de hidrelétricas na região Norte do país.

Pode-se, nesse sentido, dizer que a suspensão da portaria contraria o próprio governo, uma espécie de tiro no próprio pé, pois o setor energético será um dos mais atingidos a curto prazo. As contradições internas ao governo terminam por inviabilizar as suas próprias ações. A polêmica envolvendo a construção de Belo Monte é apenas a parte mais visível desse iceberg.

Além do setor energético e do agronegócio, convém assinalar que em muitas áreas do país são pequenos e médios empreendedores rurais que estão sendo ameaçados. Na grande maioria dos casos, são pessoas que possuem títulos de propriedade ou posse há muito tempo, em áreas que não eram consideradas indígenas quando da promulgação da Constituição de 1988.

Com a validação da portaria da AGU e o respeito às decisões do STF, o caminho estaria aberto para que uma solução definitiva e equitativa para todos fosse tomada, contemplando os indígenas, e os não índios.

Uma solução equitativa consistiria em comprar terras para populações indígenas que eventualmente necessitem, por exemplo, por crescimento demográfico em algumas regiões do país.

Outros projetos governamentais e do setor privado são igualmente atingidos. Todo o processo de construção de estradas e de ferrovias em áreas que são supostamente indígenas segundo os movimentos sociais, as ONGs nacionais e internacionais e a Funai deveriam ser suspensos, à espera de outra decisão do STF, como se isso fosse ainda necessário.

Do ponto de vista da soberania nacional há problemas de monta envolvidos, pois muitas das terras indígenas identificadas, demarcadas e homologadas são ricas em minérios. A Funai e essas ONGs procuram fazer com que mesmo o Exército não entre nessas áreas, com problemas especialmente graves nas faixas de fronteira.

Por outro lado, o ministro Marco Aurélio, em 21 de setembro de 2012, a partir de uma ação impetrada pelo advogado Rudy Ferraz, em nome do município de Lábrea, Amazonas, deferiu uma liminar vetando a ampliação da terra indígena em questão, além de considerar que o desrespeito da Funai às condicionantes do Supremo também atingia o direito de o município ser consultado em todas as fases do processo. O ministro Marco Aurélio estabeleceu um limite bastante claro às ações da Funai e do Ministério Público abrindo a via para que outros municípios, empresas e empreendedores rurais sigam o mesmo caminho.

No caso do julgamento em questão, para se ter uma ideia do caráter arbitrário da Funai e do Ministério Público Federal, já se tratava da terceira ampliação dessa terra indígena, em flagrante desrespeito à decisão do STF. Com a ampliação referida, a terra indígena Kaxarari compreenderia 145.889 hectares para 240 índios!

O ministro Marco Aurélio, em sua sentença, chega a mencionar que a Funai, por suas ações, produz "insegurança jurídica", criando um "potencial risco de conflito fundiário entre índios e produtores rurais", com "inegável prejuízo aos investimentos em atividades produtivas praticadas há décadas, à ordem do território e às finanças do ente federativo reclamante". E tudo o que o país menos precisa é de um acirramento de conflitos.

A solução está à vista, porém tudo indica que os criadores de problemas vivem precisamente desses. A corajosa atitude do ministro Marco Aurélio baliza com toda a clareza a necessidade de que a insegurança jurídica reinante chegue ao fim, no respeito à ordem constitucional, às decisões do próprio STF, pois, só assim, uma decisão equitativa que contemple todas as partes poderá ser tomada.

Menos dólares - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 22/10

Investimento externo sofre contração, ainda que se observe mudança favorável no perfil, com retração do capital mais especulativo

Seja em razão da conjuntura internacional desfavorável, seja por algum desencanto com políticas e resultados obtidos até aqui pelo governo Dilma Rousseff, o investimento estrangeiro no Brasil mostra queda acentuada neste ano.

O capital externo direcionado a ações de empresas e títulos de renda fixa ficou em US$ 13 bilhões no período de 12 meses encerrado em agosto. Em 2010, esse volume havia alcançado US$ 68 bilhões.

Especialistas de bancos e administradores de fundos de investimento atribuem a queda aos magros números do PIB e ao recrudescimento de medidas intervencionistas na política econômica da presidente Dilma Rousseff.

Segundo esse raciocínio, o Executivo ampliou a ingerência em grandes empresas de capital aberto, como a Petrobras e a Vale, cuja administração se contaminou mais com interesses políticos -embora, de início, o mercado tenha comemorado o maior "entrosamento" da nova diretoria com o Planalto.

Desencadearam-se, ainda, ofensivas de apelo popular contra juros bancários, tarifas de energia elétrica e vendas de planos de telefonia celular. Sem dúvida havia abusos a combater, mas se criou uma atmosfera interpretada como hostil à rentabilidade dos negócios.

A argumentação tem alguma pertinência, ainda que seja difícil aquilatar com precisão o peso do dirigismo oficial no rareamento dos dólares. Felizmente para o país, a diminuição de investimentos externos não é generalizada.

Quando se consideram os recursos injetados diretamente no setor produtivo por multinacionais, constatam-se US$ 66 bilhões acumulados nos últimos 12 meses. Trata-se de aumento significativo sobre os US$ 48 bilhões de 2010.

Ao contrário do que se projetava no início do ano, essa fonte de divisas será mais do que suficiente para cobrir o deficit nas transações comerciais e de serviços com o exterior, hoje em torno dos US$ 50 bilhões anuais.

A desaceleração da atividade acabou contribuindo para evitar um aumento desse deficit. As remessas de lucros e dividendos para matrizes, por exemplo, deverão cair de US$ 38 bilhões, em 2011, para US$ 24 bilhões.

Tudo somado e subtraído, o Brasil obtém financiamento mais seguro, na forma de investimentos diretos. A retração do capital especulativo, direcionado a títulos e ações, evita uma pressão adicional pela valorização da moeda nacional, prejudicial às exportações.

A longo prazo, no entanto, continua necessário elevar a poupança nacional, para que a ampliação da infraestrutura e a aquisição de equipamentos não dependa tanto da entrada de dólares.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO


FOLHA DE SP - 22/10


Incorporadora instala escritórios de luxo em SC
Com aporte de R$ 200 milhões, a incorporadora gaúcha CFL instalará um complexo em Florianópolis com torres para escritórios corporativos de classe A, restaurantes, supermercado e academia.

O empreendimento ficará na SC-401, estrada que dá acesso ao norte da ilha.

"Grande parte dos escritórios da cidade ainda estão em prédios antigos no centro da cidade, mas há um fluxo comercial migratório para essa região [próxima à rodovia]", diz Luciano Bocorny Corrêa, sócio da empresa.

O complexo, do qual o tenista Gustavo Kuerten será sócio, ficará em um terreno de 154 mil m2 e terá 108 mil m2 de área construída. A expectativa é que ele seja entregue em três anos.

A companhia está construindo outros dois empreendimentos com o mesmo formato, um em Porto Alegre e outro em Caxias do Sul (RS).

A incorporadora pretende desenvolver outros projetos semelhantes, mas ainda não tem contratos fechados.

"A principal questão é encontrar o ponto certo para receber o empreendimento, mas buscamos, sim, outras áreas na região Sul."

Para o próximo ano, dois negócios no segmento residencial estão sendo planejados. Juntos, eles demandarão cerca de R$ 250 milhões em investimentos.

O primeiro que será anunciado ficará na capital catarinense, no balneário de luxo Jurerê Internacional. Localizado à beira da praia, terá 179 unidades. A empresa começará a divulgação no verão.

O segundo condomínio será em Porto Alegre e terá 102 apartamentos.

R$ 450 milhões

é o aporte previsto para os três projetos

R$ 150 milhões

devem ser investidos no condomínio do RS

R$ 100 milhões

serão destinados ao condomínio residencial de Florianópolis

HÓSPEDE EM ALPHAVILLE
A rede de hotéis Bourbon irá instalar sua segunda unidade em Barueri (SP), na região de Alphaville.

O plano da empresa é que o novo hotel, de alto padrão, complemente o atual, de categoria executiva.

"A taxa de ocupação do que está operando é de 70%. Mas o que nos anima é Barueri estar entre as cidades mais ricas do país. Por isso teremos outra unidade", afirma Alceu Vezozzo Filho, sócio da companhia hoteleira.

Serão investidos R$ 130 milhões no empreendimento, de acordo com Henry Tjoanhan Go, presidente da Goincorp, incorporadora do empreendimento.

A rede Bourbon lançou outros hotéis neste ano -em Botucatu (SP) e em Foz do Iguaçu (PR).

Os dois serão os primeiros com a bandeira Rio Hotel. A empresa pretende ter dez unidades com a marca nos próximos cinco anos.

3.000

é o total de apartamentos que a rede tem em seus hotéis

13

são os hotéis em operação

661

é o número de quartos que a rede terá em Barueri nas suas duas unidades

Consultoria revê alta do varejo de 7% para 7,5% neste ano
Enquanto as produções de alimentos, refrigerantes, calçados e têxteis estão em queda, o comércio varejista continua em alta.

Economistas da consultoria LCA reviram, na análise setorial de outubro, o crescimento do varejo deste ano de 7% para 7,5%.

"O comércio continua puxado por bens de consumo duráveis em decorrência das políticas de incentivo do governo tanto sobre automóveis como sobre a linha branca", diz Wermeson França, economista da empresa.

"Setores ligados ao crédito estão indo melhor que os que dependem da renda."

A produção de têxteis e de calçados teve retração de 6,3% e 4,2% entre janeiro e agosto deste ano, ante o mesmo período de 2011. Eletrodomésticos de linha branca cresceram 12,1%.

"No começo de 2013, deverá haver uma ressaca nos bens de consumo duráveis e, por isso, um crescimento menor no varejo, mas com recuperação ao longo do ano."

Qualificação
O pior problema de recursos humanos enfrentado pelo Brasil são as deficiências técnicas dos funcionários, de acordo com executivos entrevistados pelo BCG (Boston Consulting Group).

A falta de características de liderança e a reduzida capacidade de gestão também foram citadas como questões críticas no país.

O quadro brasileiro é semelhante ao dos outros países dos Brics, segundo a consultoria. Dentre as habilidades mais em falta, estão a qualificação para pesquisa e o desenvolvimento e domínio de línguas estrangeiras.

Houston, temos um atraso - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 22/10


O contido pedido de socorro feito por astronautas, na iminência de uma catástrofe, celebrizado na frase "Houston, nós temos um problema" poderia ser enviado para Brasília quando o tema é educação e mercado de trabalho. O alerta a fazer é grave. Se não corrigirmos a rota vamos fracassar no projeto de desenvolvimento.

Os empresários dizem que não há trabalhadores qualificados, mas os jovens amargam números europeus de desemprego. Nas pessoas entre 18 e 24 anos, a taxa dos desocupados oscila entre 13% e 14%, mas no país se fala de pleno emprego. O recorte de gênero, cor e região levará a índices ainda piores. Uma pessoa negra, do sexo feminino e de Salvador enfrenta desemprego de 20%.

O estranho é que os mais jovens têm em média mais anos de estudo do que as faixas mais velhas da população. Portanto não se pode dizer que o desemprego é decorrente apenas do problema educacional. Claro que temos uma crise grave na educação. É tão evidente que nem precisamos enviar recado para Houston, Marte ou Brasília.

A geração que tem hoje 45 a 50 anos estudou em média menos dos que os que estão sendo barrados na porta do mercado de trabalho. Pode-se levantar a hipótese de que eles estão estudando o que o mercado não está procurando, e o mercado procura o que eles não estão estudando.

O descasamento entre oferta e demanda é parte do problema, mas não basta para explicar o enigma de um país que se queixa de escassez aguda de trabalhadores qualificados e onde o desemprego de mulher - que tem escolaridade maior do que a dos homens - é mais elevado.

O mercado de trabalho brasileiro prefere e pretere. E só faz isso quem pode escolher e não está com escassez de oferta. As explicações dadas pelos especialistas e empresários não parecem suficientes. Existe no Brasil um agudo atraso na educação, mas isso não justifica tudo.

Há quem defenda a tese de que devemos dar aos jovens que querem ser trabalhadores técnicos apenas o conhecimento técnico. Reservando o ensino universitário para quem tem maiores ambições. Isso apressaria a formação da mão de obra requerida pelo mercado. Parece uma solução perfeita e ela tem um defeito: não conversa com o momento atual.

Tudo é mais desafiador hoje. Um trabalhador pode aprender de forma eficiente como dominar uma tecnologia que amanhã estará obsoleta. Imagine alguém que tenha se especializado na área de Tecnologia da Informação há dez anos e não tenha feito atualização nesse período. Ele hoje seria um jurássico, fora do mercado e sem emprego.

Mesmo se olharmos para trás, para um mundo mais simples que o nosso, aquele no qual um rapaz vindo de Pernambuco entrou no Sesi para se formar torneiro mecânico. No que aquele jovem foi realmente bom? Na liderança sindical e política que o levou à Presidência da República.

O conhecimento se torna obsoleto com tanta rapidez que, em vez de fazer a diferenciação entre ensino técnico e intelectual, o Brasil deveria estar pensando na qualidade do básico na educação que dará aos seus cidadãos a capacidade de pensar, escolher, comparar, raciocinar, divergir e, sobretudo, aprender.

Qualquer pessoa que estiver agora entrando no mercado de trabalho terá, ao longo das próximas décadas da sua vida profissional, que fazer várias mudanças radicais de áreas ou de formas de executar o trabalho. Não há um conhecimento que possa ser entregue como uma caixa mágica para o profissional de área alguma. Esse é o risco, e a delícia, de viver tempos revolucionários.

Mas Houston, ou Brasília, deveria estar a essa altura curiosa para saber por que um mercado que se queixa de falta de mão de obra rejeita jovens que têm níveis mais altos de escolaridade do que os de gerações mais velhas.

Uma possibilidade é que as empresas não tenham entendido a parte que lhes cabe nesse esforço coletivo de preparação de trabalhadores. Só aceita quem já está pronto. Empresa moderna educa, qualifica, especializa, oferece cursos, treina os que recruta. Se as máquinas têm manutenção, por que as pessoas não? Na época em que vivemos, os cérebros são o bem mais valioso de uma empresa.

Mitos do atraso - JOSÉ PAULO KUPFER


O ESTADO DE S. PAULO - 22/10


Os gargalos educacionais que afetam, desfavoravelmente, a competitividade da economia brasileira fazem parte daquele amplo rol de problemas complexos para os quais é possível encontrar soluções simples - e, em geral, totalmente equivocadas. É longa a lista de equívocos.

Resiste, bravamente, na cabeça de quem faz esse rol de diagnósticos equivocados, a ideia de que a qualidade da educação brasileira depende da concentração de esforços e recursos no ensino básico, em detrimento do ensino superior. Repisada há décadas, a proposta não passa de um absurdo lógico. Como almejar mais qualidade na educação básica sem professores preparados para a tarefa num ensino de terceiro grau qualificado?

Eis aí um aspecto-chave da complexidade do problema. Somente ações integradas, que contemplem a cadeia educacional como um todo, da creche à pós-graduação, darão conta do enorme desafio. No centro dessas ações, não exclusivamente, mas com importância crítica, está o professor. Sem resolver a complexa equação de como valorizar e atrair jovens para a profissão, difícil encontrar lugar para otimismo.

Nesse quesito, de fato, a situação não é animadora. Nossos professores do ensino fundamental estão entre os mais mal pagos do mundo e sua renda média não ultrapassa 90% da renda per capita nacional. Um claro contraste com os professores dos países ricos que fazem parte da OCDE, cuja remuneração média é 17% superior à média salarial geral, e anos-luz de distância da Coreia, onde o salário médio dos professores é mais que o dobro da média nacional.

Mas, não se trata, também como se costuma imaginar, apenas de uma questão de escassez de recursos. Aqui são destinados 20% da renda per capita nacional a cada aluno do ensino fundamental. O índice não está tão distante dos 26% nos países ricos da OCDE e se situa acima dos exibidos por Chile e México.

São bem conhecidas as mazelas da educação brasileira. Metade dos estudantes apresenta atraso escolar em relação à faixa etária e a evasão, em segmentos críticos como o dos adolescentes entre 15 e 17 anos, tem até aumentado. Nos aspectos qualitativos, a situação é até pior. Os índices de analfabetismo funcional são alarmantes. Na população entre 15 e 64 anos, um em cada três brasileiros consegue apenas ler e compreender mensagens simples ou realizar operações aritméticas rudimentares.

Apesar dos desarranjos e dificuldades, seria possível remover mais rapidamente as barreiras à melhoria da qualidade da educação brasileira com diagnósticos e ações menos distorcidas e cristalizadas. Para começar, quando se trata de pensar nos meios mais eficazes de ajustar a qualidade da formação de mão de obra às necessidades do mercado de trabalho, é comum cometer o equívoco de pôr toda a responsabilidade da superação do problema nos ombros do processo educacional, deixando as empresas fora do esforço.

Não é costume entre nós lembrar o protagonismo das empresas alemãs e coreanas - os modelos invejados - na indução da formação profissional e absorção de trabalhadores qualificados. Um elemento fundamental para o êxito dos sistemas educacionais desses países é, justamente, o estreito vínculo entre empresas e escolas.

Essa integração não nasceu da descoberta genial de algum sábio pedagógico, mas, simplesmente, de uma necessidade decorrente da crescente capacitação tecnológica do setor empresarial. Na Coreia, por exemplo, os investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) suplantam 3% do PIB, dos quais dois terços são de origem privada. Já no Brasil, recursos destinados a P&D, ano após ano, mal passam de 1%, metade bancado pelo governo.

O baixo investimento em P&D, no Brasil, reflete não apenas demanda limitada de mão de obra qualificada, que se desdobra na desconexão entre as empresas e o sistema educacional. Vai além das questões educacionais e é também mais um sintoma das muitas distorções e dos muitos equívocos que atrasam, em diferentes campos, o desenvolvimento brasileiro.

A nova censura - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 22/10


"O inimigo (do governo), a oposição é a imprensa. Acrescentemos o Supremo Tribunal Federal"

Fernando Henrique Cardoso


Outro dia, João Ubaldo Ribeiro escreveu: "Toda ditadura, sem exceção, tem como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público." Ubaldo esqueceu os governos democráticos. Também eles têm como prioridade básica o controle da imprensa, a vigilância rigorosa sobre fatos e opiniões que podem ser conhecidos pelo público.

Existe uma diferença vital aí: se necessário, as ditaduras usam a força bruta para subjugar a imprensa. Os governos democráticos se valem de meios não violentos. A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) realizou em São Paulo mais uma de suas assembleias. Pesquisa da SIP aplicada junto a diretores de veículos de comunicação da América Latina conferiu que quase dois terços deles consideram governos e grupos políticos as maiores fontes de ameaça à liberdade de imprensa.

Um terço dos pesquisados afirma que os governos atuam para controlar os meios de comunicação, e um terço reclama de iniciativas que limitaram a liberdade de expressão nos últimos cinco anos. Dois exemplos desse tipo de iniciativa: leis de controle de conteúdo - isso ainda não temos no Brasil - e a manipulação da publicidade oficial - isso já temos em escala avançada.

Liberdade de imprensa não é o direito que têm jornalistas e donos de veículos de comunicação de divulgar o que quiserem. Liberdade de imprensa é o direito que você, eu, todos temos de saber o que está acontecendo. Se não sabemos, como tomar decisões que afetarão profundamente nossas vidas e vidas alheias? Ou mesmo decisões banais, mas capazes de nos infringir algum tipo de prejuízo?

A velha censura é facilmente identificável. O governo diz o que não pode ser publicado. Os veículos de comunicação não publicam. A nova censura é mais sofisticada. Um dos seus mecanismos mais poderosos é a formação de grandes conglomerados de mídia comandados por empresas que nada têm a ver com o jornalismo. O jornalismo independente perde com isso.

Outros mecanismos da nova censura: a aprovação pelos parlamentos de leis para domesticar o jornalismo; a concessão de canais de rádio e de televisão a grupos políticos; a indústria das assessorias de imprensa destinadas a servir a empresas e pessoas preocupadas com a própria imagem; e o emprego nos governos de um número elevado de jornalistas. Hoje, há mais jornalistas nas redações oficiais do que fora delas.

A nova censura se alimenta de condições que lhe são favoráveis. No caso do Brasil: a situação falimentar de muitas empresas de comunicação. Pode haver independência editorial onde não há independência financeira? Lembram do número de jornais que publicaram de graça uma coluna semanal na qual Lula respondia a perguntas de leitores? Mais de 130. Propaganda pura!

A redução dos investimentos em jornalismo de boa qualidade torna os veículos de comunicação dependentes de notícias que lhe são oferecidas a custo zero. E quem as oferece? Governos e grandes grupos políticos e econômicos. Em setembro de 1994, ao se preparar para conceder uma entrevista à Rede Globo, Rubens Ricúpero, ministro da Fazenda, não percebeu que havia no estúdio um microfone aberto. Imaginou que não seria escutado quando disse, irônico mas verdadeiro: "O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde."

É assim que procedem todos os governos, democráticos ou não. A frase de Ricúpero cai bem como lema da nova censura.

Os vetos de Dilma - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/10


Decerto o governo gostaria de acreditar que, com os vetos da presidente Dilma Rousseff ao projeto que resultou da medida provisória (MP) que regulamentou o Código Florestal e a publicação do decreto que procura cobrir as lacunas deixadas pelos vetos, encerrou uma discussão que se arrastava há mais de 13 anos. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, considera o debate sobre o Código “uma página virada”. A questão, no entanto, parece longe de estar resolvida.

A presidente da República teve a seu alcance a possibilidade de virar definitivamente essa página do longo debate da questão ambiental. Bastava sancionar o projeto que lhe foi enviado pelo Congresso, até mesmo com vetos, desde que estes não alterassem a essência daquilo que deputados e senadores haviam aprovado. Optou, porém, por eliminar a alteração mais importante feita pelos parlamentares na Medida Provisória 571, que ela assinou em maio para substituir os itens do Código Florestal que havia vetado.

Trata-se da parte que estabelece as condições de recuperação das matas nas margens dos rios. O projeto de conversão aprovado pelo Congresso reduziu a área de recuperação de florestas nas margens dos rios com até 10 metros de largura, por meio de um mecanismo que ficou conhecido como “escadinha”, segundo o qual a recuperação é maior para propriedades maiores.

Para substituir o que vetou no projeto de conversão da MP 571, o governo baixou um decreto que restabelece os critérios fixados na versão original da MP. Como o decreto não precisa ser submetido ao Congresso, o governo elimina o risco de ser surpreendido com novas derrotas, como ocorreu no caso da votação do texto principal do Código Florestal e do projeto de conversão da MP 571.

Quanto aos vetos em si, é pouco provável que eles sejam derrubados no Congresso. Fiel aliado do governo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afastou a possibilidade de colocar em votação os vetos ao projeto de conversão da MP 571. Não vai haver tempo, ele alega, com razão, pois é longa a fila dos vetos a serem examinados. O mais antigo que ainda aguarda votação é de 2000, ainda no governo Fernando Henrique. Além desse, há outros 2.424 vetos engavetados. Desde 2008 não há votação de vetos no Congresso.

Assim, embora o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Homero Pereira (PSD-MT), tenha falado em “golpe por parte do governo” que não teria respeitado acordo para vetar apenas alguns tópicos do projeto e desconsiderado uma decisão tomada por unanimidade pelo Congresso -, é pouco provável que o tema volte a ser examinado formalmente pelo Legislativo. Esse quadro parece dar razão à ministra do Meio Ambiente quando ela fala em “página virada”.

Mas a afirmação, se verdadeira, aplica-se apenas ao plano parlamentar. A solução jurídica adotada pelo governo, de utilizar um decreto para definir os critérios para a recomposição das áreas de preservação permanente (APPs) nas margens dos rios, poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Membro destacado da bancada ruralista, o vice-líder do DEM na Câmara, deputado goiano Ronaldo Caiado, anunciou que seu partido entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e apresentará um projeto de decreto legislativo que anule os efeitos do decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff para preencher as lacunas deixadas por seus vetos ao projeto de conversão da MP 571.

“O decreto existe para normatizar lei já existente, não para substituir leis aprovadas pelo Congresso”, argumentou Caiado. “O governo federal está usurpando e afrontando o Congresso Nacional ao querer legislar.”

Organizações ligadas ao movimento ambientalista, que defendem posições inteiramente opostas às dos ruralistas nessa questão, utilizam argumento semelhante para contestar o decreto de Dilma. “É uma tentativa do Executivo de extrapolar de suas funções. Foi criada uma norma. Trata-se de um vício de origem. O governo não pode legislar por decreto”, disse Kenzo Jucá Ferreira, da WWF Brasil.

Nessa questão, o governo conseguiu irritar os dois lados.

SEGUNDA NOS JORNAIS


Globo: Sem punição – Empresas de ônibus protegem infratores
Folha: TSE investiga contas de 17 partidos após fraude
Estadão: Mutirão limpa nome e tenta animar vendas de Natal
Correio: A tragédia se repete no Lago Paranoá
Valor: BNDES estimula acesso de empresas menores à bolsa
Estado de Minas: Sem inglês, sem bolsa
Jornal do Commercio: Rodízio de água amanhã
Zero Hora: Avançou

domingo, outubro 21, 2012

Os que não votaram - LYA LUFT

REVISTA VEJA 


As notícias de todos os lados me dizem que o número de brasileiros que não votaram, isto é, abstenções ou votos nulos, cresceu grandemente, chegando a mais de 25% dos eleitores. Nestes dias tumultuados de novidades — com a atenção daqueles que pensam e observam presa no Supremo, que salva algo da nossa moral e dignidade, ou com um brevíssimo espreitar no segundo turno das eleições, com seu jogo nada original de busca pelo poder —, fiquei refletindo sobre a razão dessa abstenção, pois a votação é obrigatória, coisa que, aliás, considero erro e atraso. Se não tivermos liberdade de eleger nossos líderes, representantes, governantes, não deveriam nos forçar, ou recorreremos à abstenção.

Quanto a ela, vejo dois motivos possíveis. Primeiro, descrença e desalento. A proliferação de partidos e o troca-troca de legendas, além das fusões, alianças e conluios, nos desorientam e desestimulam. Afinal, quem é quem, nessa sopa de letrinhas, quem tem quais projetos, que liuais propostas são originais, reais e vão ser executadas? Os inimigos figadais aqui e ali dançam um minueto, antigos aliados hoje cruzam punhais em duelos estranhos ou cômicos, figuras inusitadas ou velhíssimos figurões desfilam, mas a gente não sabe direito a que vieram ou como voltaram aos palcos. Em segundo lugar, talvez falte interesse em saber, em deslindar, em escolher e decidir. Ou melhor, os interesses e as seduções são outros. Não nos abalam corrupção, falta de ética, despreparo, improvisações, o extraordinário nivelamento por baixo a corroer nossas universidades, agora com aumento das cotas, que nos farão descer ainda mais na posição entre as piores do mundo. Muito mais do que melhorar o país, queremos consumir. Estamos pouco exigentes: com crédito alargado, queremos comprar. Podemos e devemos consumir, nos dizem de muitos modos, podemos comprar qualquer coisa quase a perder de vista (grave engano). Comprar é muito mais divertido do que observar, analisar, escolher e, por exemplo, votar nas eleições. Tanta coisa original correndo por aí, como, por exemplo, meninas que vendem sua virgindade pela internet, e não é para comprar comida para os irmãozinhos menores, amparar a velha mãe, ou pagar a faculdade. Ambicionamos o que na verdade são bugigangas, que, se trocadas por uma atenção maior com a realidade do país e tantas carências que nos assolam, poderiam transformar nossa paisagem. (Claro que também tenho meus aparelhos, o universo eletrônico é imprescindível, mas não sei se por eles eu trocaria algo que acho sério.)

Não critico os milhões que se abstiveram ou votaram em branco, que aqui chamo, quem sabe injustamente (detesto rótulos, mas às vezes são necessários), de descrentes ou mesmo fúteis. Critico, embora sem resultado, eu sei, o sistema que nos toma conformados, que nos dá pão e circo em lugar de boa educação e preparo para bons cargos e funções. Critico a nossa sonolência e os encantamentos alienantes como poder comprar, comprar, comprar. E confesso que muitas vezes também me perseguem sedutores fantasmas de esquecimento, omissão e fuga: de me recolher à nossa casinha no mato e lá ficar apenas contemplando a natureza, escrevendo, saboreando afetos, sabendo que minha interferência seria um eco frágil perdido num enorme vazio de desinteresse. Também a mim espreita em alguns dias com seus olhinhos marotos a ideia inescrupulo-sa: um voto a mais não adianta nada, para que se incomodar, procurar saber, sair de casa e votar? Pois talvez adiante: um voto mais um voto, mais um voto, mais um voto — que acabam valendo mais do que o nosso fascinante objeto de desejo —, as coisas podem se transformar. Nem todo mundo é cego, surdo, mudo, ignorante ou conformado. Olhando bem, veremos que algumas coisas quase majestosas se movem no país. Quem sabe vai-se mover até mesmo a montanha do nosso desencanto.

Dias de ira - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA 


Com o julgamento do mensalão a caminho da sua fase final no STF, é realmente notável a extrema dificuldade, por parte dos condenados e de quem os apoia, de entender que precisam obedecer ao Código Penal quando estão no governo. Mudar o nome do cachorro não muda o seu temperamento, como todo mundo sabe; mas o PT e suas brigadas acham que, chamando de ‘‘vingança” o que é apenas sua derrota diante da Justiça, podem anular a realidade. Tudo o que têm a dizer, desde que a casa caiu, é: “Seja lá o que tenha acontecido, a culpa não é nossa; se a Justiça achou o contrário, é porque se aliou aos nossos inimigos”.
Fim da argumentação. Essa tentativa de colocar-se acima da lógica é ao mesmo tempo tola e inútil. Não consegue, simplesmente, mudar o que já aconteceu, mesmo com a turbinagem que vem recebendo de três homens que estiveram na linha de frente da política brasileira nos últimos 25 anos: o ex-presidente Lula, o ex-ministro José Dirceu e o presidente do PT na época do mensalão, José Genoino.Tudo o que conseguiram foi exibir à luz do sol o que cada um tem, de verdade, dentro de si — e o que mostraram não os recomenda, nem como pessoas nem como homens públicos.

O remorso, como se diz, sempre vem na hora errada — aparece depois da tentação, quando não serve mais para evitar o pecado. No caso do mensalão, para o PT e os seus grão-duques, o remorso não veio nem antes nem depois. Não há, após tudo o que foi provado na suprema corte de Justiça do país, o menor vestígio de arrependimento; ao contrário, os culpados vivem dias de ira. Lula, quando a coisa toda estourou sete anos atrás, pediu desculpas “ao povo brasileiro”. Hoje, com a própria pele salva, faz o papel do indignado número 1 — na verdade, considera-se vítima, e acha que é ele, agora, quem deve exigir desculpas. São vítimas bem estranhas, essas que Lula representa: se estão no governo federal e mandam em quase tudo neste país, como podem se colocar no papel de perseguidos? O ex-presidente, cada vez mais convencido de que é uma combinação de mártir,profeta e herói de si próprio, diz que sua biografia não será escrita pelos ministros do STF. Tem razão. A biografia de Lula está sendo escrita por ele mesmo — os atos que a contaminaram, do mensalão à aliança pública com Paulo Maluf, um foragido da polícia internacional, são de sua exclusiva responsabilidade.

Um segundo membro da suprema trindade petista, José Genoino, também optou por romper com o bom-senso em sua reação às condenações que recebeu. Alegou, e alegaram em seu favor, que não poderia ser condenado porque tem uma vida limpa; no seu entender, foi vitimado de modo “cruel” por “setores reacionários” que controlariam “parcelas do Judiciário” e da imprensa. Mas o que esteve em julgamento não foi a sua honestidade pessoal — foi o fato concreto de ter colocado sua assinatura em documentos destinados a executar uma fraude financeira envolvendo milhões de reais. Não foram os “reacionários”, nem os jornalistas, que assinaram esses papéis; foi ele mesmo — e se não sabia o que estava fazendo é porque não quis saber. Num conjunto de dez juizes, levou de 9 a 1. Estariam todos errados? No seu caso ficou, também, uma aula de ingratidão, quando comparou os jornalistas de hoje aos torturadores de ontem. Genoino conheceu muito bem uns e outros, e sabe na própria pele a diferença que existe entre eles; esqueceu, quando veio a adversidade, quem sempre lhe estendeu a mão. Como é bem sabido, o líder petista escreveu durante longo tempo uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Suas declarações sempre foram publicadas. Foi o político do PT mais respeitado pela imprensa desde que voltou à política. No STF, além disso, recebeu um tratamento de príncipe: a ministra Cármen Lúcia quase pediu desculpas ao condená-lo. Por que, então, o rancor?

Ao terceiro nome da trinca, José Dirceu, sobrou, além de uma condenação por 8 a 2, o título de “guerreiro do povo brasileiro”, entoado pela tropa de choque que precisa usar hoje para poder sair à rua. Que guerra teria sido essa? Pela democracia certamente não foi. Sua guerra, na verdade, foi com o deputado Roberto Jefferson, que mandou para o espaço o sistema de corrupção montado no governo a partir de 2003. Ao entrar no jogo bruto com ele, Dirceu se arriscou — e perdeu. “Sai daí, Zé”, ouviu Jefferson lhe dizer, numa frase que ficará para sempre em sua biografia. Saiu, rápido, e sem um único gesto de Lula para defendê-lo. Não foi “linchado”, como diz desde sua condenação. Foi derrotado — só isso.

São Paulo quer mais um Tiririca - GUILHERME FIÚZA

REVISTA ÉPOCA 


O eleitorado de São Paulo, como se sabe, é dado a ataques de tédio. Volta e meia inventa um Enéas, um Clodovil, um Tiririca - e assim cria grandes fenômenos de votação pelo sim­ples prazer de ver um palhaço tocar fogo no circo. Na eleição de 2012, os paulistanos estão ameaçando mais uma travessura.

Apesar do enorme destaque em torno do julgamento no STF, a tragédia do mensalão não tem sido bem com­preendida pela opinião pública. Frequentemente o caso é classificado como um dos maiores escândalos de corrup­ção da história da República. O eleitor precisa entender que o roubo de dinheiro público é só um dos aspectos do mensalão. £ não é o mais grave.

Na maioria dos casos de corrupção envolvendo governos, a equação básica é o uso do poder como meio para o roubo. No mensalão, trata-se de roubo como meio para a permanência no poder. O dinheiro do valerio- duto era destinado essencialmente aos caixas do partido e do grupo político do presidente da República. Além da compra de votos no Congresso, servia também para despesas políticas gerais, custeio de candidaturas, alimentação da maquina partidária.

A grande chaga do mensalão não é a quantia roubada. E a ocupação da mais alta esfera de poder por um projeto político medíocre, no qual a energia para governar é desviada para os objetivos fisiológicos. Nos raros planos de governo propostos e executados pelo PT, como o Fome Zero, os resultados foram desastrosos. Pela simples razão de que ali não há planejamento, não há cérebros em busca de soluções, não há espírito público para fazer reformas estruturais - que podem ser eleitoralmente arriscadas.

A privatização da telefonia, que melhorou a vida de todas as classes sociais, jamais seria feita pelo PT. Era uma medida inicialmente antipática para a opinião pública, parecia ser a entrega “do que é nosso” (“nosso”, no caso, era deles - os pendurados no cabide estatal das telefônicas). Até hoje o partido se enche de votos demonizando as privatizações, com a tática desonesta e eficiente de defender minorias organizadas, como se estivesse defendendo o povo.

É típico desse projeto de poder, desmascarado pelo escândalo do mensalão, transformar o Ministério da Educação em degrau para a prefeitura de São Paulo. Num dos casos mais gritantes de inépcia administrativa já vistos no MEC, o então ministro Fernando Haddad conseguiu presidir três anos de descalabros seguidos na aplicação do Enem, transtornando a vida de estudantes no Brasil inteiro. Era uma época em que Haddad estava destacado por seus chefes (Lula e Dirceu) para um objetivo mais nobre: dar pinta nos palanques de Dilma Rousseff.

E aí está o governo Dilma, prestes a completar seu segundo ano sem um projeto relevante sequer, sustentado politicamente pela paz econômica da conjuntura - que nada têm a ver com ações governamentais. Uma presidente que assumiu para segurar a grande ocupação fisiológica, que demite os ministros que apodrecem em público, mas nem todos. Vide Fernando Pimentel, o consultor-fantasma das indústrias mineiras, um morto-vivo no Ministério do Desenvolvimento - cuidando do desenvolvimento petista, exatamente a mesma missão de Fer­nando Haddad.

O eleitorado de São Paulo é brinca­lhão. Cansou de ver em ação esse minis­tro marqueteiro, usando o MEC como plataforma de truques populistas, como defender livros didáticos com erros de português (“nós pega o peixe”) e até tor­rar dinheiro com propaganda oficial para sustentar o factoide. Mais um ministro candidato de labora­tório, escalado para fazer média com minorias organizadas, para fazer provocações rasteiras a um possível adversário de seus chefes em 2014, enfim, pau para toda obra.

Eis que esse militante travestido de administrador aparece em primeiro lugar nas intenções de voto para o se­gundo turno. Ou seja: o eleitor paulistano está entediado de novo. Está ameaçando botar um pouco de palhaçada na política para ver o que acontece.

Vamos antecipar aqui o que acontece: conversão da máquina da maior cidade do país em palanque para 2014. O resto é secundário, eles só pensam naquilo. Valérios, Valdomiros e Sombras devem estar salivando. Até porque o Supremo acaba de liberar a lavagem de dinheiro em campanha eleitoral.

O que estas eleições municipais ensinam ao Brasil - FERNANDO ABRUCIO

REVISTA ÉPOCA 


Numa democracia, as eleições têm o papel de de­finir, por meio de um processo livre, competi­tivo e justo, os futuros representantes e governantes. Nenhuma sociedade inventou uma forma melhor de seleção e controle político. A disputa pode ter tam­bém outros atributos positivos. Traz lições importan­tes para os candidatos - a classe política - e para os cidadãos. Se tais ensinamentos forem bem captados, a sociedade pode amadurecer em termos políticos.

Claro que cada eleição tem sua especificidade. Tivemos recentemente um pleito que aconteceu em 5.568 municípios. Em alguns, a peleja ainda não ter­minou, pois há segundo turno. O tema principal da disputa teriam de ser questões locais. A primeira lição que observei nas capitais em que acompanhei o ho­rário político foi o desconhecimento da maioria dos candidatos a prefeito e vereador sobre seu papel.

Milhares de candidatos concorreram sem saber obue poderiam fazer se fossem eleitos. Alguns pro­puseram um poder de polícia que os municípios efetivamente não têm. Pleiteantes à vereança falaram de temas cuja competência para legislar é da União. Como resolver esse problema? Em primeiro lugar, aumentando a informação para os candidatos, por meio de partidos e Tribunais Eleitorais. Partidos não podem ser apenas depósitos de concorrentes. Devem ajudar a formação política de seus membros.

A mídia e os órgãos da sociedade civil que acom­panham as eleições também precisam participar, de maneira mais eficaz, do processo formativo da classe política. Não basta acompanhar a disputa como um mero campeonato por votos ou averiguar se os con­correntes têm “ficha limpa”. Esses são dois pontos importantes, mas a informação eleitoral tem de mos­trar o que os futuros eleitos podem fazer na prática.

Nas capitais, muitos dos principais concorrentes conheciam pouco ou de maneira estereotipada os principais problemas municipais. A lista do que deveria ser prioridade era quase sempre imensa, ge­ralmente um sinal de que os candidatos tinham um frágil conhecimento do que deveriam fazer. Além da proposta de resolver todos os temas de políticas públicas, a postura recorrente era colocar-se como oposição à situação atual. Até candidatos ligados ao governante pareciam oposicionistas.

Uma boa candidatura a prefeito tem de conhecer os temas mais problemáticos, que menos avança­ram nas últimas administrações. Precisa conhecer as políticas públicas e ter uma visão que interligue os problemas da cidade. Em São Paulo, como noutras capitais, a grande questão não é a saúde ou a educação isoladamente. A preocupação central deveria ser como organizar o espaço urbano de modo a valorizar o capital humano, tendo como fim a melhoria do bem-estar. A dinâmica região central (ou nobre) versus periferia ainda é a forma mais clara de perceber as carências dos grandes municípios.

Outra estratégia na eleição foi fuga para temas morais. Candidatos a prefeito e a vereador deveriam estar menos preocupados em ser “queridinhos” das igrejas, pois o posto de Deus ou de seu representante na Terra não estava em jogo. O Estado deveria ser um instrumento para garantir a liberdade de crença e opinião, sem se po­sicionar por algum lado ou se imiscuir demais no terreno escorregadio da moral privada.Tal postura muitas vezes nem é sincera, como no fundamentalismo religioso que penetrou, infelizmente, a política partidária em alguns países. Trata- se apenas de uma tática para conquistar eleitores. Ou alguém acredita que José Serra fará uma política aos moldes da Assembleia de Deus para a sexualidade? Isso não condiz com sua história, e ele perderia alia­dos se fizesse isso na prefeitura de São Paulo.

A maior lição para os candidatos é que, na dis­puta municipal, eles devem se concentrar nos temas locais e se preparar adequadamente para resolvê-los. Todo o resto é acessório. É interessante ver como o dia seguinte das eleições foi tomado por discussões sobre os efeitos do pleito sobre o plano nacional. A atenção da opinião pública deveria estar muito mais voltada para saber se os eleitos ou os concorrentes no segundo turno têm propostas claras e corretas para os dilemas das cidades.

O debate sobre a especificidade municipal das eleições terá mais chances de ocorrer quando os ci­dadãos exercerem mais seu papel de citadinos. Ao fi­nal de toda eleição local, fico pensando: por que nãa fazer com que cada região das metrópoles tenha uma plenária com os principais candidatos? Por que não fazer com que só possa concorrer a prefeito aquele que apresentar programas com metas por setor de política pública e região da cidade? Por que não criar espaços no horário eleitoral em que os concorrentes tenham de ouvir perguntas e sugestões de eleitores escolhidos aleatoriamente? Para minha cidade, São Paulo, fica a questão aos dois competidores: o que farão com as subprefeituras? Vão tomá- las um espaço de participação cidadã ou dá-las a apadrinha­dos políticos ou tecnocratas?

Tudo isso pode parecer ro­mantismo, ao estilo dos defen­sores da democracia ateniense. Bobagem: há cidades pelo mundo com mais par­ticipação da população na discussão dos assuntos públicos. Isso tende a aumentar no século XXI, graças às mudanças tecnológicas e à maior preocupação com a sustentabilidade. Se não criarmos mais espaços dl interlocução e deliberação, não só ficaremos para trás em relação a outros lugares. Escolheremos candidatos e teremos governos piores. E mais: teremos a sensação de que a eleição se resume, para a maioria, ao dia do voto, a uns poucos debates na mídia e talvez à lem­brança de uma carreata que passou no fim de semana no bairro. Francamente, podemos e precisamos ter mais cidadania em nossas eleições municipais.

A hora do Brasil - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 21/10


O sociólogo italiano Domenico De Masi, autor, entre outros, de "O ócio criativo” está escrevendo um livro sobre o Brasil. Para ele, que conhece bem esta terra, o país, depois de viver 450 anos sob a influência europeia e uns outros 50 sob a americana, tende a andar com as próprias pernas:
— Afinal, tanto a Europa como os EUA estão em crise.

As voltas que...
Aliás, quarta, num jantar no Rio com formadores de opinião (jornalistas, humoristas, esportistas, gente da política etc.), Fernando Fernandez, presidente da gigante anglo-holandesa Unilever no Brasil, disse que o país tem superado as expectativas da empresa, que não para de crescer por aqui.
Sobretudo, no Rio e no Nordeste.

Mas...
O mais interessante foi o que o executivo disse sobre a Europa.
Segundo Fernandez, lá, por causa da crise, a Unilever tem mirado no... empobrecimento, com foco na criação de produtos que custem... um euro (!), pois a população não tem mais dinheiro para consumir como antes. Deve ser terrível... você sabe.

Só por e-mail
O ministro Joaquim Barbosa, do STF, que rivaliza em popularidade com Carminha, só analisa pedidos de audiência feitos... pela internet.
A resposta, sim ou não, também é dada exclusivamente por e-mail.

Dores de coluna...

Aliás, passado o julgamento do mensalão, Joaquim vai à Alemanha para uma consulta médica.

Menino do Rio

Aécio Neves vai mudar de endereço... no Rio. Trocará o Leblon por Ipanema. Ah, bom!

O DOMINGO É...
...de Nanda Costa, 26 anos, linda atriz nascida em Paraty, RJ, que, a partir de amanhã, terá um dos maiores desafios de sua carreira - estreia na TV Globo como Morena, a protagonista de “Salve Jorge”, a novela de Glória Perez que substituirá “Avenida Brasil”. A personagem é nascida e criada no Complexo do Alemão. Salve Nanda! 

Xixi no Louvre
Acredite. Estes dias, no Louvre, em Paris, um brasileirinho de uns 3 anos baixou a calça, pôs o juninho para fora e... fez xixi aos pés de uma escultura.
Foi um corre corre. Os pais, roxos de vergonha, perguntaram: "Por que você fez isso?!" E o miudinho, apontando aquelas estátuas com bilaus de fora: "Pode, mamãe, pode" Há testemunhas.

Madureira chorou
Zaquia Jorge (1924-1957), saudosa vedete do subúrbio da Central, no Rio, vai ganhar uma biografia. É escrita por Vagner Fernandes, autor de "Clara Nunes, guerreira da utopia’!
A atriz morreu afogada na Barra, em 1957, e muitas músicas foram feitas em sua homenagem, entre as quais o clássico "Madureira chorou’ (Carvalhinho e Júlio Monteiro), gravado por vários sambistas.

Amaury Jr. dos anônimos

Surgiu no Rio uma produtora de TV especializada em cobrir festas de... gente anônima.
Criada por um grupo de jovens, produz, para quem contrata seus serviços, um programa no estilo de Amaury Jr. Depois, o resultado vai para a internet. Chama-se Rey da Imprensa e tem feito uns sete programas por mês.

Lady Gloss

A próxima revista "Luluzinha Teen’ chegará às bancas com uma paródia de Lady Gaga, que cantará no Brasil mês que vem.
A personagem Glorinha, veja a capa, assume o nome Lady Gloss e faz shows em que imita a cantora americana.

Lego no Rio
A gigante dinamarquesa Lego, que fabrica aqueles famosos bloquinhos de montar, vai abrir uma loja própria no Rio, sua segunda no Brasil (a primeira fica em São Paulo).
Deve ser inaugurada no início de dezembro, no Rio Design Barra.

Via Dutra
Jacques Janine, a rede paulista de salões de beleza criada em 1958, vai abrir em novembro sua primeira loja no Rio, em Copacabana.

Novela rica
A São Clemente, cujo enredo para 2013 são as novelas do horário nobre da telinha, foi autorizada pelo MinC a captar R$ 4.126.200 para seu desfile.

Alô, xerife Beltrame!
Seguem os ataques de ladrões à luz do dia a alunos das escolas de Botafogo e Humaitá, no Rio.
Sexta, mais três adolescentes foram cercados por gatunos na Rua Visconde Silva. Um deles, da Escola Sá Pereira, ficou sem o iPhone.

Tchau, tchau, tchau

Débora Falabella, com o fim da novela "Avenida Brasil’? na qual brilhou como Nina, planeja se mudar do Rio.
Deseja voltar a morar em São Paulo, onde tem casa.

Células-tronco: o tempo é o senhor da razão - IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/10


Pela CNBB, defendi em 2008 no STF não matar embriões. Citei as células-tronco adultas, mais eficientes. Perdemos. O Prêmio Nobel mostra agora nossa razão


Em 29 de maio de 2008, com grande cobertura da imprensa, aconteceu o início do julgamento da constitucionalidade da lei sobre a utilização de células embrionárias para experiências científicas.

Isso aconteceu por força da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República, que entendia ser inconstitucional a destruição de seres humanos em sua forma embrionária.

Representando a CNBB, mostrei, da tribuna do STF, que tais experiências -um fantástico insucesso nestes 15 anos de pesquisas em todo o mundo- seriam desnecessárias.

Dizia isso pois, três meses antes, o médico japonês Shinya Yamanaka conseguira, reprogramando as células-tronco adultas (células do próprio organismo humano), obter os mesmos efeitos pluripotentes -ou seja, a possibilidade de dar origem a praticamente todos os tecidos do organismo humano.

Alegava-se que pluripotentes eram as células embrionárias. Elas seriam indispensáveis para o sucesso das experiências. Mas essas experiências, na verdade, foram sucessivamente mal sucedidas.

Dizia-se ainda, à época, que as células tronco adultas teriam efeitos apenas multipotentes, curando algumas doenças e não todas. Apenas as células embrionárias poderiam curar todas as doenças, quando fossem solucionados os problemas de rejeição e formação de teratomas (tumores).

Mostrei, na ocasião, que a Academia de Ciências do Vaticano -que possuía, então, 29 prêmios Nobel, no quadro de seus 80 acadêmicos- discutira a matéria, concluindo que o zigoto (primeira célula) é um ser humano, com todos os sinais que constituirão a sua integralidade, quando adulto.

Mostrei, inclusive, que, nos Estados Unidos, já ocorria a adoção de células embrionárias por casais sem filhos e que, na Alemanha, as experiências com células embrionárias não podiam ser feitas com material proveniente de mulheres alemãs, mas apenas com óvulos de mulheres de outros países.

Por fim, para não alongar este artigo, cercado por uma legião de cadeirantes, mostrei-lhes que as experiências com células embrionárias geravam tumores e rejeição nas experiências realizadas com animais.

Isso não acontecia, porém, nas experiências de reprogramação celular de Thompson e Yamanaka, por serem células do próprio organismo.

O certo é que, por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal optou pelas experiências com a destruição de seres humanos na sua forma embrionária, provocando inversão maior de recursos públicos nas experiências mal sucedidas (apesar das questões éticas envolvidas) e menor nos bem sucedidos experimentos com células adultas.

Felizmente, a Academia Sueca, ao outorgar o Prêmio Nobel a Yamanaka, sinalizou o que realmente se pode esperar das experiências com as células adultas reprogramadas para efeitos pluripotentes, que não geram rejeição, teratomas ou problemas éticos de qualquer natureza.

O prêmio à Yamanaka demonstra nitidamente que as experiências com as células embrionárias não sensibilizaram os acadêmicos suecos.

O tempo é sempre o senhor da verdade.

Supertécnicos - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 21/10


Aos poucos, o estilo do futebol brasileiro, orgulho nacional, foi modificado e dilapidado. Criaram outro futebol.

Muitas equipes passaram a jogar com três zagueiros (três autênticos ou dois e mais um volante-zagueiro) a fazer marcação individual, como a de Adriano sobre Ronaldinho, no jogo entre Santos e Atlético, a jogar com dois ou três volantes brucutus, para proteger os zagueiros e fazer a cobertura dos laterais, a ter um único meia responsável por toda a criação de jogadas, a dar chutões, a privilegiar jogadas aéreas, a cometer um absurdo número de faltas e a tumultuar as partidas. Tudo programado e compartimentado.

Os técnicos criaram verdades e dogmas para justificar essa mediocridade coletiva, com o apoio de parte da imprensa. Todas as partidas passaram a ser analisadas a partir da conduta dos técnicos. Havia até um programa na TV, o "Super Técnico". Era duro assistir a tanta prepotência.

O futebol feio, ineficiente e violento atingiu níveis insuportáveis. Até a turma do oba-oba tem reclamado. Muitas coisas começam a mudar, timidamente. São ilhas de esperança. Algumas partidas são excelentes, como a entre Fluminense e Grêmio, dois times organizados, que colocam a bola no chão. O jogo foi do mesmo nível técnico dos grandes clássicos europeus.

A mediocridade convive com alguns excelentes jogadores, geralmente veteranos, e com Neymar, um fenômeno. Ele, se tiver, com frequência, as mesmas atuações contra as melhores equipes do mundo, seja atuando pelo Santos, pela Seleção ou por um dos grandes times da Europa, se tornará um dos maiores jogadores da história do futebol mundial. Acho que isso é questão de tempo.

Um clube que tem um Neymar não possui um rápido e bom atendimento a atletas com graves problemas na partida. Muito mais importante que a entrada da ambulância é ter condições técnicas, tecnológicas e médicos capacitados para atender os jogadores, conduzi-lo à ambulância bem equipada e, em seguida, ao hospital. Na Inglaterra, exemplo de organização, as ambulâncias não entram no gramado. Todos os estádios brasileiros têm de ser, com frequência, vistoriados.

Quando a seleção, mesmo contra adversários medianos, como o Japão, mostra dois zagueiros que têm bons passes, volantes que marcam e atacam com qualidade, e quatro jogadores adiantados que são meias e atacantes, cria-se uma esperança de que o Brasil possa ter um ótimo time na Copa e que isso provoque mudanças nas equipes brasileiras.

Outros acham que, para reagir, a única solução é jogar mais e perder o Mundial. Cresce também o número de indiferentes. Penso que, depois da Copa, independentemente do que ocorrer, nosso futebol nunca mais será o mesmo, para melhor ou para pior.

Jogo decisivo

Hoje, se o Atlético não ganhar, termina o sonho de ser campeão brasileiro de 2012. O time precisa jogar com raça, mas sem nervosismo, com velocidade, mas sem pressa, com ousadia, mas sem desespero para fazer um gol na frente e sem deixar de ter cuidados defensivos contra o Fluminense.

Pena que Alex não tenha vindo para o Cruzeiro. Ele, além de craque, é um jogador especial. Está entre os grandes jogadores da história do clube celeste. Obviamente, com 35 anos, não será o mesmo de 2003. Mesmo assim, seria um grande reforço. Jogadores como o argentino Walter Montillo se aproveitariam de sua presença no time.

Quando termina a novela - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA


Pegar a estrada é o primeiro pensamento de quem encerra uma etapa da vida

A atriz havia passado os últimos meses na pele de uma personagem atormentada, vulcânica, daquelas que não tem um dia de sossego. Era de se supor que ela estivesse dando o sangue pra interpretar uma mulher tão diferente dela mesma, ela que na vida real parecia ser bem tranquila.

Foi então, na festa de encerramento, quando o elenco se reuniu para assistir ao último capítulo juntos, que o repórter se aproximou da estrela e perguntou: Para onde você irá viajar quando terminar a novela?.

Ele não perguntou “se” ela iria viajar. Perguntou direto “para onde”, sem a menor dúvida de que essa era a única opção após tanto empenho – nem passou pela cabeça do jornalista que ela poderia emendar um personagem no outro. E de fato, ela não emendaria. Respondeu que pretendia passar um mês em alguma praia deslumbrante e secreta, sem especificar em que lugar exatamente.

Quando termina a novela, a primeira providência é preparar a mala e se mandar.

O mesmo se dá nas novelas particulares, fora da tela. O que não falta é dramalhão no nosso cotidiano. A pessoa se doa, se escabela, chafurda em lamentações, quase enlouquece, até que o desgaste se confirma (seja o de uma relação, de um drama familiar, de um projeto profissional) e chega-se ao último capítulo, pois sempre há um fim.

E entre o fim e um novo começo, há que se recuperar a energia, abandonar o “personagem” e marcar um encontro consigo próprio, de preferência bem longe do cenário onde foram vividas as agruras. Pegar a estrada é o primeiro pensamento de quem encerra uma etapa da vida.

Viajar tem essa função terapêutica – também. Pretende-se que seja um divisor de águas, um momento de desconexão com o passado e de preparo para um futuro que promete ser mais promissor. E como tudo que foi intenso exaure nossas forças, espera-se que uma viagem (para um local paradisíaco, de preferência), acelere o reestabelecimento.

Claro, pode ser também para um lugar lúgubre, abandonado, sem energia elétrica. Há quem não queira ver ninguém, não queira ser interrompido em sua introspecção, e se embrenha num lugarejo fora do mapa, na esquina de Deus nos Acuda com o Fim do Mundo.

Mas geralmente procura-se o belo e o alegre – desde que se conte com um bom pé-de-meia. Separou? Itália. Encerrou um tratamento quimioterápico com sucesso? Porto de Galinhas. Pediu demissão depois de 23 anos na mesma empresa? Um cruzeiro pelo Caribe. Passou no vestibular? Garopaba. É preciso comemorar. Terminou a novela.

Algumas pessoas carrancudas não sabem o que se ganha com uma viagem. Chamam de fuga, e uma fuga bem cara. Gasta-se uma nota preta para trazer de volta apenas fotografias. Qual o retorno de se comprar um bem imaterial? Não é melhor investir num carro, renovar o guarda-roupa, trocar de computador?

Quando acaba a novela, nem carro, nem guarda-roupa, nem iniciar outra novela na sequência. Hora de sair de cena para recuperar o fôlego até que a próxima inicie – porque sempre haverá outra.

A atenção - DANUZA LEÃO

FOLHA DE SP - 21/10


Mais que tudo, o que todos queremos, do berçário à mais provecta idade, é o bem mais precioso: atenção



Afinal, o que todos queremos da vida -além do básico, claro? Bem, para começar, é preciso definir o que é o básico.

O básico é igual para todo mundo, seja você banqueiro ou Zeca Pagodinho: um bom Jaqueirão para receber os amigos, saúde, uma certa beleza física, algum dinheiro, que não faz mal a ninguém, um pouco de amor, que faz bem enquanto dura e mal quando acaba, e por aí vai. Mas mais que tudo, o que todos queremos, do berçário até a mais provecta idade, é o bem mais precioso: um pouco de atenção.

Para isso, somos capazes de tudo; uma criança, na hora de deitar para dormir, quer a presença da mãe, só olhando. Muito mais tarde, mesmo depois dos 40, os homens vão fazer o que mais gostam -surfar-, e querem que a namorada fique sentadinha na areia, só olhando.

Ninguém suporta ser completamente anônimo, e por isso as pessoas passam a vida buscando o dinheiro, a beleza, o poder ou a fama, para serem reconhecidas pelo garçom quando entram num bar.

Tem gente que vai ao mesmo restaurante só por isso, só se hospeda no mesmo hotel, e outros -mais do que você pensa- contratam um divulgador, essa profissão tão moderna, para cuidar de sua imagem, o que significa conseguir publicar uma foto ou uma notinha no jornal de vez em quando. Para quê? Ora, para existir; Nizan Guanaes já disse que o marketing é tudo na vida das pessoas.

Crianças fazem tudo o que passa pela cabeça; sem nenhuma censura, elas choram e gritam para chamar atenção; mais tarde, quando aprendem que não podem mais abrir o berreiro, vão por outros caminhos, para terem certeza de que existem. Umas se vestem de paetês, outras se queixam de doença -e às vezes se esforçam tanto que ficam doentes mesmo, e dá para entender: qualquer coisa na vida, qualquer, é melhor do que a indiferença.

Uns engordam, outros pintam o cabelo de verde, alguns tentam uma carreira de sucesso, de preferência no show business, para serem sempre notados, e quanto mais notados, melhor. Não se trata apenas de vaidade: é uma questão de ter a consciência de que estamos vivos, e se ninguém nos olha é porque não estamos. E se não estamos, de que adianta ter um coração batendo?

Por que você gosta tanto de ir ao médico? No curto tempo de uma consulta -e não se está falando de saúde- a atenção é toda dirigida a você; existe alguma coisa melhor do que ter alguém, mesmo que seja um estranho, perguntando como vai seu apetite, se tem dormido bem, que diga que você precisa deixar de fumar? Atenção: são raros os que fazem isso, pois a maioria pede uma lista de exames e diz para você voltar com os resultados.

E os analistas? Esses são maravilhosos: durante 50 minutos você tem uma pessoa inteligente que ouve os maiores absurdos, compreende tudo -que delícia-, justifica tudo -melhor ainda- e você até sente que não está mais só no mundo. Se ninguém te dá atenção você não existe, daí o drama dos famosos quando voltam ao anonimato.

Atenção verdadeira é fundamental. Quando sua empregada disser que está resfriada, tire dois minutos -só dois- do seu dia, que tem 1.540, para saber o que ela está sentindo, e diga para ela pegar no banheiro o vidro de vitamina C que você trouxe de Nova York e tomar três por dia. Lembre-se de que é ela quem serve seu café da manhã, leva um chazinho quando você chega cansada, tira gelo, lava e passa sua roupa e faz tudo para te agradar.

E quando chegar em casa à tarde, esqueça-se, apenas por uns segundos, do mensalão, das eleições, do seu cabelo que está péssimo, e pergunte se ela está melhor.

Não adianta ter todo o poder e todo o dinheiro do mundo se ninguém pergunta se você melhorou da gripe.

Gastar ou poupar? - PAULO SANT’ANA

ZERO HORA - 21/10


Nunca distingui direito se dinheiro foi feito para gastar ou para poupar.

Muitas vezes, me vejo indeciso sobre se devo guardar determinada quantia em dinheiro que ganhei ou se devo gastá-la.

Tenho certeza de que você, meu leitor ou minha leitora, também não sabe o que fazer com o dinheiro que porventura recebe: enruste-o na poupança ou dissipa-o no shopping?

A gente fala isso e se esquece dos nossos irmãos que recebem todos os meses seu dinheiro contadinho, o salário justo e insuficiente: estes não têm como poupar nunca.

Mas, para aqueles a quem sobra alguma coisa, eu tenho um conselho sábio para sair desse dilema de gastar ou poupar.

Faça o seguinte: compre a crédito. Ao comprar um bem a crédito, seja um fogão ou um carro ou apartamento, você está gastando e investindo ao mesmo tempo.

Ou seja, desfaz-se do dinheiro, adquirindo algo a crédito. Além disso, você investe no bem que está adquirindo. Este é um estratagema muito inteligente para quem fica indeciso entre poupar ou gastar.

É preciso ter bem presente que o crédito é uma das maiores invenções da humanidade.

Pelo crédito, a gente pode gastar, pagando as prestações, antes de ter feito jus ao valor das prestações, isto é, se gasta para pagar no futuro, só depois de vir por acaso a receber.

Lembro-me a propósito de que tudo que adquiri em minha vida foi pelo crédito. Se não fosse pelo crédito, não teria adquirido nada. Porque só se adquirem à vista coisas de pequeno valor.

Eu sempre poupei só pagando prestações. E, em última análise, só gastei com pagamento à vista em coisas urgentes para minha sobrevivência, como o supermercado, a farmácia, o restaurante.

Conheço pessoas humildes que só podem comprar vestidos, roupas e sapatos pelo crediário. Se não fosse o crediário, teriam de andar nuas pela rua.

Entre as pessoas das minhas relações, nunca vi uma sequer que tenha adquirido um carro, um apartamento ou uma casa à vista. E vi que muitas pessoas que conheço enriqueceram comprando imóveis a prazo.

Tem gente até que se baseia nisso para comprar bens valiosos a prazo, mesmo tudo indicando que não vai poder pagar as prestações estabelecidas. “Se o Brás é tesoureiro, a gente ajeita no final”.

Mas tem gente que gasta tudo que ganha na hora em que ganha. E tem gente perdulária que só se sente feliz ao gastar o dinheiro. São os que dizem que dinheiro foi feito para gastar, no que não deixam de ter um pouquinho de razão.

O fato indiscutível é que o dinheiro foi feito para dois fins: ou gastá-lo ou poupá-lo.

E quase sempre as pessoas decidem fazer uma das duas coisas tendo em vista suas circunstâncias.

Eu devo ser como todos: poupo e gasto. E a verdade é que nunca me arrependi nem de poupar nem de gastar.

Gastar é bom, mas poupar é previdente.

Gastar é gozar a vida no presente, poupar é assegurar a vida no futuro.

Mas com esta incerteza das ruas e essa insistência das doenças, quem é que pode garantir que existirá o futuro?

O STF dará o tom - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 21/10


O Supremo Tribunal Federal (STF) está a poucos dias do fim do julgamento da Ação penal 470, vulgo mensalão, mas ainda ficará muito tempo dedicado a temas políticos. Se brincar, deflagrará em breve até a reforma política, tão propalada aos quatro ventos — e que nunca sai do papel. Há alguns anos tramita ali a Arguição de Preceito Fundamental 161, feita pelo PR, para tentar barrar o parágrafo segundo do artigo 109 da Lei Eleitoral. Esse artigo hoje define parte da distribuição das vagas de deputados federal e estadual, e vereadores entre os partidos.

Apenas para lembrar àqueles menos acostumados aos meandros da política, o quociente eleitoral é obtido quando se divide o número de votos válidos pela quantidade de vagas. Obviamente, “sobram” algumas dessas vagas. Essas sobras, em vez de serem distribuídas entre todos os partidos que participaram do pleito, terminam nas mãos dos maiores, que atingiram o quociente eleitoral. Isso porque a Lei Eleitoral em seu artigo 109 parágrafo segundo diz o seguinte: “Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras: (…) § 2º — Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”.

Em São Paulo, por exemplo, o quociente foi de 103.843 votos. Se um partido fizer 208 mil votos, tem direito a duas vagas na Câmara municipal. Se alcançar 210 mil, fica com as duas e ainda tem direito a ver se pega mais uma nas “sobras” da conta. O PDT, por exemplo, obteve perto de 97 mil votos, somando os de legenda e os recebidos por seus candidatos. Ainda que essa votação seja maior do que a sobra de votos de alguns partidos depois de distribuídas as vagas pelo quociente, o PDT não terá direito a uma vaga na Câmara de vereadores, ainda que tenha mais votos do que a “sobra” daqueles que já conquistaram vagas pelo quociente.

Essas “sobras”, mal ou bem, têm ampla repercussão no Congresso e nas câmaras municipais. Vejamos, por exemplo, o caso do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP). Ele voltou ao Congresso guindado por Tiririca. Já outros que obtiveram mais votos do que Valdemar terminaram fora. Nas câmaras de vereadores pelo país afora, essa situação se repetiu este ano.
Dentro do Congresso, há quem veja na simples revogação do parágrafo 2º, o embrião da reforma política. Pelo menos, depois de feita a distribuição das vagas pelo quociente eleitoral, as que restassem estariam acessíveis a todos os partidos e quem obteve mais votos estaria eleito. Haveria assim, na avaliação de políticos, e até de alguns ministros do STF, mais respeito à vontade do eleitor.

O relator da ADPF 161, ministro Celso de Mello, um dos decanos da Casa, dificilmente terá tempo de colocar o tema em pauta antes de se aposentar. É pena. Mas, no Congresso, onde a reforma política permanece encantada, muitos acreditam que será o Supremo, ao analisar esse dispositivo da Lei Eleitoral, o motor propulsor. E deve ser logo, enquanto 2014 ainda está longe no calendário, mas não nas articulações políticas.

Enquanto isso, nos palanques…

Nesses sete dias que restam até o segundo turno das eleições, o humor do eleitorado apresenta um equilíbrio. Nas capitais, o mesmo PT que desponta com maiores chances em São Paulo contra o PSDB de José Serra, passa aperto em Salvador contra o DEM de ACM Neto. Não por acaso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniu com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) na última semana, levantando o Nordeste como terra promissora.

Está cada vez mais claro para os tucanos que São Paulo será terra em litígio em 2014, sem que tucanos ou petistas saiam com uma ampla vantagem. Logo, quem quiser enfrentar a disputa presidencial com alguma chance, tem que fincar bandeiras em outras praças, em especial no Nordeste. Lá, seis das nove capitais têm segundo turno no próximo domingo. Não é à toa que os petistas concentram esforços em Salvador e prometem levar Lula a João Pessoa e a Fortaleza, onde o adversário é o PSB dos irmãos Cid e Ciro Gomes. Sinal de que a batalha pela região no mercado futuro já começou, assim como o horário de verão. Não esqueça de ajustar seu relógio.

Palavras, palavras - CARLOS HEITOR CONY

FOLHA DE SP - 21/10


RIO DE JANEIRO - Aprendi alguma coisa de útil ao acompanhar os debates no STF da ação penal 470. A começar pela dicotomia do assunto, que para alguns era o mensalão e, para outros, a própria ação penal 470. A lição que aprendi, tardiamente, é a fragilidade dos sinônimos -que, em linguagem verdadeira, não existem.

Enquanto na literatura o uso de sinônimos é recomendado, e as boas metáforas são permitidas e até elogiadas, na linguagem jurídica cada palavra tem significado próprio, exclusivo. Shakespeare repetia vocábulos ("words, words, words"). Gertrude Stein não fez por menos: "A rosa é uma rosa, uma rosa". Apollinaire comparou as nossas incertezas humanas aos caranguejos; terminou sua famosa estrofe com uma repetição: "à reculons, à reculons" -recuamos, recuamos.

Pulando para o STF: no julgamento relativo à formação de quadrilha, o Ministério Público falou em "quadrilha" e "associação" -obrigando o revisor do processo a absolver os acusados. Em textos literários, as duas palavras podem ser entendidas como sinônimos. Na austeridade do texto jurídico, são completamente diversas.

A Associação Brasileira de Imprensa e a Associação Cristã de Moços não podem ser consideradas quadrilhas, que são associações permanentes ou eventuais com o objetivo de cometer crimes. Como citaram vários ministros, são "societas sceleris".

Repetir palavras é considerado crime em literatura. Há o caso do repórter que foi advertido pelo seu chefe a respeito de repetições.

Na reportagem seguinte, o rapaz foi cobrir a agressão de um pescador que sovou a mulher por causa de peixes. No texto do repórter, está dito que "João da Silva chegou da pescaria, jogou na pia uma fiada de peixes e pediu: 'Mulher, frite os mesmos'".