Decerto o governo gostaria de acreditar que, com os vetos da presidente Dilma Rousseff ao projeto que resultou da medida provisória (MP) que regulamentou o Código Florestal e a publicação do decreto que procura cobrir as lacunas deixadas pelos vetos, encerrou uma discussão que se arrastava há mais de 13 anos. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, considera o debate sobre o Código “uma página virada”. A questão, no entanto, parece longe de estar resolvida.
A presidente da República teve a seu alcance a possibilidade de virar definitivamente essa página do longo debate da questão ambiental. Bastava sancionar o projeto que lhe foi enviado pelo Congresso, até mesmo com vetos, desde que estes não alterassem a essência daquilo que deputados e senadores haviam aprovado. Optou, porém, por eliminar a alteração mais importante feita pelos parlamentares na Medida Provisória 571, que ela assinou em maio para substituir os itens do Código Florestal que havia vetado.
Trata-se da parte que estabelece as condições de recuperação das matas nas margens dos rios. O projeto de conversão aprovado pelo Congresso reduziu a área de recuperação de florestas nas margens dos rios com até 10 metros de largura, por meio de um mecanismo que ficou conhecido como “escadinha”, segundo o qual a recuperação é maior para propriedades maiores.
Para substituir o que vetou no projeto de conversão da MP 571, o governo baixou um decreto que restabelece os critérios fixados na versão original da MP. Como o decreto não precisa ser submetido ao Congresso, o governo elimina o risco de ser surpreendido com novas derrotas, como ocorreu no caso da votação do texto principal do Código Florestal e do projeto de conversão da MP 571.
Quanto aos vetos em si, é pouco provável que eles sejam derrubados no Congresso. Fiel aliado do governo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afastou a possibilidade de colocar em votação os vetos ao projeto de conversão da MP 571. Não vai haver tempo, ele alega, com razão, pois é longa a fila dos vetos a serem examinados. O mais antigo que ainda aguarda votação é de 2000, ainda no governo Fernando Henrique. Além desse, há outros 2.424 vetos engavetados. Desde 2008 não há votação de vetos no Congresso.
Assim, embora o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Homero Pereira (PSD-MT), tenha falado em “golpe por parte do governo” que não teria respeitado acordo para vetar apenas alguns tópicos do projeto e desconsiderado uma decisão tomada por unanimidade pelo Congresso -, é pouco provável que o tema volte a ser examinado formalmente pelo Legislativo. Esse quadro parece dar razão à ministra do Meio Ambiente quando ela fala em “página virada”.
Mas a afirmação, se verdadeira, aplica-se apenas ao plano parlamentar. A solução jurídica adotada pelo governo, de utilizar um decreto para definir os critérios para a recomposição das áreas de preservação permanente (APPs) nas margens dos rios, poderá ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Membro destacado da bancada ruralista, o vice-líder do DEM na Câmara, deputado goiano Ronaldo Caiado, anunciou que seu partido entrará com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) e apresentará um projeto de decreto legislativo que anule os efeitos do decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff para preencher as lacunas deixadas por seus vetos ao projeto de conversão da MP 571.
“O decreto existe para normatizar lei já existente, não para substituir leis aprovadas pelo Congresso”, argumentou Caiado. “O governo federal está usurpando e afrontando o Congresso Nacional ao querer legislar.”
Organizações ligadas ao movimento ambientalista, que defendem posições inteiramente opostas às dos ruralistas nessa questão, utilizam argumento semelhante para contestar o decreto de Dilma. “É uma tentativa do Executivo de extrapolar de suas funções. Foi criada uma norma. Trata-se de um vício de origem. O governo não pode legislar por decreto”, disse Kenzo Jucá Ferreira, da WWF Brasil.
Nessa questão, o governo conseguiu irritar os dois lados.
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