ZERO HORA - 22/10
Lisboa
A hóspede ranzinza, que fazia palavras cruzadas, chamou um empregado e reclamou que estava incomodada com o som do piano no amplo saguão de entrada do hotel Tivoli. Discretamente, o empregado do hotel informou que ao piano, naquele momento, um gênio, o inexcedível Arthur Rubinstein, depois do café da manhã, decidira alegrar uns amigos lisboetas com uma canja inesperada, tocando uma das peças que apresentaria à noite no teatro.
“Então deixe estar, assim não gasto dinheiro com o bilhete para o concerto dele” – disse a reclamante, sem surpresa, entrando em definitivo para o folclore da cidade e do hotel que é um verdadeiro ícone de Lisboa: ali já se hospedaram Mick Jagger, Claudia Cardinale, Frank Sinatra, Cary Grant, Margot Fonteyn, Nureyev, entre tantas outras celebridades.
Na semana passada, no saguão do Tivoli, em vez de acordes de Rubinstein e do burburinho de famosos, ouviam-se sussurros de conversas nervosas de políticos, empresários e jornalistas. “Crise”, nestes dias, é a palavra mais repetida, nos salões e nas ruas.
Desde o aeroporto, ouvi as reclamações e as incertezas, do motorista ao porteiro do Tivoli, do empresário ao jornalista: o brutal aumento de impostos, as dívidas do país, os cortes de subsídios, empresas grandes e pequenas fechando, desemprego, o governo que vacila e, acima de tudo o pior de todos os males: falta de esperança... No ranking da aflição europeia, pela ordem, só Espanha e Grécia aparecem em situação pior.
A história se repete, nem sempre como farsa, ao contrário do postulado de Marx. Basta ver o que Eça de Queiroz escrevia em 1872: “Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada econômica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito”. Até parece que foi hoje. Os séculos passam e as dores não mudam.
Fernando Pessoa via no caráter português a vitória da emoção sobre a razão: “A imaginação é tão forte que integra a inteligência, formando uma nova qualidade mental”. Os Descobrimentos seriam o emprego intelectual, prático, da imaginação.
Por isso, tantos séculos atrás, o Infante D. Henrique e o imperador Afonso de Albuquerque, “criadores respectivamente do mundo moderno e do imperialismo moderno”, aflitos com as precariedades da terrinha, teriam convocado Cabral, Vasco da Gama e os outros para lançar Portugal aos mares. Foi a oportunidade, segundo Pessoa, de o país mostrar que a habilidade de fazer tudo constrói a habilidade para ser tudo.
Nesse sentido, é inevitável pensar nas guerras, invasões, terremotos e devastações que desabaram por aqui: em mais de mil anos, Portugal aprendeu a resistir aos problemas e, especialmente, à falta de esperança. É sempre bom, nestas horas, recordar o Marquês do Pombal entre as ruínas da Lisboa devastada pelo terremoto de 1755: “Vamos enterrar os mortos e cuidar dos vivos”.
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