segunda-feira, outubro 22, 2012

Mitos do atraso - JOSÉ PAULO KUPFER


O ESTADO DE S. PAULO - 22/10


Os gargalos educacionais que afetam, desfavoravelmente, a competitividade da economia brasileira fazem parte daquele amplo rol de problemas complexos para os quais é possível encontrar soluções simples - e, em geral, totalmente equivocadas. É longa a lista de equívocos.

Resiste, bravamente, na cabeça de quem faz esse rol de diagnósticos equivocados, a ideia de que a qualidade da educação brasileira depende da concentração de esforços e recursos no ensino básico, em detrimento do ensino superior. Repisada há décadas, a proposta não passa de um absurdo lógico. Como almejar mais qualidade na educação básica sem professores preparados para a tarefa num ensino de terceiro grau qualificado?

Eis aí um aspecto-chave da complexidade do problema. Somente ações integradas, que contemplem a cadeia educacional como um todo, da creche à pós-graduação, darão conta do enorme desafio. No centro dessas ações, não exclusivamente, mas com importância crítica, está o professor. Sem resolver a complexa equação de como valorizar e atrair jovens para a profissão, difícil encontrar lugar para otimismo.

Nesse quesito, de fato, a situação não é animadora. Nossos professores do ensino fundamental estão entre os mais mal pagos do mundo e sua renda média não ultrapassa 90% da renda per capita nacional. Um claro contraste com os professores dos países ricos que fazem parte da OCDE, cuja remuneração média é 17% superior à média salarial geral, e anos-luz de distância da Coreia, onde o salário médio dos professores é mais que o dobro da média nacional.

Mas, não se trata, também como se costuma imaginar, apenas de uma questão de escassez de recursos. Aqui são destinados 20% da renda per capita nacional a cada aluno do ensino fundamental. O índice não está tão distante dos 26% nos países ricos da OCDE e se situa acima dos exibidos por Chile e México.

São bem conhecidas as mazelas da educação brasileira. Metade dos estudantes apresenta atraso escolar em relação à faixa etária e a evasão, em segmentos críticos como o dos adolescentes entre 15 e 17 anos, tem até aumentado. Nos aspectos qualitativos, a situação é até pior. Os índices de analfabetismo funcional são alarmantes. Na população entre 15 e 64 anos, um em cada três brasileiros consegue apenas ler e compreender mensagens simples ou realizar operações aritméticas rudimentares.

Apesar dos desarranjos e dificuldades, seria possível remover mais rapidamente as barreiras à melhoria da qualidade da educação brasileira com diagnósticos e ações menos distorcidas e cristalizadas. Para começar, quando se trata de pensar nos meios mais eficazes de ajustar a qualidade da formação de mão de obra às necessidades do mercado de trabalho, é comum cometer o equívoco de pôr toda a responsabilidade da superação do problema nos ombros do processo educacional, deixando as empresas fora do esforço.

Não é costume entre nós lembrar o protagonismo das empresas alemãs e coreanas - os modelos invejados - na indução da formação profissional e absorção de trabalhadores qualificados. Um elemento fundamental para o êxito dos sistemas educacionais desses países é, justamente, o estreito vínculo entre empresas e escolas.

Essa integração não nasceu da descoberta genial de algum sábio pedagógico, mas, simplesmente, de uma necessidade decorrente da crescente capacitação tecnológica do setor empresarial. Na Coreia, por exemplo, os investimentos em P&D (pesquisa e desenvolvimento) suplantam 3% do PIB, dos quais dois terços são de origem privada. Já no Brasil, recursos destinados a P&D, ano após ano, mal passam de 1%, metade bancado pelo governo.

O baixo investimento em P&D, no Brasil, reflete não apenas demanda limitada de mão de obra qualificada, que se desdobra na desconexão entre as empresas e o sistema educacional. Vai além das questões educacionais e é também mais um sintoma das muitas distorções e dos muitos equívocos que atrasam, em diferentes campos, o desenvolvimento brasileiro.

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