O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi visitado ontem pela Polícia Federal. Ele foi da PM do Rio de Janeiro e se sente tão inimputável que recentemente postou um vídeo em que ameaçava de morte quem estava em atos contra Bolsonaro. Alertou que os PMs andam armados e poderiam atirar no peito ou na cabeça de alguns que estavam na manifestação. É esse tipo de pessoa que o inquérito das fake news está encontrando. Há uma linha que liga ataques ao Supremo, manifestações a favor do presidente com faixas pedindo intervenção militar, nas quais Bolsonaro e alguns dos seus ministros já foram, e uma militância que em parte anda na faixa da ilegalidade.
O problema é que o próprio presidente anda nessa linha de sombras entre o legal e o ilegal. Bolsonaro, na última quinta-feira, fez aquela convocação aos seus militantes. “Deem um jeito de entrar nos hospitais e filmar.” Estava publicamente estimulando um crime. O procurador-geral da República, Augusto Aras, oficiou aos procuradores regionais para abrirem investigação contra quem invadiu hospitais. Aras se comporta como se não tivesse visto que o presidente estimulou aquilo que ele considera que deva ser investigado. Repetiu a mesma atitude de alienação seletiva no caso das manifestações antidemocráticas. Aras abriu o inquérito para investigar organizadores e financiadores daquela manifestação na frente do Exército. O fato de o presidente ter comparecido e fortalecido o grupo, dizendo que as Forças Armadas estavam com eles, Aras não achou importante. Ele tem um olhar periférico para os fatos. O que fez o ato ter gravidade foi exatamente a presença do chefe do Executivo.
O que torna Sara Giromini notícia não é ela em si. Seu grupo não consegue fazer jus ao nome que ela inventou. Deveria trocar para 10% de 300 do Brasil. Ela é resgatada da irrelevância pelo presidente Jair Bolsonaro, que diz que eles são sua base popular e em nenhum momento repudiou os fogos de sábado à noite contra o STF. O deputado Daniel Silveira não tem contribuição positiva à vida pública. Ficou conhecido por quebrar a placa de Marielle. Mas os manifestantes que ele ameaçou de morte foram chamados no dia seguinte de “terroristas” pelo presidente. Então eles falam a mesma língua. O problema de Bolsonaro não é que ele tem “bolsões radicais”. Ele se comporta como integrante do bolsão.
Quando o inquérito das fake news começa a oficiar as primeiras diligências, eleva-se o conflito com o Judiciário porque a sombra que recai sobre o bolsonarismo é a ponta final do fio que começa a ser puxado pelo ministro Alexandre de Moraes. O que eram ataques virtuais e ameaças aos ministros do Supremo se ligam a manifestações reais contra as instituições, nas quais o presidente vai, e que podem ter sido financiadas por empresários bolsonaristas. Os mesmos que são suspeitos de estarem por trás de financiamentos ilegais de campanha, através da contratação de disparos de mensagens em massa que distorcem os movimentos de opinião pública.
Esse fio entre investigados e o presidente, entre o legal e o crime, é que cria risco para a democracia brasileira. O que preocupa é a zona de sombra entre o governo Bolsonaro e esses ativistas agressivos capazes de hostilizar enfermeiras, de invadir hospitais, de lançar fogos de artifício contra o STF em meio de gritos de ofensa, de gravar vídeos falando em matar manifestantes, de postar ameaças gravadas a um ministro do Supremo. Há ilegalidade demais na atuação pública do governo. A ida de Abraham Weintraub para se confraternizar com militantes que muito provavelmente são os mesmos dos fogos contra o STF é mais um desses momentos em que fica explícita a relação perigosa entre o governo e o submundo. A demissão de Weintraub não resolve o problema. Ele sempre foi estimulado a ser assim.
O vice-presidente Hamilton Mourão disse à “Folha” que há um exagero e que não se pode considerar “meia dúzia de gente que estava aí na rua como ameaça”. Mourão disse que seria o mesmo que considerar “aquela turma da foice e o martelo como ameaça”. É verdade. O problema nunca foi haver grupos pequenos de radicais. A democracia convive com eles e os enquadra quando é o caso. A anomalia no Brasil neste momento é a intimidade entre esse bolsão e o presidente. Em atos, palavras e omissões, Bolsonaro tem estimulado um grupo de malucos.
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